“Se o governo lhe pedisse, que provasse em fatos e números, por que é mais vantajoso para o país não promover os transgênicos, como o sr. responderia?” |
Planeta Orgânico entrevista Jean Marc von der Weid e Flavia Londres, da ONG AS-APTA. Jean Marc von der Weid também faz consultorias para a FAO e ao PNUD na área de desenvolvimento sustentável, na África e América Latina. Em 98 criou a Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos. Atualmente participa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
“Se o governo lhe pedisse, que provasse em fatos e números, por que é mais vantajoso para o país não promover os transgênicos, como o sr. responderia?” |
Esta é uma questão de mercado muito simples. Tomemos o caso da soja, cuja liberação para cultivo comercial no Brasil está em disputa judicial: temos que os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina concentram 80% da produção mundial de soja, que representam 90% das exportações mundiais de soja. Estas exportações têm como destino principal a Europa, o Japão e a China, mercados que têm rejeitado os produtos transgênicos e imposto restrições cada vez maiores ao seu consumo. Os EUA e a Argentina já produzem transgênicos em larga escala e o Brasil é, atualmente, o último grande produtor e exportador de soja limpa, livre de transgênicos.
Esta condição tem garantido ao Brasil uma vantagem comparativa jamais experimentada no mercado internacional. As exportações brasileiras de soja triplicaram nos últimos cinco anos. Com a crescente demanda da Europa por soja não transgênica, as exportações brasileiras pularam de 11 milhões de toneladas, em 1999, para 14 milhões de toneladas em 2000, enquanto as exportações americanas estagnaram. De 2000 para 2001, a exportação de soja brasileira cresceu 13%, enquanto a dos Estados Unidos continuou estagnada.
Além disso, a soja certificada como não transgênica está recebendo dos compradores europeus prêmio de até 11 dólares por tonelada, enquanto os preços dos produtos transgênicos caíram.
Como se isso não bastasse, temos que considerar que o que existe hoje no mercado são dois “tipos” de plantas transgênicas que em realidade não são, como as empresas divulgam, mais econômicas, mais ecológicas ou mais produtivas.
O primeiro “tipo” é o das plantas resistentes a herbicidas. É o caso da soja transgênica Roundup Ready (RR), da empresa Monsanto, resistente ao herbicida Roundup, da mesma empresa. Esta tecnologia permite que o agricultor pulverize o agrotóxico à vontade, sobre a lavoura, matando todas as espécies de plantas existentes no local e deixando as plantas de soja transgênica intactas. Em plantios convencionais os agricultores são obrigados a manejar estes produtos com muito cuidado, sob o risco de prejudicar a própria lavoura.
Não é de se estranhar que o resultado das plantações de soja transgênica vem sendo o maior uso de herbicidas. Primeiro, devido à facilidade de manejo que este sistema proporciona e, segundo, porque ao se usar sempre e em grande quantidade um mesmo agrotóxico, o mato adquire resistência, obrigando o agricultor usar maiores quantidades do produto para compensar sua perda de eficácia.
O outro “tipo” de transgênico existente no mercado são as plantas inseticidas. Estas plantas receberam genes de uma bactéria que produz toxinas inseticidas e se tornaram, elas mesmas, letais para os insetos que delas se alimentam. É o caso do milho e do algodão Bt (o nome vem de Bacillus thuringiensis, bactéria da qual se extraiu o gene), que são tóxicos para as lagartas e insetos que os atacam.
Ocorre que da mesma forma que o mato adquire resistência ao herbicida, os insetos adquirem resistência às plantas Bt. O problema é que, como a toxina está presente em todas as células da planta Bt, a exposição das pragas ao “veneno” é muito maior, o que acelera o desenvolvimento da resistência. O resultado é que muito rapidamente estas plantas perdem sua eficácia e obrigam os agricultores a usar outros inseticidas até mais fortes do que os que usavam originalmente.
Um outro dado importante é que nem as plantas resistentes a herbicidas e nem as inseticidas são mais produtivas que seus pares convencionais (a soja RR, ao contrário, é ligeiramente menos produtiva do que a convencional).
Por outro lado, a tecnologia usada para se desenvolver as sementes transgênicas é caríssima e, como forma de garantir o retorno de seus investimentos, as indústrias cobram, além de “taxas de tecnologia”, direitos de patente sobre suas sementes. Isto significa que quando o agricultor as compra, ele assina um contrato que o proíbe de reutilizá-las em safras seguintes (prática de guardar sementes, tradicional da agricultura) assim como de comercializá-las, trocá-las ou passá-las adiante.
