O Planeta Orgânico foi visitar a Usina São Franciso. Seu diretor-agrícola, Leontino Balbo Jr, pessoalmente mostrou os canaviais cultivados organicamente, provando a viabilidade de uma produção orgânica em larga escala.

Vista aérea da Usina São Francisco
Fica em Sertãozinho, distante 30 minutos de Ribeirão Preto, São Paulo, a maior usina de açúcar orgânico do mundo, a Usina São Francisco. Dito desta maneira parece ufanismo de brasileiro, mas depois de conhecer as instalações, as fazendas, as ilhas de biodiversidade, o laboratório, e sobretudo o lado social que compõe este projeto, o Planeta Orgânico voltou seguro para afirmar que, de fato, visitou a maior usina de açúcar orgânico do mundo. E convida você para partilhar deste encontro com Leontino Balbo Júnior, diretor-agrícola da São Francisco, que fala de suas raízes e suas experiências ao lançar-se no mundo dos orgânicos.
Desde quando sua família lida com agricultura? |
Os meus bisavós vieram da Itália e meu avô nasceu aqui. O meu avô começou a trabalhar com 9 anos de idade na Usina Schmidt, que era do Francisco Schmidt, na época o rei do café. Casou-se aqui, e meus avós tiveram 12 filhos: 4 mulheres e 8 homens.Todos trabalhavam; as mulheres lavavam roupa, fizeram uma pensão e com isto conseguiram mandar os três filhos menores estudar. Um fez agronomia em Piracicaba na Luis de Queiroz, os outros dois, odontologia. Meu pai é dentista mas sempre trabalhou na lavoura, em usinas..Eles não tinham sábado, domingo e feriado. Só viviam para trabalhar. Tive tios que foram ter as primeiras férias com 45 a 48 anos. Os meus tios, mesmo sem ter ido a escola eram muito inventivos. Meu tio Alcidio inventava máquinas, e fez a primeira adubadora do Brasil para cana de açúcar. Ele tinha 17 anos. Esta máquina esta sendo usada até hoje. Ele morreu ha 4 anos atrás com 74 anos. Nós ainda temos esta adubadora, que esta sendo usada há 70 anos e ninguém fez nada de melhor. Pois bem, em 1947, eles pegaram uma economia de 40 anos, compraram um pequeno sítio e começaram este negócio na Usina Santo Antônio e em 1957, começaram a Usina São Francisco.
Além de inventivos, eram todos preocupadíssimos com ordem e limpeza. Meu pai saía pelo campo de 10 mil hectares e se visse um pau de cerca torto, tinha que ser arrumado imediatamente. Os arames era todos afiadinhos, os carreadores varridos. Eles criaram uma filosofia de qualidade.
E quando você entrou nesta engrenagem familiar ligada à terra? |

Leontino Balbo Jr., junto com acúcar orgânico, embalados em papel Kraft.
Quando eu entrei aqui em 84, tinha um primo que era agrônomo que estava na área industrial, o Jairo. Um irmão meu entrou em 83. Quando nós chegamos, vimos que, apesar de toda essa organização, a cana, na hora de fazer o produto era queimada, cortada manualmente. Um serviço penoso, severo. Quando a cana queima ela sofre micro fissuras na casca. Ela solta um líquido açucarado, aí a água evapora e forma um xarope. Em volta da cana queimada fica um xarope. Quando você joga a cana no chão a terra gruda naquilo, a cana vai “à milanesa” de terra para a usina. Isto numa usina convencional. Nós não nos conformávamos com aquilo. Achávamos que tínhamos que melhorar o processo. Então naquela época começamos a fazer um programa que se chamou Projeto Cana Verde, que era fazer que uma área agrícola, atingisse auto sustentabilidade, para que conseguíssemos melhorar a qualidade da matéria prima. Isto foi em 1986.
