Drª. Vanessa Cristina de Almeida Theodoro
E-mail: organicoffee@gmail.com
RESUMO
O contundente processo modernizador da agricultura brasileira gerou impactos ambientais e transformações sociais em magnitudes tão amplas que, por si só, justificam estudos voltados para novas tecnologias emergentes como a agricultura orgânica. Já existe um acervo de experiências práticas de transição agroecológica bem sucedidas, em particular para a cultura do cafeeiro (Coffea arabica L.), em pequenas propriedades na região sul de Minas Gerais que inspiraram essa pesquisa. Empregou-se o delineamento látice balanceado 4×4 com cinco repetições em esquema fatorial 3x2x2 mais quatro tratamentos adicionais. Foram utilizadas três fontes de matéria orgânica (farelo de mamona, esterco bovino e cama de aviário), com e sem palha de café fermentada, com e sem a adubação verde com feijão-guandu (Cajanus cajan L.) nas entrelinhas do cafeeiro e pulverizações com o biofertilizante supermagro. O manejo convencional constou da aplicação de sulfato de amônio e o cloreto de potássio e de adubação foliar convencional. O manejo orgânico adotado é eficiente no fornecimento de N, P, K, S, Ca, Mg, Mn, B, Zn, Cu e Fe ao cafeeiro em produção. O farelo de mamona promove um menor acúmulo de açúcares solúveis totais na folha, o que possivelmente concorre para um aumento da resistência da planta ao ataque do bicho mineiro (Leucoptera coffeella). Os tratamentos de manejo orgânico apresentam produtividade similar à testemunha convencional, devido à existência de reservas de nutrientes no solo. Não há diferença na biomassa microbiana, em função dos manejos orgânico e convencional, entretanto nos tratamentos de manejo orgânico é maior a diversidade biológica das populações de fungos micorrízicos arbusculares.
CAPÍTULO
INTRODUÇÃO GERAL
No Brasil atual, as instituições públicas que não assumirem o desafio do desenvolvimento rural sustentável a partir de um enfoque participativo e agroecológico, que privilegia a multifuncionalidade da agricultura, a produção local e familiar, a biodiversidade e a preservação dos recursos naturais, continuarão no imobilismo conservador e perderão a oportunidade de se transformarem em instituições dinâmicas impulsionadoras de uma nova realidade. Entretanto, toda transformação institucional é fruto da transformação interna de seu pessoal e da vontade política da liderança intelectual que propiciam as mudanças necessárias.
O contundente processo modernizador da agricultura brasileira gerou impactos ambientais e transformações sociais em magnitudes tão amplas que, por si só, justificam a análise crítica de todo o modelo de desenvolvimento do setor agrícola e estudos voltados para novas tecnologias emergentes como a agricultura orgânica. Esse mercado específico tem experimentado um crescimento vertiginoso, apresentando, no final da década de 1990, um crescimento estimado em 20% a 30% ao ano, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento (ITC/UNCTAD/OMT, 1999). No Brasil, em 2005, representou apenas 0,23% da produção agrícola de todo o país, enquanto que nos países desenvolvidos, o índice atinge 26,0% (Willer & Yussefi, 2005). Assim, fica claro que existe espaço para o crescimento desse ramo do agronegócio, podendo a área a ser convertida para a produção orgânica no Brasil, chegar a 1% ou 2% na próxima década, com o incentivo, principalmente, aos pequenos produtores.
Nas últimas três décadas, tem-se constatado que as commodities agrícolas tradicionais, como o café (Coffea arabica L.), requerem escalas de produção para compensar a queda estrutural de preços, bem como os custos crescentes de produção, que resultam na redução das margens de lucro. Esse fato pode resultar em um desequilíbrio sócio-ambiental de largas proporções em mais de cinqüenta países em desenvolvimento que produzem café, realidade que já vem sendo constatada principalmente no Brasil, em especial na região Sul de Minas Gerais, onde aproximadamente 80% dos produtores são familiares.
Existe um acervo de experiências práticas de transição agroecológica bem sucedidas, em particular para a cultura do cafeeiro, em pequenas propriedades na região Sul de Minas Gerais, que inspiraram essa pesquisa. O principal gargalo consiste em validá-las cientificamente, após a realização de estudos a campo que confrontem o manejo convencional versus o orgânico, de modo que forneçam a segurança necessária nessa nova tecnologia, a um número significativo de cafeicultores, nas várias regiões produtoras do país. Muitas vezes, tudo o que se necessita é que as instituições de ensino, pesquisa e extensão sirvam de facilitadoras para que se formem as redes de intercâmbio de agricultor a agricultor, para que, assim, fluam o conhecimento gerado e a troca de experiências.
