Autor: Odair Oliveira Lima
Graduado em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP
Graduado em Tecnologia em Gestão Ambiental pelo SENAC-SP
e-mail: ool@uol.com.br
SUMÁRIO
Resumo
1. Introdução
2. Definição e Categorias de Riscos na Agricultura Orgânica
3. Ferramentas para Gestão de Riscos na Agricultura Orgânica
4. Política Agrícola e Gestão de Risco
5. Modelo Preliminar de Identificação, Análise e Tratamento de Riscos
6. Conclusão
RESUMO
A agricultura convencional desenvolveu mecanismos de mercado para controlar perdas com riscos climáticos que afetem a produção e as colheitas, riscos de mercado relacionados com as oscilações de preços e riscos institucionais de intervenção governamental no mercado
Este artigo demonstra que a gestão de riscos é um elemento central na gestão estratégica da produção agrícola orgânica sugerindo um modelo de avaliação preliminar de riscos compatível com as características deste tipo de produção.
Discute-se estes mecanismos de mercado para gerenciamento dos riscos ligados à atividade agrícola e avalia-se os aspectos e as conseqüências dos riscos adicionais enfrentados pela produção orgânica de contaminações da produção que alterem as características fundamentais deste produto de isenção de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, expondo produtores, certificadoras, distribuidores e clientes a riscos involuntários.
Palavras chave: Gestão de Riscos na Agricultura, Agricultura Orgânica
(Trabalho apresentado no I Simpósio Internacional em Gestão Ambiental e Saúde ocorrido em 21 e 22 de outubro de 2005 no Centro de Convenções do Centro Universitário SENAC – Campus Santo Amaro)
INTRODUÇÃO
A agricultura, prática do cultivo da terra, ocorre desde há mais ou menos dez mil anos quando os povos do norte da África e do oeste asiático começaram a produzir seus próprios grãos, mas foi apenas nos séculos XVIII e XIX que a produção em escala foi viabilizada com o início da agricultura moderna (EHLERS,1999).
A concepção moderna de risco tem suas raízes no sistema de numeração indo-arábico que alcançou o Ocidente há cerca de setecentos a oitocentos anos, todavia estudos sérios sobre risco surgem apenas no Renascimento, “quando as pessoas se libertaram das restrições do passado e desafiaram abertamente as crenças consagradas” conta Bernstein (1997).
Este é o contexto histórico a partir do qual este artigo associa a característica humana de exposição ao perigo, voluntária ou não, com o modelo de agricultura orgânica que tem como princípios produtivos a ausência de agrotóxicos e a isenção de fertilizantes sintéticos e como princípios de comercialização a certificação da produção.
A avaliação de riscos na agricultura é uma ferramenta que pode ser usada para estimar e hierarquizar a importância ambiental de determinada medida, calculando quantitativamente os impactos pelos danos aos agricultores, aos ecossistemas e à saúde humana.
As tomadas de decisões acontecem num ambiente de incerteza e são associadas com riscos pelo imperfeito conhecimento do futuro que possuímos, podendo resultar em perdas que afetam negativamente o bem estar dos indivíduos. A avaliação de riscos provê informações para que a tomada de decisões tenha sustentação racional baseada na melhor informação científica disponível.
Neste artigo, desenvolve-se a definição e categorização de riscos para a agricultura convencional e orgânica estabelecendo-se algumas das fontes destes riscos percebidas pelos agricultores e pela sociedade
Desenvolvidos os aspectos conceituais de risco sugere-se ferramentas para a adequada gestão dos riscos inerentes a atividade agrícola, bem como discute-se o papel do Estado na proteção desta atividade econômica estratégica, diretamente envolvida com o bem estar da sociedade em todo o planeta.
Finalmente, a partir de modelos consagrados de identificação, análise e tratamento de riscos, estabelece-se um esquema para análise preliminar de riscos aconselhável para a identificação genérica dos perigos percebidos na produção e comercialização de orgânicos, bem como satisfatória para a qualificação de propostas para medidas mitigadoras destes riscos.