Já que estamos falando da agricultura, qual foi a primeira “semente” para este projeto germinar forte? |
A primeira coisa que nós achamos que devíamos fazer sem muita tecnologia, foi implementar um projeto de reflorestamento, para começarmos a criar ilhas de biodiversidade. Se nós quiséssemos atingir auto sustentabilidade precisaríamos ajuda da natureza. A medida que você vai deixando de lado insumos modernos, principalmente químicos, você precisa de insumos biológicos. Então você tem que se antecipar porque algumas medidas do projeto você pode implementar em 1, 2, 3, 4 anos mas um reflorestamento, mesmo que você plante tudo de uma vez você só vai ter aquele resultado 30 anos depois. No nosso caso, nós fizemos um tipo de adubação orgânica e nós estamos conseguindo bosques e matas em 12 a 14 anos. Na metade do tempo de um reflorestamento convencional.
Quantos hectares de orgânicos vocês tem hoje? |
As duas usinas, São Francisco e Santo Antonio fazem 20.000 hectares no total dois quais 13.000 são de orgânico. Para converter mais ainda para o orgânico, nós estamos desenvolvendo tecnologia para esta finalidade. Só que agora nós dependemos um pouco da demanda também. Hoje nós temos cana orgânica para produzir 80.000 toneladas de açúcar orgânico e estamos exportando 20.000 toneladas. Temos que dar uma respirada. Você tem que manter todo este status orgânico, que tem um custo maior. Você tem cata manual, adubação orgânica, que torna tudo muito mais caro. Hoje nós colocamos 200 toneladas de adubo orgânico por hectare quando plantamos a cana. No plantio convencional são 500 kg de produto químico. Nós estamos colocamos 400 vezes mais de volume na forma orgânica. Isto tudo tem um custo muito maior.
Pode ter um custo maior, mas o ganho ambiental é incalculável… |

Ilhas de bio diversidade contribuem para o equilíbrio do ecossistema
Sem dúvida! Quando eu vendo um açúcar orgânico, estou vendendo um produto mais saudável e estou vendendo “o não impacto” na área do ambiente de produção, estou vendendo o cuidado com o rio, com a água potável, com o pássaro, com o clima…
Desde que começamos o Projeto Cana Verde a Usina São Francisco tinha 5% de área de vegetação nativa; hoje nós temos 14%. Em um projeto orgânico, o solo, a mata não sabem que a terra tem escritura, o que importa é a interação destas áreas de continuidade.O programa de reflorestamento de árvores nativas começou a ser implantado em 1986, a fim de criar ilhas de diversidade (“depósitos biológicos”) de recursos naturais que contribuem para o equilíbrio do ecossistema local. As usinas mantém viveiros capazes de produzir 65 mil mudas de espécies nativas por ano. Elas são plantadas nas fazendas de acordo com suas qualidades e as necessidades de cada local, como margens de rios, lagos e várzeas, áreas consideradas criatórios de peixes, aves e mamíferos.

Rosina Guerra (Planeta Orgânico), Leontino Balbo Jr.e Fernando Alonso de Oliveira (Usina São Ffrancisco) próximos a um canteiro de mudas de espécies nativas. Ao fundo, plantação de cana.
Desde o início do programa já foram plantadas cerca de 800 mil árvores e as áreas beneficiadas mais antigas já formam verdadeiras florestas. No ano que vem queremos chegar a um milhão Com o reflorestamento os animais silvestres começaram a voltar às fazendas e, gradativamente e a cadeia alimentar foi sendo reestabelecida.