Ou seja, além do agricultor ter que pagar taxas de tecnologia e preços mais elevados (as sementes transgênicas são em média 30% mais caras do que as convencionais), ele fica proibido de reproduzir sementes e obrigado a comprá-las todos os anos. Percebemos que ele é colocado numa condição de dependência com relação aos seus insumos básicos, o que fragiliza ainda mais sua situação econômica.
Estes fatores, aliados às questões de mercado expostas no início, explicam porque é muito mais vantajoso para o Brasil não permitir o cultivo comercial de transgênicos em seu território.
Algumas pessoas, de diversos setores (desde pesquisa até produção) consideram um atraso a resistência a produtos transgênicos. O que o sr. tem a dizer sobre este argumento? |
A tecnologia para a produção dos produtos transgênicos que existem no mercado está nas mãos de um pequeno número de poderosíssimas empresas transnacionais. Cada variedade transgênica é protegida por várias patentes, às quais tanto os agricultores como os pesquisadores têm que se sujeitar. Como estas empresas dominam o mercado de sementes (não só transgênicas) em quase todos os países, elas ficam livres para colocarem no mercado só as sementes que querem (atualmente, nos EUA, é dificílimo encontrar sementes de soja convencional de qualidade no mercado) e pelo preço que querem. Os agricultores ainda são proibidos de multiplicar as sementes, sendo obrigados a recorrer a estas empresas todos os anos para a compra de novas sementes. Neste modelo de agricultura biotecnológica, quase todo o processo de produção está nas mãos das empresas.
Se não adotarmos os transgênicos agora não estaremos deixando de desenvolver tecnologia. A tecnologia já está vindo pronta de fora, e poderá ser importada a qualquer momento, se avaliarmos que isto será interessante.
Por outro lado, como já dissemos acima, não há vantagens comparativas em se adotar os cultivos transgênicos em detrimento dos convencionais. Há, sim, os riscos (para a saúde e para o meio ambiente) que os transgênicos trazem consigo.
Defendemos que haja mais investimentos para pesquisas de interesse público. Em verdade, sabe-se muito pouco sobre os efeitos da transgenia e é necessário se aprofundar o conhecimento científico nesta área. É urgente que se comece a investir pesado em pesquisas de avaliação de impacto ambiental e de avaliação de efeitos na saúde humana e animal devido ao consumo de alimentos transgênicos.
As empresas multinacionais de transgênicos e seus simpatizantes alegam que estes alimentos são a solução para a fome mundial. O sr. concorda? |
A questão da fome não pode ser resolvida pelo cultivo de plantas transgênicas. A fome não existe por falta absoluta de alimentos no mundo, mas pela falta de recursos para importar alimentos nos países mais pobres com déficit de produção e, nas famílias mais pobres, para comprar alimentos ou produzi-los. Para resolver o problema da fome, a estratégia não é aumentar a produção em termos absolutos, mas sim nos países deficitários. Por outro lado, não basta aumentar a produção de alimentos nestes países, mas fazê-lo com custos baixos o suficiente para permitir o acesso da população de baixa renda. É claro que sem uma distribuição de renda e políticas de pleno emprego sempre haverá fome.
Grande parte dos famintos é das zonas rurais, que não conseguem produzir o suficiente para comer e/ou para vender nos mercados. Outra estratégia de superação da fome passa por dar condições de produção para este setor, tanto para resolver sua situação de insuficiência alimentar, como para ampliar a oferta de alimentos baratos no país.
Neste setor a tecnologia dos transgênicos não tem o menor sentido. É uma tecnologia cara e arriscada para agricultores que vivem em situações de risco ambiental significativo. A soja Roundup Ready, por exemplo, tem como objetivo facilitar o uso de herbicidas pelos agricultores, mas o nosso público alvo não usa herbicidas por não poder comprá-los. O milho ou o algodão Bt podem representar uma economia no uso de pesticidas, mas o nosso público não costuma usá-los, pelas mesmas razões acima.
Para ampliar a oferta de alimentos a solução que já vem dando certo é o emprego da agroecologia. Como esta tecnologia não implica no uso de caros insumos externos, ela tem menores riscos para o produtor. Sua eficiência está comprovada com resultados atingindo, numa média mundial de casos analisados por pesquisadores da Universidade de Essex, na Inglaterra, 100% de aumento da produtividade. É interessante notar que nos casos mais avançados analisados na pesquisa, ou seja, os que corresponderam à aplicação integral dos conceitos e do conjunto das técnicas da agroecologia, os aumentos de produtividade chegaram a 500%. Mesmo que os transgênicos não oferecessem riscos ambientais e para a saúde do consumidor, eles decididamente não resolveriam os problemas da fome no mundo.
