A estrada que vai de Teresópolis a Friburgo tem 68 Km de extensão e é o berço da produção de verduras e legumes do Estado do Rio de Janeiro. Por esta estrada circulam 90% da produção de hortaliças do Rio de Janeiro. Esta região apresenta uma tecnologia de produção de primeiro mundo, inclusive o “plantio pendurado” que são as hortas penduradas nos morros. Nesta região fica também a Fazenda Vale das Palmeiras, onde Marcos Palmeira recebeu o Planeta Orgânico.
Ficamos conhecendo um produtor apaixonado pelo que faz e um homem que procura deixar a sua contribuição para um planeta melhor.
PO – Há quanto tempo a Fazenda Vale das Palmeiras faz parte da sua vida? |
MP – A Fazenda Vale das Palmeiras tem 4 anos e é a realização de um sonho antigo. A princípio eu queria lidar com gado e leite. Nunca havia me ocorrido lidar com hortaliças. Quando comprei esta fazenda já existia uma produção convencional de verduras e eu me apaixonei. Vim para cá com meu amigo Rildo e ele me disse: “só se preocupa com comida e água, o resto depois nós damos um jeito.” E assim começou este projeto que vocês estão vendo hoje. A Fazenda Vale das Palmeiras tem 200 hectares, com 20 hectares de produção orgânica.
PO – Você já tinha a intenção de produzir orgânicos? |
MP – Eu sempre tive uma preocupação com a qualidade da alimentação, já me tratava com homeopatia, só comia arroz integral, etc. Quando chegamos na fazenda nós resolvemos ser radicais e cortamos os químicos.
Só que sem método nenhum. Você pode imaginar que devido a esta falta de planejamento perdemos várias colheitas até entendermos o processo… Nossa primeira etapa foi o saneamento básico, estrutura hidráulica da fazenda, etc. Depois cuidamos da qualidade da terra. Hoje podemos colher o fruto destes anos de muita determinação. Estamos sempre buscando nos aperfeiçoar, querendo saber mais. A Agrosuisse vem nos dando consultoria, sendo que a primeira vez que ouvi falar de conceito orgânico foi através do Fábio Ramos, na Bahia, há muitos anos. O Fábio nestes anos todos tem sido uma pessoa, que vem sempre nortear, orientar o rumo da Fazenda.
PO – O que você tem aprendido nestes anos de produtor orgânico, qual o saldo principal desta experiência até agora? |
MP – Paciência e Respeito. A fazenda convencional dá um tempo para vida que a própria vida não tem. É igual ao telefone celular. Se você fica com o celular o tempo inteiro, você cria uma urgência para a sua vida que sua vida não tem… O orgânico respeita o TEMPO de cada produto, respeita a terra e por consequência respeita o meio ambiente. O agrotóxico traz esta urgência, de ficar “pronto” rapidamente, e isso gera um resultado falso, artificial. Aprendemos muito também com uma das figuras mais interessantes em termos de pensamento bio-dinâmico: o Sr. João Carlos Ávila. “Não existe praga; existe desequilíbrio.” ele diz. E o João Carlos conseguiu transmitir este conhecimento, esta sabedoria da terra, ao nosso Rildo.
PO – Rildo continua uma presença forte no Vale das Palmeiras… |
MP – Como você sabe, Rildo foi covardemente assassinado este ano e foi um golpe duríssimo para todos nós. Ainda é. Mas a energia dele está presente e falamos nele a todo momento.
O Rildo era meu braço forte, que tocava a Fazenda, era o meu lado rural. Ele usava uma expressão que deveria ser patenteada: “certificar a cabeça”.
É o momento quando a pessoa assimila o que realmente significa o conceito orgânico. Exemplo: quando um funcionário entendia porque a tiririca poderia ser vista, não como uma praga, mas como um excelente componente para fazer cama de curral (que volta como um super-esterco para a terra), o Rildo dizia: “Este já está com a cabeça certificada“.