Paralelamente, um trabalho de proteção à vida selvagem proíbe a caça e a pesca e estabelece um programa de prevenção e combate à incêndios nas áreas reflorestadas e de vegetação nativa, havendo patrulhamento e restrição de acesso aos habitats. Muto bem, em 1986 fizemos o reflorestamento e aí começamos a parte mais difícil…
E qual foi? |
Não queimar a cana. Foi difícil adaptar as máquinas para isso: duas pegaram fogo, outras colhiam com muita palha e finalmente tivemos que procurar o fabricante para fazermos adaptações nas máquinas, para podermos colher a cana verde. Queríamos a cana verde, não a cana queimada. Nós tivemos que colaborar com projetistas e mecânicos para fazermos uma remodelação no sistema hidráulico, que foi feito em São Paulo. Este trabalho durou 5 anos até que conseguimos desenvolver uma máquina a contento. Até que 93 surgiu a “Amazon” e em seguida apareceram mais dois modelos. Até a Austrália mandou uma máquina para testarmos. Só que 1990 nós tínhamos visto a máquina engolir a cana. Fizemos dois protótipos. Nós tínhamos três tipos de máquina correndo comercialmente, a máquina ainda não estava boa, mas tínhamos que continuar, não tinha volta. Uma vez tendo colhido cana crua, nós queríamos continuar com a cana crua. No primeiro ano colhemos 2% de cana, no 2º ano foi para 6% depois para 18%, 24%. Até que em 1995 nós completamos 100% da área.
PO – Por que o projeto orgânico é um “quebra-cabeça”? |
O projeto orgânico é um grande quebra cabeça. Cada etapa do projeto é uma pecinha, sendo que quando você coloca a última, todas as pecinhas tem que começar a interagir entre si, porque a “coisa” é viva.
PO – Você disse que o mais difícil foi não queimar a cana, e que a partir desta conquista vocês mudaram toda a filosofia produtiva. Explique esta passagem. |

Cobertura de folhas protege o solo
Sim, é verdade. Conforme eu disse anteriormente, fomos aprimorando e buscando uma maneira de colher a cana crua, sem queimar, até que em 1995 conseguimos colher 100% da área. Foi aí que nós mudamos toda filosofia produtiva. Tudo que se fazia em cana até agora era baseado em técnicas que vieram da Europa e nos países temperados. Lá você tem a neve, você tem desgelo e o solo fica gelado. Você tem que revolver a terra, inverter a leiva e aí você precisa da ação do sol para ativar os micro organismos para que eles possam atacar a matéria orgânica e mineralizar os nutrientes. Na Europa você precisa aquecer a terra para ativar a vida. Aqui no país tropical as pessoas chegaram com arado virando a terra, as minhocas desapareceram num sol de 70 graus. Esterilizou-se o solo. Nos últimos 50, 60 anos o solo no Brasil foi esterilizado. Num país tropical nós temos é que tentar reproduzir as condições da mata. Colocar uma cobertura de folhas protegendo-a da insolação, da erosão, da ação direta dos raios solares.
O solo é decomposto por facções. Se você pega um pedacinho de terra ali você tem areia, saibro e argila. Esses pedacinhos tem tamanhos diferentes. Eles são arranjados de uma forma tal e colados entre si. Esta colinha vem de cálcio e de resultados de atividades micro biológicas. A minhoca come a terra, aquele resultado que ela produz tem uma certa colinha no húmus. Isto ajuda a colar a terra. Este arranjamento de terra resulta num espaço poroso de 40 a 45% onde a água vai se armazenar. Armazena ali o oxigênio quando não tem água. Este oxigênio vai para as raízes das plantas. Na mata isto está tudo arrumadinho e o homem se encarrega de desmanchar. E a medida que se protege o solo, com a vinda da chuva a gota vem carregada de energia cinética, bate com força e quando bate separa estas facções do solo. A argila que é fininha, tenta entrar no solo e quando chega lá em baixo começa a entupir os espaços do solo e então começa a erosão. O solo fica em degradação. É ai que nós entramos para tentar inverter o processo.
PO – De que maneira vocês conseguiram inverter o processo? |

Pneu do caminhão, com mais de 70 cm de largura, e controle de pressão.
