Michael Pollan, escritor americano, autor do livro The Botany of Desire, escreveu um polêmico artigo no New York Times em maio de 2001: O Complexo Industrial Orgânico. O Planeta Orgânico entrevistou Michael Pollan e traz para você os pontos de vista deste consumidor de orgânicos por prazer e convicção.


PO – No início do seu artigo você fala do imaginário que povoa a cabeça do consumidor quando compra um produto orgânico: pequenas fazendas, vaquinhas pastando, uma cena “pastoral” como você mesmo qualifica. O que o motivou a pesquisar mais sobre o orgânico no supermercado?

 

MP – A expressão “organic-tv dinner” me pareceu inadequada ao conceito orgânico e,  olhando de perto a indústria orgânica, a cena pastoral começa a ficar cada vez mais fora de foco. O fato é que as grandes empresas já perceberam que uma fruta ou um vegetal orgânico não são parte de uma revolução cultural, mas sim de um nicho de mercado que movimenta, só nos Estados Unidos, mais de 7 bilhões de dólares. As grandes empresas também sabem que saúde é uma questão de percepção do consumidor.

PO – Antes de entrarmos nas questões levantadas no seu artigo, conte-nos quando e como se deu sua aproximação com os orgânicos?

MP – Acho que foi nos anos 70. Naquela época você encontrava comida orgânica em casa de produtos naturais e geralmente com um aspecto feio. Eu não dava muita importância a isto. Nesta época eu morava em Manhattan. Em 1983 nós compramos uma casa no campo, quando comecei a fazer jardinagem. Quando compramos esta casa procurei revistas especializadas em orgânico pois eu não queria usar agrotóxicos. Então posso dizer que minha aproximação com o orgânico foi mais pelo lado da jardinagem do que pelo lado do consumidor.

Meu próximo envolvimento com orgânico foi em 1988, quando estava escrevendo um artigo para a revista do New York Times sobre engenharia genética e comida geneticamente modificada. Na realidade este artigo, “Playing God in the Garden”, foi o último capítulo do meu livro “The Botany of Desire” (ainda não traduzido em português), quando  escrevo sobre a batata.

PO – O que mais o chocou ao escrever o artigo sobre transgênicos, Playing God in the Garden?

Escrevendo sobre o tema, eu estava aprendendo muito sobre a agricultura convencional. Entrevistei  fazendeiros de Idaho que cultivavam batatas,  vi como era a cultura a convencional de batata e fiquei horrorizado – 14 aplicações de agrotóxico!!  Agrotóxicos tão fortes que os fazendeiros não vão aos campos por 5 dias depois da pulverização tóxica. Mesmo se acontecesse algum incidente, como por exemplo quebrar algum instrumento de irrigação. Eles sabem que é tão perigoso o contato a e exposição ao agrotóxico que eles preferem perder a plantação do que os empregados. São fazendeiros que não podem comer suas batatas por causa dos agrotóxicos constantemente aplicados.

PO – É realmente aterrorizante… 14 camadas de agrotóxicos!

MP – Foi uma verdadeira lição esta minha ida a Idaho, porque eu não sabia como a produção industrial convencional americana funcionava. Eram fazendas enormes, computadorizadas e com grandes investimentos. São o que eles chamam de “Campos limpos”. Tudo está morto, exceto para a planta que você quer cultivar. O solo está morto. Você não vê um único inseto. O solo parece pó. Não é uma coisa viva.

“O solo era completamente diferente.
Tinha cheiro de vida.”

PO – A partir desta experiência você decidiu pesquisar as fazendas orgânicas.

Fui então visitar uma fazenda orgânica de batata e encontrei um lugar totalmente diferente. O solo era completamente diferente. Tinha cheiro de vida. Tinha alguma coisa acontecendo de fato naquele solo. Eu perguntei a eles como eles controlavam as doenças, qual era a filosofia deles, os métodos por eles usados. Foi este meu encontro mais profundo com um produtor orgânico e meu aprendizado de como eles faziam aquilo. Na verdade eles estavam se preparando para uma excelente colheita, comparada com a da agricultura convencional. A diferença era periodicidade da colheita, que nos orgânicos não e acelerada o processo.

PO – Você encontrou uma outra forma de cultura.

MP – Um cultura sem agrotóxicos. Os fazendeiros confiam na cultura rotativa, plantando uma grande variedade de batatas e também de outros produtos. Monocultura é um problema. A diversidade é fundamental em tudo. Até para software. Monocultura de qualquer espécie é perigoso. Eu acho que os agricultores acreditam no que eles vêm. Quando alguma coisa da certo eles a adotam. Eles se analisam entre si muito cuidadosamente e estão sempre perguntando “o que será que o meu vizinho está plantando?”. Portanto, quanto mais orgânico estiver sendo plantado, mais pessoas estarão experimentando o orgânico também.