1. DEFINIÇÃO CATEGORIAS DE RISCOS NA AGRICULTURA ORGÂNICA
Em termos gerais, risco é a medida da probabilidade de que ocorram danos ou prejuízos em conseqüência da exposição a um perigo ou uma ameaça física (EPA,2001).
Riscos fazem parte de nossa vida diária e existem em todas as atividades que realizamos e que podem ter conseqüências negativas com diferentes graus de severidade. Por exemplo: quando dirigimos um automóvel, atravessamos uma rua, tomamos uma decisão de investimento financeiro ou ingerimos um alimento ou medicamento estamos nos expondo a perigos e ameaças que podem nos causar danos. A exposição a riscos é uma situação comum a todos os negócios. Há riscos ligados a situação familiar, saúde, acidentes pessoais, assim como riscos de origem macroeconômica, de origem financeira ou do ambiente de negócios tais como: ausência de crédito e inadimplência
O setor agrícola é caracterizado por uma forte exposição ao risco (EUROPEAN COMMISSION, 2001). Na agricultura convencional e na orgânica, os riscos podem ser separados em categorias. A OECD classifica os riscos em: riscos naturais, riscos de mercado e institucionais.
Os riscos naturais, podem ser ordinários ou extraordinários dependendo da freqüência e extensão dos danos, variando de acordo com as condições naturais, da estrutura do agricultor e das práticas de produção.
A OECD considera riscos naturais os riscos de produção e os riscos ecológicos, respectivamente, aqueles relacionados a condições climáticas, pestes, doenças e mudanças tecnológicas; e, os resultantes da poluição e seus efeitos sobre o clima ou sobre a gestão dos recursos naturais como a água.
Riscos de mercado relacionam-se as oscilações de preços, mas também podem incluir outros aspectos como o relacionamento dos agricultores com outros agentes da cadeia agro-alimentar, por exemplo: fornecedores de insumos, processadores, distribuidores e clientes.
Finalmente, os riscos institucionais são aqueles relacionados a intervenção do Estado na agricultura que ocorrem como instrumentos de comando e controle incentivando a produção de determinadas culturas e a não-produção de outras em função de políticas públicas, expondo o agricultor ao risco de ter feito a opção errada no plantio.
Alterações na regulamentação ambiental, de saúde e segurança sanitária também surgem como riscos institucionais a serem observados pelos agricultores pelos custos adicionais que podem ser incorridos para adequação da produção e distribuição.
Há riscos específicos para a atividade agrícola, tais como as perdas de produção provocadas pelas variações climáticas, outros ocorrem em qualquer atividade econômica, tais como riscos de oscilação de preços e riscos institucionais. O USDA em 1999 classificou os riscos mais importantes da atividade agrícola nas seguintes categorias:
- Riscos com recursos humanos : associados com a morte, doença ou invalidez do agricultor ou da força de trabalho;
- Riscos patrimoniais : associados com roubo, fogo ou destruição de equipamentos e implementos indispensáveis à produção;
- Riscos de produção e colheita : associados não só a condições climáticas, mas também a doenças e pragas que atacam as culturas, bem como contaminações oriundas de eventos poluentes;
- Riscos de preço : associados a oscilações de preço de venda dos produtos ou de compra de insumos depois da decisão de produção tomada;
- Riscos institucionais : associados a mudanças na política agrícola do Estado que influenciem negativamente a produção ou as decisões de mercado e afetando a rentabilidade;
- Riscos financeiros: associados a variações nas taxas de juros, taxas de câmbio, falta de liquidez e outras perdas financeiras.
A exposição a riscos objetivamente varia de agricultor para agricultor em função das ações e estratégias de cada um em relação aos perigos à que estão expostos. Além disso, um componente subjetivo relacionado à percepção de cada agricultor a este perigo, fruto de sua experiência adquirida ao longo do tempo, determina diferentes comportamentos e diferentes graus de proteção ao risco.