Nós colhemos a cana crua, espalhamos uma camada uniforme de palha sobre o solo, 20 toneladas de palha de cana por hectare para que em baixo fique fresco e úmido. Nós temos todas as máquinas com esteiras de borracha ou metálicas, que distribui a pressão sobre o solo. Por exemplo, nossa máquina de colher cana pesa 17 toneladas, mas a pressão dela no solo não é maior do que a do pé humano. Para os caminhões de cana, nós temos uns pneus, que tem mais de 70 centímetros de largura, que trouxemos de Israel e da Suécia. No painel do caminhão você tem um botão que faz o pneu murchar, ele fica fofinho, aí se carrega de cana o caminhão do lado da colhedora e quando ele sai na estrada se aperta o botão para o compressor encher os pneus. Nós desenvolvemos esta tecnologia aqui. Isto é para não amassar a terra consequentemente sua vida biológica, como por exemplo a minhoca.
Por isso que eu falo que as peças do quebra cabeça tem que conversar entre si. Quando eu vendo um açúcar orgânico, estou vendendo um produto mais saudável e estou vendendo “o não impacto” na área do ambiente de produção, estou vendendo o cuidado com o rio, com a água potável, com o pássaro, com o lobo.
PO – Qual a preocupação da Usina São Francisco em relação à área social? |

Casas dos funcionários da Usina São Francisco
Na área social, 20% ou 560 dos 3.000 funcionários moram em casas da Usina. As casas dos funcionários são pintadas de cor ocre. Misturando cal na tinta a pintura dura 10 anos. Quando chove é que a cor fica mais bonita ainda. Parece uma pintura de quadro. Nada mais limpo, mais bem tratado do que esta fazenda. Não tem uma folha no chão nas cercanias da usina, que está sendo constantemente varrido. As usinas tem 400 casas. Isto faz parte de um programa de benefícios; quer dizer que as casas são para as pessoas que tem uma capacitação. Por exemplo, um funcionário que é chefe do setor elétrico, mora numa dessas casas gratuitamente que é bom para ele e para nós, pois se a usina tem um problema elétrico a noite ele é facilmente localizado. As casas são cedidas em função do cargo que a pessoa exerce.
Temos um ambulatório com mais de 60 médicos conveniados para atender nossos funcionários; temos ginecologista todas as manhãs, temos dentistas e enfermeiros. Os trabalhadores vão ao médico e os enfermeiros correm toda a fazenda distribuindo os remédios adequados a cada um, tirando pressão e dando os remédios prescritos. O motorista corre as fazendas todos os dias. Aqui tem rádio. Se alguém ficar doente vem a ambulância. Nós temos 4 ambulâncias nas 2 usinas. Duas ficam fixas na usina e duas rodam todas as frentes de trabalho.. Temos também uma escola para os filhos dos funcionários, todos os filhos vão a escola, recebem material escolar de graça. Temos uma pista de atletismo com professores de educação física que estimula as crianças a fazerem esportes como, vôlei, basquete, atletismo, corrida enfim todo o tipo de competição. Nós também temos o programa de participação e resultado. Os funcionários tem ganho 1 salário e meio a mais por ano, o 14º e meio 15º baseado em metas de resultado que eles atingem. Também temos um refeitório para atender os funcionários.
PO – Com a introdução da máquina para a colheita da cana, o que você fez com todos os funcionários que cortavam a cana manualmente? |
Não dispensamos ninguém, requalificamos todo o pessoal. Temos um programa de capacitação. Temos um plano de carreira com bases em cargos e salários. As pessoas tem mobilidade horizontal e vertical na empresa. Quando a pessoa demonstra vontade e potencial nós investimos nela. Financiamos bolsas de estudos. Nós temos muita gente fazendo curso superior com bolsa de estudo da empresa.