O termo transição, em sua acepção semântica, pode designar simplesmente a ação e o efeito de passar de um modo de ser ou estar a outro distinto – e que sempre há de provocar conseqüências e efeitos, previsíveis ou não, na nova situação que se estabelece. Portanto, a transição do modelo de agricultura convencional para estilos de agricultura agroecológica não pode ser entendida como um processo unilinear, mas sim de múltiplas dimensões: ambiental, social, cultural e econômica; o que reflete a própria complexidade da noção de sustentabilidade agrária, como meta a ser alcançada a médio e a longo prazo. O estado atual de destruição dos recursos naturais já está comprometendo a satisfação das necessidades de gerações futuras e torna-se urgente evitar qualquer degradação, sendo a cafeicultura orgânica uma opção para a otimização da eficiência no uso dos já escassos recursos naturais.
É de fundamental importância que políticas públicas focalizem-se na difusão da cafeicultura orgânica, especialmente destinadas a agricultores familiares, na medida em que são mais demandantes desse apoio e apresentam maior aptidão à adoção das técnicas agroecológicas. Contudo, a mudança política não é suficiente, sendo necessária, ademais, a transformação institucional, de maneira que existam mecanismos para os agricultores de acesso ao crédito e à terra, aos mercados, à informação e capacitação, à tecnologia apropriada e a outros recursos produtivos.
Nesse contexto, o instrumento necessário para que se possa converter e ou superar a agricultura/cafeicultura baseada nos insumos químicos sintéticos e subordinada a setores agroindustriais, é a educação, aliada ao conhecimento e, principalmente, à consciência ambiental, que marcam a nova lógica do desenvolvimento rural neste início de século.
Esse estudo multidisciplinar é integrante de um projeto aprovado no edital Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologias Agropecuárias para o Brasil – PRODETAB Edital 02/001, coordenado pela EMBRAPA/Café, no qual trabalharam juntas, em diversas linhas de pesquisa, a UFLA (Departamentos de Agricultura, Solos, Entomologia e Fisiologia) a EPAMIG e a EMATER-MG, Lavras. A principal finalidade desse estudo foi verificar a viabilidade técnico-ambiental do primeiro ano de conversão de lavouras cafeeiras do sistema de produção convencional para o orgânico.
REFERENCIAL TEÓRICO
O paradigma da revolução verde (riscos ambientais, mitos e alternativas)
A monocultura implicou na simplificação da biodiversidade, dando, como resultado final, um ecossistema artificial que requer constante intervenção humana por meio do uso de insumos agroquímicos, os quais, além de melhorar os rendimentos temporariamente, dão como resultado elevados custos ambientais e sociais não desejados (Altieri, 2002). Conscientes de tais impactos, muitos cientistas agrícolas chegaram ao consenso de que a agricultura moderna enfrenta, atualmente, uma severa crise ecológica (Pinheiro et al., 1985; Chaboussou, 1987; Primavesi, 1988; Ehlers, 1996; Nicholls & Altieri, 1997, Gliessman, 2000; Khatounian, 2001; Capra, 2002; Assis, 2005; Neves, 2005).
Um sintoma da crise ambiental que afeta a agricultura é a perda anual de rendimentos devido a pragas em muitos cultivos (na maioria dos casos atinge 30%, em média), apesar do aumento substancial no uso de agrotóxicos (cerca de 500 milhões de kg de ingrediente ativo em todo o mundo) (Altieri, 2002). Boa parte dos agrotóxicos aplicados no campo é perdida; estima-se que cerca de 90% dos produtos aplicados não atingem o alvo, sendo dissipados para o ambiente e tendo como ponto final reservatórios de água e, principalmente, o solo. As perdas se devem, de forma geral, à aplicação inadequada, tanto em relação à tecnologia quanto ao momento de aplicação, em alguns casos, porque a aplicação foi feita para dar proteção contra uma praga ou patógeno que não estão presentes na área. Isso ocorre porque ainda são realizadas pulverizações baseadas em calendários e não na ocorrência do problema (Ghini & Bettiol, 2000). Alguns agrotóxicos apresentam, ainda, problemas de persistência no ambiente (Bottino Netto, 2001), bioacumulação (Carson, 1962) ou toxicidade para organismos aquáticos, abelhas e fauna silvestre e doméstica (Trivelato & Wesseling, 1992). O uso de agrotóxicos e fertilizantes já é a segunda causa de contaminação da água no País, só perdendo para o despejo de esgoto doméstico, o grande problema ambiental brasileiro. Uma pesquisa do IBGE mostra que, do total de 5.281 municípios que têm atividade agrícola, 1.134 (21,5%) informaram ter o solo contaminado por agrotóxicos e fertilizantes. Proibido por lei federal (no 9.974 de 31 de maio de 2002), o descarte irregular de embalagens vazias de agrotóxicos (geralmente em vazadouros a céu aberto) é apontado como principal causa de contaminação. Mas, a pesquisa também mostra que, dos 5.281 municípios com atividade agrícola, 35,8% incentivam a promoção e a prática da agricultura orgânica (Estadão, 2005).