Como o sr. vê o mercado brasileiro e o mercado mundial de alimentos e da agricultura, com relação aos subsídios na Europa e nos Estados Unidos, no presente momento e num futuro próximo? |
No caso americano, os novos subsídios aprovados para a agricultura são mais um reflexo da ineficiência de seu modelo de produção, para o qual a biotecnologia não trouxe melhorias. As grandes monoculturas homogêneas – e transgênicas – americanas são absolutamente insustentáveis e não podem sobreviver e competir no mercado internacional sem gordos subsídios do governo.
Muitos países europeus vieram, ao longo dos últimos anos, adotando uma política agrícola suicida, reduzindo o número de pequenas propriedades de produtores diversificados para o abastecimento do mercado interno e se voltando para a grande produção de comodities de exportação. Este modelo já não é sustentável em países onde a terra é barata e vasta. Para os países europeus ele será uma catástrofe e também só sobreviverá a custas de grandes subsídios.
Que caminhos o Brasil deveria tomar para firmar-se como auto-sustentável em relação à agricultura? |
A agroecologia vem mostrando capacidade de produzir com rendimentos por hectare iguais ou superiores aos sistemas convencionais, transgênicos ou não. Seus custos de produção são mais baixos e sua estabilidade frente a variações ambientais muito maior que nestes últimos. Por outro lado, a agroecologia não provoca danos ambientais nem destrói recursos naturais não tendo, portanto, custos indiretos a contabilizar.
O grande “problema” da agroecologia é que ela não pode ser utilizada em grande escala em fazendas, empregando mecanização pesada, exatamente por operar através de sistemas diversificados de uso do espaço. Agroecologia rima com diversidade, enquanto agroquímica e transgênicos rimam com homogeneidade. Agroecologia ajusta-se perfeitamente à agricultura familiar, que usa mão de obra contratada de forma complementar e pontual. Como são sistemas complexos, eles exigem uma capacidade de gestão do espaço e do tempo de trabalho dificilmente aplicável em grande escala com mão de obra alugada.
Mas este “problema” é, na verdade, uma solução. Em um país como o Brasil, em que boa parte de sua população ativa não tem expectativa de encontrar emprego e renda suficientes e estáveis para uma vida digna, a ideia de um sistema agrícola baseado em propriedades familiares é uma solução (talvez a única) para resolver o problema da marginalização crescente da população. A agricultura familiar resultante de uma radical redistribuição da propriedade fundiária será perfeitamente capaz de produzir alimentos e outros produtos agrícolas para as necessidades do consumo interno e das exportações brasileiras.
O QUE É AS-PTA |
A AS-PTA é uma Ong, fundada em 1989, que procura promover o desenvolvimento rural sustentado com base na agricultura familiar e na agroecologia. Ela atua orientando processos participativos de desenvolvimento local em duas micro-regiões, no Nordeste (envolvendo 15 municípios) e no Sul do País (22 municípios). A partir dos resultados técnicos, econômicos e sociais alcançados nestes programas a AS-PTA extrai subsídios para orientar propostas de políticas públicas que permitam generalizar estas experiências para outros programas de desenvolvimento local de agricultores familiares. O efeito de demonstração obtido nestes programas é o elemento-chave para influenciar os mais variados atores (poderes públicos, organizações de agricultores, pesquisadores, professores, extensionistas, ONGs, etc.) sobre as vantagens da agroecologia e das metodologias participativas na promoção de uma agricultura sustentável.
Para cumprir a missão que assumiu, a AS-PTA colabora com inúmeras instituições públicas e privadas. Entre elas encontram-se entidades de agricultores familiares das áreas em que atua, mas também entidades nacionais, dezenas de ONGs, pesquisadores da Embrapa e de entidades estaduais de pesquisa, além de participar do Conselho Nacional Assessor da Embrapa, do Conselho Assessor do Centro Nacional de Pesquisa em Agrobiologia e de representar as ONGs no Conselho Nacional para o Desenvolvimento Rural Sustentável, do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Colabora também com professores das Universidades Federal Rural do Rio de Janeiro, Federal da Paraíba e Federal de Pernambuco e da Universidade Estadual de Londrina (PR). No plano internacional a AS-PTA colabora com a FAO na organização da Conferência Mundial da Alimentação e participa do comitê executivo do Fórum Global para a Pesquisa Agrícola.