– Passamos por uma extensa plantação e perguntamos o que era –

Plantação de mucuna
Isto é mucuna, feijão mucuna e está no início do desenvolvimento. Isto é rotação com adubo verde. Em três meses e meio esta mucuna vai chegar de 40 a 50 toneladas de massa verde por hectare. Então ela é desintegrada com equipamento especial e forma uma camada desta mucuna sobre o terreno. Planta-se diretamente sobre esta folhagem de mucuna. Aí a mucuna começa a se decompor e a devolver os nutrientes que ela fixou. Ela é adubação (nitrogenada) e este nitrogênio vem do ar não vem da Petrofertil. Vemos aqui esta cana que deu o 1º, 2º e o 3º corte. A gente corta a cana a máquina, esparrama a palha, a cana brota e a palha controla o mato.
Durante a decomposição da palha, ela libera substâncias que inibem o desenvolvimento das plantas daninhas: é a Alelopatia. A cana cresce e fecha a linha. Nós passamos aqui 2 vezes, carpindo manualmente tirando o colonião, brachiaria, tudo manualmente. Aqui sempre passa gente “caçando” ervas daninhas. Nós temos 1.000 pessoas nas 2 usinas para correr os 15.000 hectares. Aquele pessoal está fazendo a replanta hoje. Todo o pessoal é transportado por ônibus.
– Leontino mostra uma das ilhas de biodiversidade –

Plantação de mudas de árvores nativas
Isto aqui já é uma ilha de biodiversidade. Nós construímos este lago, porque, onde se tem água, reconstitui-se muito mais facilmente a cadeia alimentar, desde a bactéria até o lobo. Aí tem-se a possibilidade de ter anfíbios. Em volta deste lago nós fizemos um reflorestamento, a princípio de 15 metros. Temos que começar devagar.
Se quisermos fazer um reflorestamento de 50, 60 e 70m., começamos com uma extensão pequena para que ele se desenvolva. Precisa ser muito cuidado senão ele não vai para frente. Porque estamos cansados de ver projetos de reflorestamento que plantam milhões de árvores, daí há 5 anos só tem colonião, e se ninguém toma conta, some, desaparece por completo.
PO – Como vocês fazem o reflorestamento? |
Nós plantamos 15 metros. Cuidamos, adubamos. Ainda plantamos grama para estabilizar. Para não ter erosão. Daí há 3, 4 anos, afastamos mais 15 metros e plantamos grama para estabilizar, com isto não terá erosão, mesmo que tenhamos que arrancar a grama depois. Esta parte aqui só tem 4 anos de reflorestamento. Onde o córrego desce nós temos 60 metros e vai até acabar a fazenda. Este córrego é de água potável. Com esta ilha de biodiversidade pronta, nós já temos lobo, veado, cachorro do mato, tamanduá, macaco, e já encontramos até uma sucuri com a “barriga” enorme pois tinha comido uma capivara; partimos então para completar um outro lugar menos privilegiado. Agora vamos entrar na Fazenda Santa Rita e vocês verão uma fazenda orgânica. O trabalho de manejo aqui já esta mais adiantado. Nós queremos que cada pessoa que passe na estrada sinta um estímulo positivo. Aquelas árvores que estão ali são nativas brasileiras.
PO – O que é regeneração espontânea? |
Por exemplo, agora estamos passando pela nascente da água da represa. Nós começamos um trabalho de regeneração espontânea da vegetação nativa. Nessas áreas você não pode plantar mudas. É muito molhado. Você nunca acerta. A natureza é que tem que escolher que árvore é que vai dar bem aí. É uma regeneração espontânea. Então nós plantamos algumas que nós imaginamos ter possibilidade de se desenvolver bem como a embaúba, jambolão, ingá e outras. Você planta 7 ou 8 espécies que você acredita que se darão bem em terra molhada. É o que se sabe por literatura. De repente 2, 3 ou 4 pegam. Estamos vendo aqui árvores jovens. Daqui há 7 ou 8 anos elas já disseminaram outros filhotes e estas vão estar com 10 a 12 metros de altura. Isto é um trabalho de regeneração espontânea. Um outro trabalho que nós começamos mais recentemente, foi plantar grama nos carreadores (caminhos). Vocês vão ver uns que já estão totalmente fechados de grama. O que fica muito bonito. Nós começamos nos carreadores de fundo, na parte baixa. No futuro também queremos fazer nos carreadores do alto e isto aqui vai virar um jardim. Nós temos 1.100 km de carreadores nas 2 usinas. Estes do fundo da São Francisco já estão todos plantados. E esta grama aguenta pisoteio de máquina, colhedora, caminhão. Tem só que cortar, cortar, cortar.