Desta forma, as diferentes categorias de riscos acima apresentadas afetam diferentemente cada agricultor, por exemplo: pode-se encontrar agricultores mais preocupados com as oscilações de preço que com a contaminação da produção; ou agricultores mais preocupados com a falta de chuvas que com a falta de trabalhadores para a colheita, e assim por diante.
A compreensão de que os vários tipos de risco estão inter-relacionados é fundamental no processo de gestão de riscos, sendo importante ter em mente que um risco determinado objetivamente pode ser percebido de modo totalmente diferente pelo agricultor, com impactos significativos nos resultados esperados.
A seguir apresenta-se algumas das ferramentas utilizadas pela agricultura convencional na gestão de riscos, válidas também para a agricultura orgânica que tem fontes de risco particulares desta técnica agrícola em função da demanda crescente por alimentos mais saudáveis.
2. FERRAMENTAS PARA GESTÃO DE RISCOS NA AGRICULTURA ORGÂNICA
As estratégias usadas pela agricultura para gerir seus riscos são diversas. Elas dependem fundamentalmente do tipo e nível de risco enfrentado assim como do custo das soluções disponíveis, ou ainda da disposição do governo em intervir na situação enfrentada pelo setor.
Inicialmente deve-se reconhecer o risco e suas conseqüências, e então controlar os danos causados ou adotar técnicas capazes de reduzi-los compatilhando-os com outros atores ou mitigando a probabilidade de sua ocorrência
A gestão de riscos pode combinar estratégias de mercado com intervenção do Estado. Na agricultura convencional são comuns instrumentos para controle de riscos envolvendo controle financeiro, desenvolvimento de novas técnicas de produção e de novos mecanismos de comercialização, bem como sistemas de seguro compartilhado ou medidas compensatórias editadas pelo Estado.
Grandes agricultores tem muitas opções na gestão de riscos em seu negócio. Eles podem ajustar o mix de produção (diversificar) ou rever a estrutura financeira de sua propriedade (mix de endividamento e capital patrimonial). Adicionalmente, estes agricultores tem acesso a outras ferramentas como seguros, contratos futuros, rendas alternativas à agricultura e outras proteções que podem ajudar a reduzir seu nível de exposição ao risco.
A agricultura orgânica compartilha dos perigos e instrumentos de gestão de risco presentes na agricultura convencional, mas tem no risco de contaminação da produção seu elemento mais delicado.
Darolt (2003), comenta que os críticos da agricultura orgânica tem no risco de contaminação da produção causada pelo uso intensivo de dejetos animais seu argumento mais contundente, apesar de tal contaminação ser produto de animais mal tratados, que constituem-se em fontes de contaminação de solo e produtos em qualquer sistema agrícola que utilize tal insumo.
Outra fonte de contaminação presente na agricultura são as micotoxinas produzidas por certos bolores que podem se desenvolver nos alimentos. Apesar de a primeira vista, suspeitar-se que tal tipo de contaminação seria mais comum em agricultura orgânica, pela interdição desta ao uso de fungicidas sintéticos, Darolt (2003) informa que não há indicadores de que micotoxinas ocorram com maior freqüência na agricultura orgânica que na convencional.
Outra questão que dificulta a melhoria da qualidade ambiental é a persistência de determinados princípios ativos no meio ambiente, como os organoclorados. Mesmo produtos orgânicos podem não ser totalmente livres de agrotóxicos em função da presença de produtos persistentes residuais do processo de descontaminação do solo, sendo que a presença residual destes componentes constitui-se numa preocupação crescente dos organismos certificadores nos processos de conversão de culturas. (DAROLT, 2003)
Produtos orgânicos agregam valor a seus consumidores pelo aspecto ecológico e sócio-ambiental que conferem. Para a manutenção da característica de estar associados à imagem de “saudável” pela dispensa do uso de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, a cadeia produtiva desta cultura incorpora a certificação como elemento chave do processo de sustentação da credibilidade junto aos consumidores.
