João Matos
Consultor em Negócios da Biodiversidade

Claudia Blair
Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia

A floresta Amazônica é uma reserva verde capaz de fornecer um sem fim de ingredientes inovadores para a indústria de cosmético, farmacêutica ou de alimentos. Concretizar esse cenário, passa pelo estabelecimento de mecanismos econômicos diferenciados, que integrem governos, empresas e academia, para se alcançar o tão falado Desenvolvimento Sustentável, possível somente com o uso do conhecimento cientifico aplicado para a construção de tecnologias e ações não predatórias.  As populações amazônicas tem conseguido, em alguns casos, este feito, vejamos:

Um problema ambiental transformado num sucesso mundial.

Na década de 70, especificamente no arquipélago das ilhas do Marajó, no Estado do Pará, houve um grande desafio para a sobrevivência da espécie Euterpe oleraceae, conhecida como Açaí.  A comercialização de palmito de açaí, na época, destinada basicamente para o sudeste do Brasil, causou destruição em massa do açaizais nas ilhas, em menos de uma década. Porém, o costume e hábito das populações tradicionais daquela região em consumir a polpa, extraída das sementes, foi decisiva para que o vinho de açaí voltasse a ser o principal produto da espécie, que em alguns anos alcançou sucesso mundial, tornando-se a bebida da moda entre os jovens. A partir de então, a extração do palmito passou a ser autorizada apenas se aplicado o manejo dos açaizais, fato que reduziu o abate indiscriminado das palmeiras e contribuiu para a regeneração da espécie. Atualmente a comercialização do açaí alcança 215.000 toneladas de fruto, promovendo mudanças na vida social e econômica das populações urbanas e ribeirinhas (cerca de 100.000 empregos diretos e indiretos), sem esgotar o recurso natural. Podemos dizer que no Brasil, este produto genuinamente amazônico, causou uma ruptura industrial da rota comercial sul-sudeste, onde a partir da cadeia produtiva organizada e capacitada, o açaí, conquistou o mercado mundial. É comercializado sob diferentes formas de produtos tais como: polpa, sourbet, energético clarificado, cápsulas, açaí em pó, diferentes blends, entre outros. Apesar das dificuldades da região, o açaí alcançou um espaço mercadológico almejado por qualquer seguimento da indústria, porque seu desenvolvimento ocorreu num âmbito empresarial de grande porte (empreendimentos privados), com recursos disponíveis para custear pesquisas. Na Amazônia existe um lista de palmeiras, provavelmente com o mesmo potencial econômico e diferentes aplicações, que significariam para as empresas interessadas, novos projetos com lançamento garantido de muitos produtos até a virada do século, caso fossem investidos hoje, recursos para estudos e desenvolvimento tecnológico em parceira com instituições locais, a exemplo do açaí.

Tecnologia e Inovação

Na Amazônia a geração de empresas Spin-Off, resultado da parceria e transferência de conhecimento entre universidade e setor produtivo, reforça o sucesso do elo entre a ciência e a inovação, mostrando que é possível alcançar grandes mercados tendo como base os ingredientes que brotam da Floresta, como é o caso das empresas Amazongreen no Amazonas e Amazon Dreams no Pará, ambas trabalhando com insumos e desenvolvimento local. Outro tipo de investimento fundamental para alavancar a inovação e tecnologia na região vem do governo brasileiro, como a criação do Centro de Biotecnologia da Amazônia em Manaus-AM, onde é possível desenvolver, por exemplo, processo biomoleculares para o uso sustentável da biodiversidade, com ações globais integradas aos principais centros de pesquisas e laboratórios públicos e privados, num novo desenho capaz de atender empresas de cosmético de diferentes portes.

Sociedade e Cultura

Da Amazônia brotam mais que produtos, insumos ou ativos, brotam também a essência das populações tradicionais, cuja a maior parte do conhecimento, de seus usos e costumes, envolvendo as espécies nativas, é a base para o sucesso comercial desses produtos. Essa sabedoria popular está em diferentes feiras, vilarejos e beiras de rios, nas cidades distantes onde o comerciante de ervas e folhas ainda põe produtos, à vendas, oriundos de sua própria terra e muitas vezes de sua manipulação caseira. É visto nas mulheres que exibem seus brilhantes e longos cabelos e peles que encobrem a idade, pela leveza e suavidade com que foram cuidadas, graças às misturas formadas com produtos vindos da farmacopéia de seus avós e bisavós, com resultados, que se fossem testados nos melhores laboratórios do mundo, causariam surpresas. A Convenção sobre Diversidade Biológica é o ambiente onde o acesso ao conhecimento tradicional das populações extrativistas, indígenas e agricultura familiar tem sido bastante discutidos, afim de estabelecer reconhecimento e remuneração sócio-econômica deste conhecimento herdado por seus antepassados de forma justa.

Para um assunto tão complexo possivelmente temos o início de um novo tempo, pois, na comunidade Maracá – município de Mazagão- Estado do Amapá, as comunidades receberam apoio do GTA – Grupo de Trabalho Amazônico, que iniciou o Projeto protocolo comunitário para acesso a recursos genéticos e conhecimento tradicional associado, seu uso sustentável, repartição de benefícios e conservação da biodiversidade em comunidades tradicionais, segundo o Presidente da organização, Rubens Gomes, a construção dos protocolos comunitários fará com que haja uma grande inclusão dos povos da floresta, preparando e estruturando-os para um melhor relacionamento comunidade-empresa, promovendo o empoderamento comunitário, domínio das informações disponíveis e, nesse sentido, preparar as comunidades às negociações de acordo com o protocolo da Nagoya.

Uma outra ação com foco no uso da biodiversidade é o Projeto Estruturante de Cosmético que está sendo  executado pelo Sebrae nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, com objetivo de promover a indústria de cosmético de base florestal na Amazônia. A motivação do projeto é que a floresta deixe de ser apenas fornecedora de matéria-prima bruta e através do conhecimento tecnológico, mercadológico e logístico da região, as empresas do setor percebam esta oportunidade de negócio, venham para a região e formem um cluster de cosmético, já que a mesma detém a maior biodiversidade do planeta. O Sebrae conta com um importante parceiro, A Agência de Cooperação Técnica Alemã – GIZ, que possibilitará a transferência de alta tecnologia para a extração de óleos e manteigas de sementes aos técnicos, gestores, micro e pequenas empresas, comunidades, associações e cooperativas, estabelecendo padrões de alta qualidade aos ingredientes, atendendo assim as exigências da indústria mundial de cosmético, farmacêutica e alimentícia.

Além das empresa nacionais, os maiores players mundiais tem identificado o mercado de produtos naturais como uma grande oportunidade de crescimento, afinal beleza e natureza sempre combinaram. Os produtos provenientes da floresta amazônica atendem os padrões e critérios de sustentabilidade e de certificação, sejam orgânica, biotrade ou fair wild, pois, a atividade de coleta deste produto é de baixo impacto ambiental. Espécies como açaí, andiroba, pracaxi, buriti ou babaçu já podem ser encontradas em todo o mundo, porém, continuam esperando suas companheiras da floresta dos baixios, das áreas altas ou de igapós como mucajá, bacuri-pari, bacaba ou buçu, afinal é de lá que todas elas vem, e brotam do mesmo lugar, das árvores.

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