Eu sei que orgânico dá mais trabalho do que a agricultura convencional. O orgânico toma mais tempo na administração da plantação. Intelectualmente também dá mais trabalho; ao invés de você comprar um pacote de agrotóxicos, você tem que criar um sistema de proteção natural na sua plantação.

PO – De alguma maneira os transgênicos contribuíram para tornar o orgânico mais conhecido?

O orgânico estava e está crescendo. Os transgênicos foi a melhor coisa que podia ter acontecido para os orgânicos, no ponto de vista de negócios. Os GMO’s criaram uma demanda real por orgânicos nos EEUU. Orgânico é o único alimento que você pode estar certo de não ter ingrediente geneticamente modificado. O mercado começou a crescer espantosamente. Tornou-se um negócio de porte..

PO – A Monsanto respondeu ao seu artigo afirmando que a agricultura geneticamente modificada não estragava o solo.

MP – Bem, comparando com a agricultura industrial tóxica que eu vi, eu até entendo o ponto de vista deles. Embora eu não acredite que isto seja verdade. Mas se eles realmente desenvolveram uma batata geneticamente modificada que não precise levar 14 pulverizações de agrotóxicos, eles podem até fazer uma afirmação sobre a sustentabilidade desta batata. Mesmo na hipótese de ser mais sustentável, nós ainda não sabemos os reais efeitos provocados ao meio ambiente pela agricultura geneticamente modificada. Não se sabe muito sobre isto. Mas o que é curioso é que as pessoas da Monsanto geralmente acreditam que seu produto é orgânico, porque eles usam o pesticida BT, que é aceito pelos orgânicos. E eles sentem-se ofendidos por serem rejeitados pelos orgânicos.

PO – E o que você acha disso?

MP – A falácia deste pensamento é que eles estão arruinando com o BT; eles estão colocando doses tão altas de BT no meio ambiente que eles estão criando resistência a ele nos campos de batata do Colorado. Por isso que os orgânicos estão tão zangados. Pois eles usam o BT há tantos anos de uma maneira moderada e controlada e a Monsanto vem agora estragar isto.

PO – Você acha que orgânicos e produtos geneticamente modificados são incompatíveis?

MP – Uma pergunta que eu faço aos fazendeiros orgânicos é: “Você pode imaginar que possa ser orgânico um produto modificado geneticamente?” Alguns dizem que sim, outros dizem que não, pois desde que você está abatendo genes, torna o produto muito sintético. Outros fizeram uma observação interessante: “Bem, se você estiver usando modificação genética para aperfeiçoar a espécie do milho, e se você não estiver tirando genes de outras espécies, você não estará cruzando as barreiras da espécie, você estará somente usando isto para acelerar o processo dentro do próprio milho. Isto nós podemos até considerar, depois de muita pesquisa feita Então, talvez até seja possível, num dia futuro, que estas duas propostas possam coexistir. Mas o que eu tenho visto é que nós não precisamos desta tecnologia.

“Não é uma questão de quanta comida você produz, a questão é saber quem comanda o dinheiro para comprar comida, e quem faz a distribuição.
E isto não é problema de tecnologia.”



PO – Como você responderia à argumentação de que os alimentos geneticamente modificados são a solução para o problema da fome no mundo?

MP – Este é um assunto muito complexo. Eu não acho que eles estejam sendo sinceros quando usam este argumento. Porque eles não estão trabalhando para resolver a fome do mundo. Eles estão trabalhando na resistência dos agrotóxicos para uma produção industrial em países ricos. Este argumento é pura retórica e acho que eles estão apelando para nosso sentimento de culpa, compaixão e preocupação com o resto do mundo. E eu não aceito este argumento. Em outras palavras, eles estão dizendo que nós devemos deixar de lado nossas preocupações com o que nos interessa por “razões altruístas” e aceitar esta tecnologia para que o povo da África possa ter o que comer.

A revolução verde aumentou enormemente a produtividade das plantações, mas evidentemente não o suficiente para matar a fome do mundo. Os países com os maiores índices de fome são exportadores de comida. Então não é uma questão de quanta comida você produz, a questão é saber quem comanda o dinheiro para comprar comida, e quem faz a distribuição. E isto não é problema de tecnologia.

PO – Algumas pessoas consideram que ser contra alimentos geneticamente modificados é o mesmo que ser contra o progresso. O que você acha dessa colocação?