O regulamento CEE Nº 2092/91 do Conselho das Comunidades Européias recomenda um período de pelo menos 24 meses de conversão de culturas antes da sementeira ou, no caso de culturas perenes pelo menos 36 meses antes da primeira colheita obter a certificação de produto orgânico, sendo que este prazo pode ser estendido dependendo da cultura anteriormente praticada naquele solo. No Brasil, a Instrução Normativa 007/99 do Ministério da Agricultura e do Abastecimento exige prazos de 12 e 18 meses para culturas anuais e perenes respectivamente.
A vizinhança de culturas não orgânicas constitui-se em outra fonte de riscos para este tipo de produção que deve respeitar limites mínimos de proximidade com culturas convencionais ou transgênicas para ficarem imunes a contaminação química. Darolt (2003), citando Higashi lembra que os herbicidas utilizados para controle do mato nos sistemas convencionais apresentam um baixo peso molecular, tendo grande poder de difusão no meio ambiente podendo se deslocar por distancias de até 30 Km.
A determinação de que seja mantida uma distância apropriada de fontes de poluição e de possíveis influências prejudiciais a integridade da produção, bem como a proibição de armazenagem na unidade produtora de qualquer insumo impróprio ao cultivo de orgânicos são medidas regulatórias, constantes na Instrução Normativa 007/99 ou no regulamento CEE 2092/91, fiscalizadas pelas entidades certificadoras para controlar este risco.
Fatores de mercado, tais como baixa escala de produção, uso intensivo de mão de obra, custos adicionais com embalagens e certificação fazem com que os produtos orgânicos tenham custos comparativamente maiores que a agricultura convencional, e portanto alcancem preços ao consumidor relativamente maiores. Esta diferença de preços produz mais um risco a produção orgânica, pois a atração de produtores e distribuidores de má índole que maqueiam seus produtos com etiquetas de “alimentos naturais” ou “alimentos saudáveis” confundem os consumidores e afetam a credibilidade da certificação.
Produtos orgânicos devem ser transportados em embalagens fechadas de modo a impedir a substituição de seu conteúdo, munidos de rótulo identificando tratar-se de produto controlado é a medida regulatória fiscalizada pelas entidades certificadoras objetivando preservar as características dos orgânicos.
O produto orgânico é um bem que tem na confiança seu principal valor. Não apresenta diferenças aparentes relativamente ao produto convencional, seja forma, cor ou sabor. O que leva um consumidor a preferi-lo é a informação sobre suas vantagens nutricionais, a ausência de agrotóxicos e a confiança de que foi produzido conforme os preceitos que preservam estes fatores.
Classificado como um bem de “crença” (ORMOND,2002), os produtos orgânicos devem ser dotados de requisitos de qualidade específicos que devem ser percebidos pelos consumidores. Não só a aparência e a salubridade associadas à isenção de produtos químicos são atributos, mas também a confiança com que os consumidores podem comprar produtos dotados destas características específicas.
O desenvolvimento de canais de distribuição e comercialização possibilitou que os orgânicos alcançassem maior número de consumidores afastando o contato destes com os produtores e gerando a necessidade de um terceiro elemento que fosse capaz de assegurar ao consumidor a veracidade das informações sobre o processo de produção, restabelecendo a confiança no bem adquirido.
A certificação responde a esta necessidade como a principal ferramenta na gestão dos riscos da agricultura orgânica, pela habilitação de organizações não governamentais, estabelecendo padrões e normas internas para a produção, armazenamento, transporte e comercialização criando selos de garantia de seus produtos.
Integrada à política agrícola que apresenta-se a seguir, a certificação de orgânicos destaca-se como instrumento de controle a serviço do bem-estar de agricultores e consumidores ansiosos, respectivamente por um sistema produtivo economicamente sustentável e por produtos de qualidade, saudáveis e acessíveis.