PO – Além da tiririca, que outros exemplos práticos vocês utilizam na Fazenda Vale das Palmeiras, que vocês gostariam de contar para os visitantes do Planeta Orgânico? |
MP – Um exemplo curioso é o da galinha d’angola. Nós tínhamos problemas de formigas, bichos na lavoura. Seu João Carlos, conversando com Rildo disse que a galinha d’angola é um bicho que come bastante formiga e não ataca a lavoura. Ela cisca embaixo da folha e não belisca a folha e está dando muito certo.
Outro exemplo são nossos porcos no curral. Isso é foi uma idéia do Rildo. Os porcos fazem um trabalho de manter o esterco sempre ventilando. E também posso lembrar a galinha fazendo o controle do carrapato. Não só ela come o carrapato, como ajuda no próprio relaxamento da vaca. Aqui está cheio de galinha caipira.
PO – O que produz atualmente a Fazenda Vale das Palmeiras? |
MP – São 39 produtos. Agrião, beterraba, rabanete, chuchu, cenoura, chicória, alface roxa, alface crespa, alface lisa, rúcula, radichio, couve flor, repolho roxo, nabo, milho, laranja, limão, acerola, banana, leite, ovos, mel, abacate, caqui são alguns deles. Todos os nossos produtos são certificados pelo IBD.
PO – Como é feito o controle da produção? |
MP – Nossa veterinária homeopata, Leslie Almeida, trabalha diretamente ligada ao Roque. Heleni é diretamente ligada a uma agrônoma que dá consultoria uma vez por semana, ajudando a montar o planejamento da rotação de cultura. Todo o processo é cuidadosamente acompanhado por pessoas com a “cabeça certificada”.
Hoje o Roque está tocando a lavoura, a Heleni, mulher do Rildo também é meu braço aqui, e há um verdadeiro núcleo familiar. Somos todos grandes amigos e trabalho com pessoas da minha maior confiança.
PO – Você sente que o entorno da fazenda está mudando? |
MP – Ah com certeza! Por exemplo, a questão do lixo. Fazemos um trabalho forte de conscientização em relação ao lixo. Os vizinhos estão mais preocupado com a qualidade da terra, estão adubando mais as suas terras, estão preservando mais as suas árvores, as suas matas. Somos muito rigorosos com a questão da limpeza. Não pode ter guimba de cigarro, garrafa plástica, papel de bala, estamos sempre atentos. Somos “mala” mesmo…
Heleni – Nós temos realmente que fazer um trabalho de educação, de conscientização. Aqui na região por exemplo, você pode não conseguir mudar a cabeça de alguns produtores, mas você pode trabalhar essa idéia de meio ambiente com os filhos destes produtores. Isso já é um ganho.
Fábio Ramos, presente à entrevista, pergunta: O Vale das Palmeiras se instalou no coração da produção convencional, que trabalha com cultura química. Como é este desafio? |
MP – Eu acho que nunca houve este enfoque de desafio. Eu não vim para cá para provar nada para ninguém. Tanto faz eu estar aqui ou estar em Miguel Pereira ou Pati do Alferes no meio do tomate totalmente contaminado de agrotóxicos. Isto já tira um peso, isto é muda o astral, a energia não está voltada para eles, a energia está voltada para nós mesmos. Eu não tenho a pretensão de resolver o problema social do Brasil, mas aqui na Fazenda Vale das Palmeiras, na medida do possível, o que está ao meu alcance de proporcionar melhor qualidade de vida para as pessoas que aqui trabalham, eu tenho certeza que eu faço. Todas as crianças aqui estudam, todos os funcionários são estimulados a crescer profissionalmente, nós os incentivamos a participar de cursos, seminários, e todos que entram para trabalhar aqui saem enriquecidos de alguma forma. Isso não é demagogia é uma proposta de vida.
PO – Hoje a rastreabilidade é uma exigência de mercado. Como está A Fazenda Vale das Palmeiras em relação a esta questão? |
MP – A programação de plantio do Vale das Palmeiras permite a rastreabilidade toda a produção. Temos o controle total do que sai da fazenda.