PO – Estes projetos são todos de vocês? |
Tudo. Tudo feito aqui. Todas são árvores nativas do Brasil: angico, cedro, mulungú do litoral que é do norte, tem farinha seca, ipê, ipezinho. Esta árvore aqui, Calabura, atrai 27 espécies de pássaros. Criamos uma faixa ao longo do córrego para protege-lo. Plantamos de fora a fora, pitanga, jambolão e amora.
PO – Estamos vendo muitos pássaros. Há mais pássaros nas plantações orgânicas? |
Temos várias espécies. Coruja, João de barro, muito gavião. É um predador excelente. Às vezes temos 20 a 30 juntos comendo lagartinhas. Este gavião que vocês acabaram de ver é o famoso ‘pinhé’ (tem esse nome por causa do som que emite, que parece pinhé, pinhé) Ele não é seletivo. Ele come de tudo. Ele pega outros pássaros, cobra, minhoca. Quando a máquina colhedora passa ou trator de preparo eles aparecem em bandos. Vocês vão ver a quantidade de passarinhos predadores atrás das colhedoras pegando os insetos. A seca e a geada maltratam muito a plantação. Às vezes se perde tudo.
PO – E não tem seguro para isto? |
A cana é uma cultura relativamente resistente. E o prêmio que você estaria pagando todo ano, ficaria muito maior que o prejuízo eventual. Nós temos uma geada a cada 6, 7 anos normalmente não compensa o seguro. Foi a 1ª geada que nós sentimos no reflorestamento. Ficou mais ou menos provado que o reflorestamento tolera razoavelmente a geada. Um outro trabalho que nós fazemos é pegar material de demolição de uma cidade vizinha e reciclamos. Nós fazemos aqui manutenção de estradas com tijolo e telha. Nas cidades este material acaba aterrando córrego o que é um problema ambiental sério.
PO – Vocês plantam cana o ano todo? |
Janeiro, fevereiro e março são meses de plantio. Esta cana não será colhida na próxima safra porque ela ainda estará pequena. Ela é uma cultura perene. Ela tem que crescer. Ela é colhida pela 1ª vez com 15 a 16 meses, A partir daí ela é colhida todo ano no mesmo mês. A cana dá um corte por ano. Ela tem que crescer toda aquela biomassa por ano. Quando ela chega no 5º, 6º e 7º corte nos temos que renová-la. Nós tiramos a cana, e preparamos o solo para um novo plantio. Fazemos a rotação de colheita todo ano. Temos 20% de toda a área renovada. Então a gente tem uma rotação de área. Este ano esta área está recebendo adubo verde. Em 5 anos toda a fazenda estará renovada. Aqui é um cultivo mínimo o que se pode ver é que essa cana brotou e você não mobilizou o solo, não é como a cultura anual convencional em que as pessoas gradeiam (mobilizam) a área 3 a 4 vezes por ano e isso esteriliza a terra. Ali no vizinho, a cor da cana é verde clara. Você vê uma diferença de cor na cana quando a adubação é orgânica e quando é normal.
PO – Quando a cana está pronta? |
Essa cana foi cortada em junho. Até junho do ano que vem ela estará lá produzindo 110 toneladas de colmo (gomos) e folhas por hectare. Esta biomassa fixa o carbono do ar atmosférico e é exatamente este excesso de carbono, que está sendo colocado no ar, que está aquecendo o planeta.