3. POLÍTICA AGRÍCOLA E GESTÃO DE RISCOS
Entre as atribuições do Estado, inclui-se aquela de formular e implementar políticas para o desenvolvimento agrícola, integrando aspectos mercadológicos, tecnológicos, ambientais e organizacionais, de modo a promover a segurança alimentar, a geração de empregos e renda, a inclusão social e conseqüente redução das desigualdades.
A OECD defende que a intervenção do Estado na gestão de riscos na agricultura é justificada quando os agricultores, temendo os riscos, produzem abaixo do nível de rentabilidade desejável e as ações de mercado disponíveis para controlar os riscos são insuficientes para estimular a produção.
Independentemente da intervenção do Estado no gerenciamento de riscos da atividade agrícola, agindo para incentivar a produção ou garantir preços mínimos e renda aos agricultores, medidas mitigadoras oriundas do processo de avaliação de riscos devem tomar em conta não só a relação custo/benefício da medida, mas também como a probabilidade de suas conseqüências podem alterar o comportamento e decisão dos agricultores frente a sua implementação, argumenta a OECD.
A gestão de riscos na agricultura não dispõe de uma oferta completa do mercado de seguros para contingenciar sua exposição aos diversos riscos a que está sujeita, e esta ausência de alternativas de mercado para a re-mediação de riscos, por vezes, demanda uma ação do Estado na preservação da atividade agrícola, bem como na garantia de igualdade de riscos em todo o sistema produtivo.
Além de ações corretivas relacionadas a eventos de risco do tipo catastróficos, o Estado ainda é responsável pela definição das políticas que vão determinar o comportamento dos agricultores no futuro.
Inicialmente atuando na definição do sistema legal, o Estado regulamenta além do relacionamento entre os agentes econômicos, a relação fundiária e as medidas sanitárias e fito-sanitárias que vão permitir a redução dos riscos à saúde da população.
Incentivando as relações de mercado, o Estado cria as condições necessárias para que a competição entre os agentes econômicos desenvolva mecanismos de gestão de riscos que serão estendidos à população na forma de produtos mais baratos.
Finalmente, reduzindo os custos dos mecanismos de gestão de riscos, o Estado promove o desenvolvimento do setor agrícola que adquire conhecimentos em novas práticas de gestão e evolui na busca de modelos teóricos que possam suportar a identificação, análise e tratamento de riscos como o que é sugerido no capítulo que segue.
4. MODELO PRELIMINAR DE IDENTIFICAÇÃO, ANÁLISE E TRATAMENTO DE RISCOS
De acordo com o PMI (2000), gestão de riscos é um processo sistemático de identificação, análise e resposta às ocorrências, maximizando a probabilidade e conseqüências de eventos positivos e minimizando a probabilidade e conseqüências de eventos negativos aos objetivos de um projeto.
Este processo tem por finalidade a busca de um equilíbrio apropriado entre o reconhecimento de oportunidades de ganhos e a redução de perdas, que tratado de modo interativo permite a melhoria contínua da tomada de decisões, bem como do desempenho econômico da produção orgânica.
A gestão de riscos envolve um conjunto de atividades. O primeiro passo é identificar os riscos e sua natureza. Em seguida deve-se analisar cada risco identificado, ou seja, considerar a possibilidade de sua ocorrência e avaliar suas conseqüências e a necessidade de tomar alguma ação mitigadora.
A gestão de riscos per se envolve a escolha da estratégia ou a combinação de estratégias que reduzam o efeito dos riscos sobre os objetivos do empreendimento agrícola, avaliando as alternativas de solução a serem implementadas em caso de ocorrência do risco. Por tratar-se de um processo, a gestão de riscos deve seguir com o monitoramento e a revisão sistemática dos riscos, das estratégias previstas e o custo/benefício de aplicá-las.
O PMI associa a identificação de riscos a um processo interativo, no qual o maior conjunto de atores possível deve estar envolvido. Este processo constitui-se da aplicação de técnicas que podem ser aplicadas isoladamente ou em conjunto para que os riscos do empreendimento sejam identificados, analisados e tratados.
