Lendo recentemente a seção Cartas dos Leitores, de um grande jornal, me deparei com a carta atônita de uma leitora do Rio de Janeiro que foi intoxicada por agrotóxico, ao consumir um suco feito por ela com frutas compradas na feira do bairro de Botafogo. Patrícia e sua irmã foram parar no hospital, com edema de glote, falta de ar e inchaço. A leitora finaliza sua carta, dizendo que sua intenção era se alimentar saudavelmente e acabaram correndo um risco.
E pergunta: “Será que não deveria haver fiscalização mais severa sobre esses produtos?”.
O morango, juntamente com mais uma cesta de alimentos como o mamão, tomate, laranja, batata, maçã, alface, banana e cenoura são os campeões de contaminação por agrotóxico, seja pelo excesso de resíduos encontrados, ou seja, resíduos acima dos limites máximos permitidos, seja pela quantidade de resíduos irregulares, isto é, continham agrotóxicos não autorizados para aquela cultura.
A Lei n.º 7.802, de 12 de julho de 1989, regulamentada pelo Decreto nº 98.816, de 11/01/90 dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagem, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. A Agência de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, ANVISA/MS, ciente de seu papel institucional e provida de condições técnicas eadministrativas, iniciou em 2001, o Projeto de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), o qual visa avaliar a qualidade dos alimentos em relação ao uso de agrotóxicos.
No período de 2001 a 2004 foram estudadas cerca de 4 mil amostras de alimentos in natura coletadas em 12 Estados brasileiros, inclusive no Rio. Destas 2032 possuíam algum tipo de resíduo, sendo que algumas apresentavam resíduos de mais de um produto, nos levando ao número de 3271, resíduos detectados. Destes, 83,4% dizia respeito a produtos irregulares, ou não autorizados e 16,6% das amostras encontravam-se com níveis acima do tolerado pela legislação.
Estes dados deixam explícito, respondendo ao questionamento da leitora, que a fiscalização tem-se mostrado ineficiente no que diz respeito a garantia do consumidor em comprar e consumir alimentos sadios e não contaminados.
O risco dessas irregularidades para a saúde humana não é imediato, mas os danos causados pelo consumo de produtos com agrotóxicos a longo prazo precisam ser levados em consideração. “Dificilmente alguém vai comer um tomate, ou mamão, e passar mal no momento seguinte, mas o consumo de alimentos com resíduos de agrotóxicos envolve riscos que podem ser cumulativos e até desconhecidos”, explica o gerente-geral de Toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles .
Estudos realizados em experiências com animais demonstram que estes venenos são carcinogênicos. Outros mais tóxicos, como: Gramoxone, Paraquat, Tamaron, Mancozeb, Monocrotofos, Folidol, Malation e Decis podem provocar irritação, depressão, alterações do Sistema Nervoso Central, impotência, e má formação de fetos. Plantadores de morango e batata em Minas Gerais, agricultores de fumo no Rio Grande do Sul, plantadores de tomate no Ceará, agricultores de Nova Friburgo estão sendo contaminados e cometem suicídio, pois essas culturas utilizam os agrotóxicos conhecidos como organofosforados e ditiocarbamatos, que são considerados por pesquisadores como os prováveis causadores das doenças neurocomportamentais, depressão e do conseqüente suicídio.
Na busca por uma grande colheita agricultores mal informados e ludibriados pela indústria química que insiste em chamar estes produtos tóxicos de remédio ou defensivos agrícolas, estão ficando doentes e morrendo. Não se trata de preciosismo de linguagem, mas ao chamar estes venenos de defensivos ou remédio induz-se o trabalhador a não observar cuidados importantes no manuseio e aplicação desses produtos. Além disso, a indústria química esquece-se de dizer que o incremento de pesticidas na atividade resultou no aparecimento de novas pragas, ou pragas mais resistentes. Segundo estudo de Carlos Aníbal Rodrigues, da Organização Internacional do Trabalho OIT, já existem 440 espécies de insetos imunes a todo tipo de agrotóxicos.
O mal uso desses agrotóxicos além de comprometer a saúde de agricultores e consumidores também compromete a saúde do meio ambiente, contaminando o solo, o ar e a água. Alguns resíduos podem permanecer por longos períodos no ambiente, como é o caso dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POP´s). Alguns POPs, como os os PCBs (bifenilas policloradas, usadas em transformadores elétricos, equipamentos de resfriamento e materiais de isolamento) e pesticidas como DDT, Lindano e Toxafeno, foram encontradas em regiões frias próximas aos pólos, onde jamais foram utilizadas. Aplicadas em regiões temperada e tropicais e por evaporarem lentamente são transportados pelos ventos na forma gasosa até encontrarem temperaturas mais baixas. Quando isto ocorre são condensados diretamente na superfície do solo ou nas partículas presentes em aerossóis, que serão depositadas posteriormente através da neve ou chuvas. Da mesma forma como nas regiões onde os POPs foram usados e aplicados, nas regiões mais frias eles entram nas cadeias alimentares e se acumulam nas aves, peixes, mamíferos marinhos e no homem. Nesse sentido, a degradação ambiental ignora fronteiras, comprometendo lugares e pessoas que não colaboraram para este impacto ambiental negativo.
Em julho do ano passado estudos reveleram que bebês estão absorvendo substâncias químicas como mercúrio, subprodutos de gasolina e pesticidas ainda dentro do útero. O estudo, do Grupo de Trabalho Ambiental, baseia-se em testes com dez amostras de sangue de cordão umbilical recolhidas pela Cruz Vermelha Americana. Foram encontradas em média 287 substâncias contaminantes no sangue, incluindo mercúrio, retardante de fogo, pesticidas e a substância PFOA, do Teflon.
Os produtos químicos estão por toda parte. Além dos pesticidas usados na agricultura, os inseticidas que usamos em nossos lares também contém produtos tóxicos, além dos produtos de limpeza e até de beleza (a lista “Cosmetox” pode ser consultada no site do Greenpeace na internet). Muitas vezes nos sentimos impotentes devido à dimensão de alguns problemas ambientais que nos afligem, mas como consumidores podemos optar por não utilizar determinados produtos, ou ainda consumir alimentos saudáveis, como os produtos orgânicos. O que não podemos deixar que aconteça é que a ganância de determinados grupos industriais comprometam a nossa saúde, de nossos filhos e de nosso planeta, na busca por lucros infinitos e astronômicos.
Pense nisso na próxima vez que for às compras!!
Márcia Pimenta é jornalista e colaboradora do EcoDebate/Revista Cidadania e Meio Ambiente