PO – É o famoso sequestro de carbono? |

A cana é um filtro de carbono
Exato. A cana é um filtro de carbono que tem um efeito anti-estufa. A cana já está crescendo. E o chão está coberto de palha, se você cavouca embaixo você vai ter minhoca, cupim. O solo aqui está sempre protegido; ou tem cana em cima, ou tem palha, ou tem adubo verde. A gente só vê o solo vermelho ou exposto por 2 ou 3 meses que é o tempo necessário para semear. Durante 7 anos o solo só fica exposto por 2 a 3 meses. Na fazenda Água Branca vamos ver o solo vermelho mas a semente já está lá dentro. Foi colocada antes da chuva.
PO – Por que suas certificadoras são internacionais? |
Nós fizemos uma certificação com FVO e ECOCERT que gerou um certo mal estar com as certificadoras brasileiras. Nós fizemos com estas duas porque as taxas brasileiras eram muito maiores, eram de 2% da venda. Atualmente tenho conversado com o IBD a respeito da certificação para o café. Nós temos plantação com o selo FVO e ECOCERT e vamos ter que completar a demanda com o café IBD que é muito bom. Mais como a Native vai entrar vendendo IBD o padrão tem que ser melhorado. Nós estamos tão preocupados com isto, para poder selecionar nós estamos criando um selo Native de qualidade.
PO – Poucas pessoas vinculam o produto orgânico à preservação do meio ambiente. Como divulgar esta “conexão direta”, orgânicos-meio ambiente? |
A princípio me desiludi um pouco em tentar mudar o brasileiro. Nós estamos com um problema cultural no Brasil: no momento atual, infelizmente, a consumidor brasileiro com poder aquisitivo come silhueta. O consumidor americano come saúde e o europeu come meio ambiente. Nós estamos em 3 momentos culturais. O europeu não acha caro o açúcar orgânico a US$3,00 porque ele sabe que ali, o estado está economizando em saúde pública, que está contribuindo para preservar o meio ambiente, que está contribuindo para que as crianças estejam na escola ao mesmo tempo que pensam assim, alguns europeus também ficam indiferentes a matança dos imigrantes turcos enquanto investem uma fortuna para a preservação de um “periquito azul dourado” que esteja em extinção… Mas em geral eles estão realmente trabalhando pelo meio ambiente. O americano come muito mal e vive mal. Agora estão tomando consciência deste estado e estão preocupados. O consumidor americano de supermercado está ligado em saúde. No Brasil, a maioria dos consumidores está preocupada com a silhueta. Nós temos que vencer a barreira da silhueta para aí chegar na saúde, para depois ao meio ambiente.
PO – Qual o marketing escolhido pela Native? |
A Native escolheu uma ferramenta muito difícil que é não falar mal dos outros. É a ética no marketing agressivo. Pode ver que a nossa campanha foi muito limpa, suave. Poderíamos ter entrado com slogan “Don’t panic, eat organic” metendo medo nas pessoas. Mas não é assim que nós queremos ser lembrados. Nossa missão é muito difícil. Vender orgânico num país onde não tem cultura para isso e de uma forma ética. Temos que arrumar uma maneira muito original. Fizemos uma campanha muito bonita, na TV, em muitos jornais e hoje com 8 meses de lançamento estamos em 1500 supermercados. Isto é um fenômeno.
Nós temos que trabalhar a imagem do orgânico. Temos que tirar esta cara de “natureba”. A Native investe no conceito do orgânico mais do que qualquer empresa gigante como, por exemplo, a Nestlé. Nós fomos muito ousados. Nosso açúcar está agora nos produtos do Paul Newman, no Starbucks. Na Inglaterra, nós estamos atendendo um padrão de qualidade que o açúcar brasileiro normalmente não atende. É muito difícil passar no crivo de qualidade exigido na Europa. Tem alguns parâmetros tecnológicos do açúcar, como cor ICUMSA, pontos pretos, partículas magnéticas etc. que o nosso açúcar atende. O mercado Europeu é muito exigente.. A Native responde a exigências orgânicas internacionais.