Brainstorming é uma das técnicas mais utilizadas na identificação de riscos na qual uma equipe multidisciplinar discute as situações que representam risco e que devem ser objeto de análise qualitativa e quantitativa de ocorrência.
A técnica Delphy é também uma técnica de identificação de riscos na qual busca-se o consenso de especialistas sobre os riscos mais relevantes a serem considerados. A analise SWOT é outro mecanismo utilizado na coleta de informações para a identificação de riscos e compreende a análise crítica das forças, fraquezas, oportunidades e ameaças do empreendimento
Checklists podem ser desenvolvidos baseados em informações históricas e conhecimento acumulado em experiências similares e outras fontes de dados. Análise de premissas exploram a validação do conjunto de hipóteses, cenários assumidos na elaboração do planejamento. Diagramas de causa e efeito, análise crítica de processos ou diagramas de influência são também técnicas disponíveis para a identificação de riscos.
Neste modelo exemplificado de análise preliminar de riscos, serão enumerados de modo não exaustivo riscos estratégicos, financeiros, operacionais, comerciais e técnicos, identificados a partir de dados secundários, relacionados a produção de orgânicos, utilizando a metodologia da norma AS/NZS 4360:2004, elaborada pelo Comitê OB-007 de Gestão de Riscos da Standards Austrália e Standards New Zealand (QSP,2004), conforme Figura 1.
Figura 1: Identificação de Riscos
Tipo de Risco |
Legenda |
Descrição |
Riscos Estratégicos |
E |
1. Não diferenciação de orgânicos por falta de regulamentação do processo de certificação; |
Riscos Financeiros |
F |
1. Falta de capital de giro para agricultores durante o processo de conversão de culturas; |
Riscos Operacionais |
O |
1. Contaminação da produção por micotoxinas no processo de armazenagem; |
Riscos Comerciais |
C |
1. Aumento de preços de insumos por excesso de demanda; |
Riscos Técnicos |
T |
1. Invasão da cultura por pragas de difícil controle; |
Fonte: QSP, 2004 – Adaptado por Odair Lima
Identificados os riscos, utiliza-se matrizes para avaliação das fontes de riscos, classificação por ordem de prioridade e tratamento dos mesmos. De modo a facilitar a compreensão do modelo sugerido, este artigo a partir deste ponto concentra-se na análise dos riscos técnicos já enumerados na Figura 1
A identificação das fontes de riscos e suas respectivas áreas de impacto fornecem subsídios para a análise de riscos, contribuindo posteriormente para a gestão mais eficaz dos mesmos. As fontes de risco e as áreas de impacto são selecionadas de acordo com a relevância para a atividade que está sendo estudada, conforme demonstra a Figura 2. Utilizando-se a legenda estabelecida na Figura 1, os riscos podem ser classificados conforme a Fonte de Risco.
Fonte de Risco |
Áreas de Impacto |
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AR |
RD |
CT |
PE |
CM |
DE |
PA |
MA |
AI |
CO |
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Relações comerciais e legais |
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Circunstâncias econômicas |
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Comportamento humano |
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Fenômeno da natureza |
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Circunstancias políticas |
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Tecnologia e questões técnicas |
T2 |
T1 |
T1e2 |
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T2 |
T1 |
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Atividades e controle de gestão |
T3 |
T3 |
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T3 |
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Atividades especificadas |
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Fonte: QSP, 2004 – adaptado por Odair Lima
Desta forma, neste exemplo, os riscos técnicos identificados T1, T2 e T3 tem suas fontes de risco associadas a tecnologia e questões técnicas ou atividades e controles de gestão; enquanto suas áreas de impacto estão relacionadas mais diretamente a base de ativos existentes, receitas, custos, meio ambiente e ativos intangíveis, neste último associados com perda de reputação e imagem dos produtos orgânicos como resultado de sua ocorrência.