MP – Eu não sou contra pesquisas e pesquisas tem que ser muito bem feitas. O que eu digo é que estes produtos devem ter um rótulo visível, para que as pessoas saibam se estão comendo comida geneticamente modificada ou não. Acho também que deve haver normas muitas severas. E isto não está acontecendo. Mas o crescimento do orgânico está muito relacionado com os produtos geneticamente modificados pois as pessoas estão assustadas e estão procurando cada vez mais produtos saudáveis. Isto me deixa nervoso pois uma indústria que é muito dependente de medos alimentares fica vulnerável. Eu acho que as pessoas precisam razões positivas.

PO – Como você vê o crescimento dos orgânicos industrializados?

MP – Eu acho que existe uma tensão entre a lógica do industrializado e da lógica do orgânico. A preocupação com o preço, o mais barato possível e a eficiência pode levar as pessoas a simplificar ou complicar demais o que é orgânico. Agricultura local é muito importante e este conceito está se perdendo. Grandes indústrias orgânicas americanas estão comprando frutas silvestres (“berries”) no Chile.

Eu não sou contra produtos orgânicos industriais. Eu acho que eles são necessários e que nós precisamos deles. Mas as pessoas precisam saber que não é só por causa do que eles estão vendo nos rótulos que elas estão comprando o que está em seu imaginário.

PO – Conforme você escreve no seu artigo, realmente as pessoas, pelo rótulo, muitas vezes imaginam uma fazenda familiar, uma vida pastoral

MP – Exatamente, um sonho pastoral. Isto é o que as pessoas pensam que estão comprando. O que não é verdade. Me dei conta disto quando prestei mais atenção a alguns produtos. Em alguns casos, como no caso do leite – como escrevi no artigo – que é um produto super processado – fica longe do ideal orgânico.

“A verdade é que qualquer sonho fica
comprometido quando entra no sistema”.


PO – Você não acha que a palavra orgânico nos anos 70 tinha outro significado?

MP – Eu acho que atualmente o sentido de orgânico ficou muito restrito. Se você insistir num orgânico não processado e numa produção local , a produção ficará sempre muito pequena. A verdade é que qualquer sonho fica comprometido quando entra no sistema.

PO – Mas, embora industrializadas, estas  fazendas seguem a maior parte das regras do orgânico. Não é o ideal, mas é melhor do que a alternativa…

MP – Se você for preocupado com meio ambiente, com o que está acontecendo com as fazendas, com o solo e etc, então compre a maior quantidade possível de terra e a torne orgânica. Isto é o que está fazendo a Cascadian. O que eu estou dizendo é que as pessoas devem esquecer o que ficou para trás. Todas as revoluções sociais dos anos 60 se comprometeram com o sistema durante o caminho. No meu ponto de vista uma das coisas importantes dos orgânicos, é descobrir um caminho para que os pequenos produtores sobrevivam, num momento que o agribusiness está tomando conta de tudo.

PO – Você acha que o mercado orgânico vai continuar crescendo?

MP – Acho que vai crescer e muito. Ainda é um mercado pequeno, mas tem um potencial muito grande. O que é triste é ver estas grandes industrias arrasarem com os pequenos produtores.

PO – Você diz que o número de fazendeiros orgânicos está aumentando nos Estados Unidos. A que você atribui este crescimento? Poderia ser a perspectiva de um novo mercado?

MP – Eu acho que os agricultores acreditam no que eles vêm. Quando alguma coisa da certo, eles a adotam. Eles se analisam entre si muito cuidadosamente e estão sempre perguntando “o que será que o meu vizinho está plantando?”. Portanto, quanto mais orgânico estiver sendo plantado, mais pessoas estarão experimentando o orgânico também. Eu sei que orgânico dá mais trabalho do que a agricultura convencional, O orgânico toma mais tempo na administração da plantação. Intelectualmente também dá mais trabalho, ao invés de você comprar um pacote de agrotóxicos você tem que ter um sistema de proteção natural na sua plantação. Há um valor espiritual no orgânico.

Supermercado Whole Foods

PO – Qual a visão do consumidor em relação aos orgânicos?

MP – Eu fiz uma palestra na OTA (Organic Trade Association) e lhes disse que eles tinham que decidir qual a mensagem que eles queriam passar ao consumidor. Se estavam vendendo uma mensagem em favor do meio ambiente ou a preocupação de vender saúde. Eles chegaram à conclusão que a mensagem pela saúde tem mais poder sobre os consumidores. Todo produto hoje em dia tem um apelo para a boa saúde; ou é bom para o coração, ou bom para o colesterol e assim por diante.

Vocês já visitaram o supermercado Whole Foods? Eles tem produtos orgânicos, em transição e convencional. É uma cadeia gigante de supermercados que está investindo muito em orgânicos. Eles tem uma excelente loja em Chelsea.