PO – Como é o ciclo de produção na fazenda? Vocês produzem húmus? |
MP – O húmus sai da produção, as minhocas já começam a fazer o seu trabalho, oxigenando a terra. A Vale das Palmeiras produz seu próprio substrato para as bandejas de mudas e isto faz uma diferença para nós. Ao comprar substrato orgânico no mercado eu não sei a procedência, não sei como foi feito este substrato. Por isso nós temos tanto cuidado. Usamos este substrato para fazer a muda orgânica. O projeto Vale das Plameiras tem a semente orgânica, o insumo e a muda. Portanto podemos dizer que plantamos um produto 100% Vale das Palmeiras. O ciclo completo dentro da fazenda.
PO – E os produtos processados? |
MP – Os produtos processados são rigorosamente acompanhados por um controle de qualidade e limpeza. Nossas saladas são embaladas e despachadas em caminhão refrigerado, chegando aos supermercados dentro do mesmo controle com que são processadas.
PO – Você tem mudas de diversos tipos de árvores. Qual o destino destas mudas? |
Tenho muita preocupação em fazer um cinturão de mata em volta da fazenda. Já plantei mais 300 mudas de pinus no morro, saputi, palmeira, caju, abacate, pau brasil, flamboyant, banana, mangustin e outras. Também estamos fazendo fileiras de árvores separando as culturas e desenvolvendo uma barreira natural, protegendo do vento. Um dos diversos pontos positivos do orgânico é justamente o reflorestamento.
PO – O que você acha que falta para consolidar o movimento orgânico? |
Em primeiro lugar acho que falta mais união entre os produtores. Falta encontrar esta ótica comum entre os produtores de não se verem como competidores e sim como parceiros. Se todos pensassem assim, quando me faltasse um produto , um outro produtor poderia me ajudar e vice-versa. As vezes estou com produto em excesso que poderia ser exatamente o produto que falta a este ou aquele produtor. Os produtores deveriam se encontrar para conversar os problemas que todos nós temos. Outro ponto que eu questiono é este enfoque de considerar o orgânico um mercado elitista. Enquanto enxergarmos este mercado como elite, o preço ficará alto e longe do alcance das camadas mais pobres e distantes do conceito básico do orgânico de alimentar bem à comunidade. É necessário oferecer boa alimentação às crianças. Eu percebo mudanças nas crianças, filhos de funcionários que vem trabalhar na fazenda. Em apenas 3 meses se alimentando dos produtos daqui, a cor da pele muda, muda o brilho dos olhos, a disposição, etc…
PO – Que investimentos você tem feito recentemente na fazenda? |
MP – Estamos construindo um novo minhocário, e ampliando nossa área de plantio. Também investimos na compra de um trator encanteirador (que faz canteiros), que é o melhor que existe para trabalhar com agricultura orgânica.
Fábio Ramos, diretor da Agrosuisse, presente ao encontro, deu seu testemunho em relação ao projeto da Fazenda vale das Palmeiras: |
Eu posso testemunhar que o projeto do Vale das Palmeiras foi que melhor evoluiu no Estado do Rio de Janeiro, em comparação a outros projetos. Por que? Porque em 4 anos houve este trabalho intenso de buscar que todos se concientizem do que é o conceito orgânico. Acho que é o projeto com mais possibilidades de obter resultado a médio e longo prazo, porque a base está bem feita. Pelo menos 20% das pessoas que trabalham aqui já estão com a “cabeça certificada “.
PO – Qual a próxima etapa da Vale das Palmeiras? |
VP – A Fazenda está em transição para bio-dinâmica, estamos buscando desenvolver o organismo agrícola. Aliás há uma história interessante sobre esta questão de entender a terra como um organismo agrícola. Certa vez Rildo e João Carlos Ávila foram a um Congresso em Brasília, e um consultor que atuava muito freqüentemente na área de cacau foi interpelado por um agrônomo presente na platéia quando ele se propôs a dar consultoria sobre café. “Mas o Sr. não conhece café!” disse o agrônomo irritado. “Ah, é esta a questão? Não tem problema. Como vai Café tudo bem? Muito prazer meu nome é fulano de tal”. Em resumo, você tem que entender basicamente é de equilíbrio, é de vida. É conceito da homeopatia; você não trata da doença, você trata da saúde.
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