O passo seguinte à classificação das fontes de risco é a elaboração da matriz de cadastro de riscos (Figura 3) na qual avalia-se as ocorrências possíveis, bem como suas conseqüências e probabilidades, obtendo-se ao final da construção desta matriz, para cada risco identificado, seu nível de impacto e respectiva prioridade na elaboração de medidas de tratamento.
Notar que podem ser incorporados métodos quantitativos estatísticos para determinar as probabilidades da ocorrência de cada evento. A opção da norma AS/NZS 4360:2004 e também deste artigo, é pela análise qualitativa das probabilidades, tornando o modelo proposto mais prático e acessível.
Risco |
O que pode acontecer e como |
Conseqüências de um evento |
Nível do risco |
Prioridade do risco |
|
Conseqüências |
Probabilidade |
||||
T1 |
Perda da qualidade do produto comprometendo credibilidade e certificação |
Moderada |
Possível |
Alto |
2º |
T2 |
|
Maior |
Possível |
Extremo |
1º |
T3 |
|
Moderada |
Improvável |
Moderado |
3º |
Fonte: QSP, 2004 – adaptada por Odair Lima.
A partir dos eventos que poderiam ocasionar situações de risco, e a partir deles, qualifica-se as conseqüências ou impactos, levando em conta os seguintes conceitos sugeridos pela metodologia da norma AS/NZS 4360:2004:
- Insignificante – não afeta o desempenho, pequena perda financeira;
- Menor – desempenho afetado, problema imediatamente mitigado, média perda financeira;
- Moderada – tratamento mais específico necessário, problema imediatamente mitigado, alta perda financeira;
- Maior – graves problemas no desempenho, perda da capacidade de produção, grande perda financeira;
- Catastrófica – desempenho totalmente afetado, enorme perda financeira.
A análise qualitativa das probabilidades de ocorrência dos eventos analisados considera os seguintes conceitos presentes na norma AS/NZS 4360:2004, aplicada empiricamente sobre os riscos técnicos identificados:
- Quase certa – espera-se que ocorra na maioria das vezes;
- Provável – provavelmente ocorrerá na maioria das vezes
- Possível – deverá ocorrer alguma vez;
- Improvável – poderá ocorrer alguma vez;
- Rara – poderá ocorrer somente em circunstâncias excepcionais.
Finalmente, utilizando-se a Matriz de análise qualitativa de riscos – Nível do Risco
(Figura 4), que promove o cruzamento de conseqüências e probabilidades é possível hierarquizar os riscos em ordem de prioridade para tratamento.
Figura 4: Matriz de análise qualitativa de riscos – Nível de risco
Probabilidade de Ocorrência |
Consequências |
||||
Insignificante |
Menor |
Moderada |
Maior |
Catastrófica |
|
Quase certa |
Alto |
Alto |
Extremo |
Extremo |
Extremo |
Provável |
Moderado |
Alto |
Extremo |
Extremo |
Extremo |
Possível |
Baixo |
Moderado |
Extremo |
Extremo |
Extremo |
Improvável |
Baixo |
Baixo |
Alto |
Alto |
Extremo |
Rara |
Baixo |
Baixo |
Alto |
Alto |
Alto |
|
Fonte: QSP, 2004 – adaptada por Odair Lima
Por tratar-se de uma análise preliminar de riscos, um monitoramento constante da produção e controle das ocorrências deve ser implementado, permitindo assim a identificação de novos riscos; planejamento de mitigação destes novos riscos, e consequentemente um gerenciamento adequado do empreendimento agrícola.
Com a qualificação do risco concluída, é possível listar-se as opções de tratamento e mitigação de cada risco. Dependo da medida mitigatória, o risco torna-se menos provável de ocorrer ou tem conseqüências menores, modificando seu nível qualitativo. Desta forma obtêm-se um Plano de tratamento dos riscos técnicos deste modelo (Figura 5) para a agricultura orgânica.