PO – Algumas pessoas ainda não compreendem que saúde e meio ambiente estão intrinsecamente ligados.

MP – Exatamente. Foi feita uma pesquisa e o resultado foi que somente de 7 a 9% das pessoas que compram orgânicos estão conscientes que consumindo orgânicos estão colaborando para a preservação do meio ambiente.

Greenmarket na Union Square e Peter Hoffman na porta do seu restaurante, Savoy.

PO – Você não acha que os “Chefs” dos restaurantes tem um importante papel para difundir os produtos orgânicos?

MP – Com certeza!  Os chefs criam demanda por orgânicos e aumentam seu prestígio. A primeira geração dos orgânicos não tinha muita preocupação com a aparência. Hoje os chefs vão as feiras para escolherem seus próprios produtos, exemplo disto é o Peter Hoffman que é proprietário do Savoy, restaurante orgânico no Soho. Ótimo restaurante, com um menu delicioso. Peter também é presidente da Associação de Agricultura Sustentável. Você pode encontrá-lo fazendo compras na feira da Union Square, com a sua bicicleta

PO – Fale um pouco sobre seu livro The Botany of Desire. Como surgiu a idéia?

MP – O livro começa exatamente como eu disse, eu estava no jardim, eu gosto das plantas e aos poucos me dei conta que estava trabalhando para elas ao invés delas trabalharem para mim. Eu gosto de escrever uma longa história sobre uma única planta; buscar toda sua história, metodologia, filosofia, e quanto mais me aprofundo vejo que tem dois canais de comunicação. Ninguém já chegou no ápice da evolução, todo mundo interage na evolução do outro.

PO – Que outros livros você publicou?

The Botany of Desire, último livro de Miachael Pollan

‘Meus outros livros são: “Second Nature (Segunda Natureza)” que é um livro sobre ensaios que brotou das minhas experiências com o meu jardim. Eu me dei conta enquanto estava escrevendo o livro que o jardim é um lugar muito interessante para se estudar a relação do homem com a natureza. Tradicionalmente isto acontece na América. Escritores que escrevem sobre a natureza na América, vão em busca da vida selvagem para escrever sobre a natureza; vão para os bosques, para as montanhas, para o oceano, onde eles encontram grandes idéias sobre a natureza. Tudo bem! Eu aprendi o que pude disto. Mas eu também acho que nós temos que interagir. Na natureza selvagem nós ficamos somente como espectadores e no jardim nós temos que agir. Olhando para ele vemos que temos que nos dedicar, participar dele. Nós temos que descobrir um meio responsável de participar da natureza. O jardim tem muitos ensinamentos. O meu segundo livro é sobre Arquitetura – “A Place of My Own”. Já foi lançado em diversos países: Inglaterra, França, Japão e até na China.


PO – Depois de ler o seu livro, começamos a olhar para as maçãs de modo diferente. Há tantas variedades de maçãs nos Estados Unidos!

MP – Realmente existe uma variedade muito grande nos EUUU. Alguns anos são melhores do que os outros. O ano passado não foi um bom ano. Este ano está sendo muito bom. Quando vocês forem ao Greenmarket encontrarão uma maças excelentes.

PO – E os vinhos orgânicos? Como é este mercado?

MP – Vocês sabem que existe muito mais vinhos orgânicos do que se pode imaginar. E alguns não levam no rótulo o selo orgânico. Vocês sabem por que? Muitos vinicultores da Califórnia tornaram-se orgânicos, mas eles descobriram que colocando a palavra “orgânico” não vendiam tanto quanto sem a especificação orgânica. Simplesmente porque as pessoas perguntam “será que este vinho orgânico pode ser bom?” “Galo é um grande vinhedo orgânico.

PO – E o Coppola também.

Nós experimentamos um excelente vinho orgânico chamado “Bonterra”. Nos foi indicado pela Nell Newman quando estivemos na Califórnia no ano passado.

PO – O que você vê num futuro próximo?

MP – Talvez uma terceira via. Algo entre orgânico e convencional. Muitos fazendeiros com quem tenho conversado ficam receosos de se livrar totalmente dos químicos. Não que eles queiram utilizá-los rotineiramente, na verdade eles também odeiam os químicos. Mas eles tem receio de se arriscar e não ter como resolver uma situação de emergência.Eles estão desenvolvendo um sistema híbrido. Por outro lado, já há vários fazendeiros que utilizam os dois sistemas (orgânico e convencional) na mesma fazenda.Desta forma, aos poucos, vão descobrindo as qualidades do sistema orgânico.

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