PO – Como está a aceitação do açúcar Native no mercado? |

Embalagem açúcar Native
O açúcar Native conseguiu um fato inédito. Conseguiu ficar a 1,60m na prateleira de 90% dos supermercados, o que se chama “eye level” (o nível dos olhos), no Brasil inteiro. O melhor lugar do supermercado. A Native encampou o conceito de orgânico em todo sentido. Desde a postura do funcionário até a questão social. Somos muito bem recebidos nos supermercados Sonai, Sé, Zona Sul, Pão de Açúcar, Carrefour e outros. Quando chegamos para negociar chegamos com a planilha de mídia na mão. Fomos buscar parceiros, mas estávamos muito bem embasados.
PO – Como vocês trabalharam a embalagem para supermercado? |
Nossa embalagem é com papel biodegradável. Conseguimos na Inglaterra um celofane para a janelinha. Agora ela vai ser 100% biodegradável. Temos um ‘’sachet’’ individual, que é muito bem aceito. A nossa meta é que as pessoas provem o açúcar para sentirem o gostinho da cana. Criamos então uma maneira de fazer o cliente provar o açúcar: o algodão doce. Estava criado o veículo. É feito um rodízio nos supermercados. Fizemos o algodão doce com o açúcar dourado, e com o açúcar claro. Cada máquina fica 5 dias num supermercado.

Maria Beatriz M. Costa (Planeta Orgânico) e Fernando Alonso (Usina S.Francisco) diante dos sacos de uma tonelada para exportação
PO – A Native está atendendo quantos países na Europa? |
24 países do mundo, inclusive a Austrália, o que foi um fato inédito, pois eles são grandes exportadores de açúcar. Nós exportamos um container, e eles estão experimentando.
PO – Como vocês embalam o açúcar orgânico para exportação? |
O açúcar orgânico precisa de um tratamento muito especial. Não pode ser transportado em caminhão normal, nós temos que pegar um container, higienizar, forrar com papel Kraft por dentro prendendo tudo com fita adesiva. O saco do açúcar tem que ser de papel; este papel só pode encostar em papel, não pode encostar no metal do container. Tudo tem que seguir regras rígidas de limpeza. A sacaria de papel é costurada com barbante, a tinta é atóxica a base de água. Nós temos um saco de 1 tonelada chamado big bag. Estes big bags são exportados para a Europa com açúcar orgânico.
PO – Você, pessoalmente, está engajado na questão ambiental? |
Estou atento a tudo e tenho lido muito a respeito. Você sabia que comprando orgânico você evita a contaminação do lençol freático? Qual a importância da água para o mundo? Você sabia que a água potável vai acabar? Em 2005 água potável vai estar mais cara que o combustível. Aliás na França e em outros países já está. Porque a “Perrier” (água mineral gasosa, francesa) é tão boa? Não é que ela seja tão melhor, é que não tem outra. Nosso lençol freático ainda está relativamente bem preservado.
As terras na Europa já levaram tanto adubo químico que o nitrato já contaminou o lençol freático. Essas conversas ninguém comenta. Não sei se é a hora de usarmos um pouco de terrorismo. Nos EEUU o lençol freático está contaminado com MTBE que é o aditivo químico da gasolina. Agora na Califórnia e Flórida fizeram um levantamento do subsolo e chegaram a conclusão que tem MTBE na água que vai demorar 1500 anos para se degradar porque ele é quase não degradável biológicamente, e é cancerígeno. O governo americano tem uma linha de crédito de 600 milhões de dólares só para trocar tanques velhos em postos de gasolina e isto a fundo perdido… É por tudo isso que o conceito orgânico tem que ser divulgado, divulgado, divulgado.
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