Figura 5: Plano de tratamento de risco
O risco em ordem de prioridade |
Possíveis opções de tratamento |
Classificação do risco antes do tratamento |
Classificação do risco após o tratamento |
Resultado da análise de custo benefício |
T2 |
Utilização apenas de adubo verde a base de vegetais e microorganismos |
Extremo |
Baixo |
Aceitável |
Melhorar as técnicas de compostagem |
Moderado |
Aceitável |
||
Certificar a origem dos insumos animais |
Moderado |
Não aceitável |
||
T1 |
Disseminação de predadores naturais dos parasitas ou insetos |
Alto |
Moderado |
Aceitável |
Programa de rotação apropriado |
Moderado |
Aceitável |
||
Aplicação de fogo para o combate as pragas |
Baixo |
Não aceitável |
||
T3 |
Manter controle sobre a distancia da fonte de contaminação provável |
Moderado |
Baixo |
Aceitável |
Promover a produção de orgânicos para as propriedades do entorno |
Moderado |
Baixo |
Aceitável |
Fonte: QSP, 2004 – adaptada por Odair Lima
Conclui-se do modelo desenvolvido de análise de riscos que os riscos técnicos identificados de contaminação do solo por estrume de animais intoxicados, invasão da cultura por pragas de difícil controle e contaminação do solo por herbicidas pulverizados em culturas vizinhas convencionais são passíveis de tratamento e que a aplicação de medidas mitigatórias são suficientes para transformar estes riscos em aceitáveis.
Este modelo, adequadamente monitorado por técnicos agrícolas e apoiado na experiência dos agricultores no trato com externalidades que provocam prejuízos à produção constitui-se numa ferramenta extremamente útil à preservação da integridade da certificação orgânica e contribui a melhoria da produtividade da produção de alimentos saudáveis, aumentando o nível de bem estar geral.
5. CONCLUSÃO
Bernstein (1997), cita que a palavra “risco” deriva do italiano “risicare”, que significa “ousar”, e neste sentido o risco é apresentado como uma opção e não como um destino. O ser humano é melhor entendido quando percebemos que esta opção pela liberdade de tomar riscos permitiu o desenvolvimento de nossa sociedade.
A necessidade de inovar continuamente no ambiente globalizado em que vivemos, também afeta a atividade agrícola. Não somente processos e produtos devem ser revistos, mas também a capacitação gerencial para enfrentar as mudanças sociais e econômicas que estão ocorrendo numa velocidade crescente.
Apesar da gestão de riscos ser de responsabilidade do agricultor inicialmente devendo ser administrada ao nível de sua propriedade, o risco agrícola é importante para toda a sociedade, pois um comportamento avesso ao risco por parte do produtor pode conduzir a uma alocação ineficiente de recursos, tendo como resultado uma perda de renda e conseqüente queda no nível de bem estar global.
A experiência indica que não há uma abordagem universal para controlar os riscos e que cada situação requer diferentes combinações de instrumentos e alternativas.
O principal papel do Estado na gestão de riscos é monitorar o ambiente de negócios em que a agricultura está inserida, provendo regulamentação e controles que garantam qualidade aos produtos e segurança aos produtores.
Uma integração entre proprietários, trabalhadores rurais, autoridades públicas, organizações não governamentais, instituições financeiras, seguradoras, instituições de pesquisa e de treinamento agropecuário, distribuidores e consumidores permitirá ao setor agrícola superar as dificuldades que se colocam na busca de um empreendimento sustentável do ponto de vista social, econômico e ambiental compartilhando informações essenciais ao sucesso.
A disciplina de gerenciamento de riscos aplicada à agricultura orgânica, bem como à agricultura convencional mostra-se como uma ferramenta a ser utilizada de modo amplo e integrado com um conjunto de medidas de iniciativa privada e de políticas públicas, permitindo o desenvolvimento de práticas gerenciais à produção de alimentos.
BIBLIOGRAFIA
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DAROLT, Moacir Roberto. A Qualidade dos Alimentos Orgânicos. Artigo publicado em maio/2003. Disponível em: www.planetaorganico.com.br/daroltqualid.htm . Acessado em 03/07/2005.
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