Produtores que possuem Indicação de Procedência e Denominação de Origem se organizam para implementar uma entidade nacional
Clarisse de Freitas
As associações de produtores de todo o País que já obtiveram a Indicação de Procedência (IP) ou a Denominação de Origem (DO) pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) estruturam a criação de uma entidade nacional para conscientizar os consumidores dos diferenciais representados pelas certificações de procedência. O objetivo, segundo Rogério Valduga, presidente da Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) é unificar esforços.
“Um problema comum, que todas as indicações geográficas têm, é a falta de reconhecimento pelo consumidor do significado do selo na embalagem. Começamos a articular a criação de uma entidade nacional para enfrentar essa questão. No caso do vinho, é um pouco mais fácil, porque o consumidor tem experiência com indicações de outros países, mas a dificuldade encontrada por outras cadeias é muito grande”, argumenta.
O reconhecimento pelo consumidor pode ser apontado como o ponto da virada, que transforma os investimentos e esforços necessários para organizar a cadeia e transformar a certificação em lucro. Dados da Comissão Européia de Comércio apontam que lá, onde os consumidores estão habituados a reconhecer os diferenciais das regiões, 43% se dispõe a pagar até 10% mais por produtos com Indicação Geográfica (IG) e 11% afirmam que pagariam até 30% mais pela garantia de procedência, a qualidade e a tradição. Formar essa demanda exige esforços em duas frentes: é preciso conquistar o engajamento da comunidade e apresentar os diferenciais ao consumidor final, mesmo que ele esteja em outros estados ou no exterior.
Valduga aponta que o trabalho de articulação local precisa ser constante. “Não é fácil, principalmente quando temos que convencer agricultores como meu pai, que produz uva há décadas, de que é preciso mudar o sistema de cultivo das videiras. E mais, que ele precisa remover plantas que produzem 40 toneladas por hectare ao ano, por outras que rendem 12 toneladas, mas com um ganho de qualidade significativo”, conta.
A estratégia no Vale dos Vinhedos, que é capitaneada pela indústria, consiste em firmar contratos de compra da produção por valores que superam o dobro do que é pago por uvas cultivadas pelo processo tradicional. A Aprovale possui a IP desde 2002 e espera receber neste ano a DO.
O que aconteceu no Vale dos Vinhedos mostra que as perspectivas de valorização são muitas. A região serrana iniciou o processo há 16 anos com um cenário de pouca valorização do produto e intenso êxodo da população rural. Atualmente, o preço do hectare no Vale dos Vinhedos é apontado como o mais caro do Brasil. As terras são negociadas atualmente entre R$ 300 mil e R$ 400 mil o hectare. Já os investimentos feitos em tecnologia pelas vinícolas coloca a Serra gaúcha como uma das regiões produtoras mais desenvolvidas do mundo.
Os diferentes tipos de Indicações Geográficas
- Indicação de Procedência refere-se ao nome geográfico de um país, de uma cidade, de uma região ou de uma localidade de seu território, que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou de prestação de determinado serviço.
Exemplo: Franca para Calçados; Paris para perfumes. - Denominação de Origem define-se como o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que sirva para designar produto ou serviço cuja qualidade se deva, exclusiva e essencialmente, ao meio geográfico, incluídos os fatores naturais e humanos.
Exemplo: Bento Gonçalves para vinho; Minas Gerais para queijo.
Selo vai permitir a rastreabilidade dos doces fabricados em Pelotas
Está nos planos da Associação dos Produtores de Doces de Pelotas permitir que, nos próximos meses, os consumidores tenham acesso, via internet, a um banco de dados que indique a procedência de cada confeito, assim como o detalhamento da origem dos ingredientes usados. O reconhecimento aos doces da cidade, que tramitou por cinco anos e foi deferido em agosto, foi concedido de forma definitiva no dia 30 de novembro, quando se encerraram os prazos de questionamento legal ao processo. A partir de agora, só poderão usar a marca Doce de Pelotas os produtores reunidos pela associação detentora da patente. No processo, eles comprovaram que respeitam a tradição confeiteira local de quase 200 anos e que, além da cidade de Pelotas, está presente nos municípios de Capão do Leão, São Lourenço, Turuçu, Arroio do Padre e Morro Redondo (que se emanciparam de Pelotas).
“A ideia é que os papéis pelotine (as forminhas) sejam numerados pela associação. A empresa produtora comprará as embalagens por lotes e irá informar que doces serão embalados com cada lote e qual a origem dos ingredientes – que obedecem ao regulamento técnico registrado pelo Inpi. Pela internet, o consumidor terá acesso a essa informação. Esse sistema ainda está em construção e deverá estar disponível em seis ou oito meses”, detalhou Rosâni Ribeiro, gerente da regional Sul do Sebrae.
O advogado Pablo Berger, especialista em Direito Empresarial, observa a importância da estruturação da entidade, já que o País não possui um órgão específico de fiscalização e proteção às marcas. “Basicamente o trabalho funciona a partir de denúncias e do pedido judicial de regularização, ou seja, para que quem usa a marca indevidamente pare de usar”, diz.
Ele explica que, a longo prazo, o fortalecimento da denominação de origem representa ganhos também aos consumidores, que vêem na indicação de procedência a garantia de que as receitas são as mesmas que fizeram a história do lugar e que os processos de fabricação seguem rigorosos controles de qualidade.
O Inpi reconheceu como Doce de Pelotas 15 receitas: quindim; olho de sogra; broinha de coco; beijinho de coco; panelinha de coco; queijadinha; camafeu; pastel de Santa Clara; bem casado; fatia de Braga; amanteigado; trouxinha de amêndoa; ninho; papo de anjo; e cristalizados.
A gerente do Sebrae conta que o processo de certificação (que está sendo repetido agora pelos produtores de pêssego em calda da cidade) inclui a criação da mobilização de produtores, o resgate histórico da produção e a construção de um regulamento técnico que garanta a qualidade e a autenticidade dos produtos.
Processo para obter a certificação envolve também a industrialização
No caso dos produtores de arroz do Litoral Norte gaúcho, que obtiveram em setembro de 2010 a primeira Denominação de Origem do Brasil, o trabalho de articulação vem sendo conduzido pelos produtores rurais, que trabalham para mobilizar a comunidade e conquistar a indústria. “A DO é também uma ferramenta de desenvolvimento econômico. Além de todo o controle dos insumos usados na lavoura e das formas de cultivo, o processo engloba também a industrialização, que obrigatoriamente é feita na região. Estamos construindo com a Cooperativa Palmares essa segunda etapa, ao mesmo tempo em que criamos áreas-piloto de cultivo para demonstrar com visitas técnicas o diferencial do arroz do Litoral Norte. A indicação promove a conquista do mercado através do reconhecimento público dos processos, da qualidade e da sustentabilidade”, afirmou Clovis Terra Machado dos Santos, presidente da Associação dos Produtores de Arroz do Litoral Norte Gaúcho (Aproarroz).
O processo de implantação não é simples. A etapa mais complicada começa após a concessão do selo pelo Inpi e vai, além das questões comerciais, para ações de engajamento da comunidade e de desenvolvimento da economia local, como a valorização da cultura e da história que envolvem a cadeia produtiva certificada e o fomento ao turismo. Nesse primeiro ano, a DO teve poucos reflexos econômicos para os produtores de arroz. Santos indica que os gestores das associações detentoras de Denominações de Origem e Indicações de Procedência estão cientes de que têm em mãos “um diamante bruto, que terá resultados tão bons quanto for a lapidação”.
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