Nota-se que as plantas cultivadas, que crescem como monoculturas geneticamente homogêneas, não possuem os mecanismos ecológicos de defesa necessários para tolerar o impacto das populações epidêmicas de pragas (Altieri, 1994), tornando-se dependentes dos agroquímicos. Outro reflexo do desequilíbrio biológico dos agroecossistemas é o aparecimento de pragas e agentes de doenças, além da própria intensificação da resistência dos parasitas (Akiba et al., 1999) e plantas daninhas aos princípios químicos empregados.
Segundo Salvatori et al. (2002), o número de parasitas habituais do solo passou de 3 para 20, desde 1972, somente na lavoura de soja. A resistência de plantas daninhas aos herbicidas foi pela primeira vez relatada no final da década de 1960, associada à aplicação intensiva de herbicidas pertencentes ao grupo químico das triazinas, tendo o número local com plantas daninhas resistentes aos herbicidas aumentado rapidamente nos últimos anos (Christoffoleti, 2003). Os registros apontam, atualmente, a existência de 304 biótipos resistentes em 270.000 locais do mundo, distribuídos entre 182 espécies (109 dicotiledôneas e 73 monocotiledôneas) (Weed Science, 2006). Na cultura do cafeeiro, em especial, o uso generalizado do glifosate induziu à seleção de espécies tolerantes e ou resistentes como as trapoerabas (Commelina diffusa, C. benghalensis) e algumas espécies da família Rubiaceae (poaia-do-campo, Richardia brasiliensis e vassourinha, Borreria capitata) (Oliveira et al., 1979; Miguel, 1981). Globalmente, a conscientização ecológica já detectada em grande parte da população e, principalmente, entre produtores rurais, técnicos ligados às ciências agrárias e consumidores, indica uma evolução, não no sentido do banimento coletivo dos agroquímicos, mas sim uma exclusão gradual à medida que soluções alternativas venham se apresentando.
Agricultura orgânica (contexto, desafios e cenários)
De acordo com a definição do Codex Alimentarius (2006): “A agricultura orgânica é um sistema de gerenciamento total da produção agrícola com vistas a promover e realçar a saúde do meio ambiente, preservar a biodiversidade, os ciclos e as atividades biológicas do solo. Nesse sentido, a agricultura orgânica enfatiza o uso de práticas de manejo em oposição ao uso de elementos estranhos ao meio rural. Isso abrange, sempre que possível, a administração de conhecimentos agronômicos, biológicos e até mesmo mecânicos. Exclui a adoção de substâncias químicas ou outros materiais sintéticos que desempenhem no solo funções estranhas às desempenhadas pelo ecossistema.”
O número limitado de pesquisas sobre os benefícios gerados pela adoção do sistema de agricultura orgânica registra efeitos positivos para o meio ambiente (Drinkwater et al., 1998; Reganold et al., 2001). Mader et al. (2002) estudaram, durante 21 anos, o desempenho agronômico e ecológico dos sistemas biodinâmico x orgânico x convencional, na Suíça. O experimento foi instalado de 1978 até 1998 e apresentou resultados muito consistentes e elucidativos, como, por exemplo: a respeito da produtividade dos sistemas orgânicos que tende a ser 20% menor, no entanto, o consumo de energia por hectare é 50% maior nas plantações convencionais que dependem do uso de fertilizantes e pesticidas. Sistemas biodinâmicos e orgânicos conservam mais a fertilidade do solo, apresentando maior estabilidade de agregados e alta biodiversidade da fauna do solo, além de uma maior atividade microbiana. Os autores concluíram que, mesmo produzindo menos, a agricultura orgânica é mais eficiente e menos agressiva ao meio ambiente.
Entretanto, a falta de um entendimento holístico dos princípios da agricultura orgânica induziram Altieri & Nicholls (2003) a questionar as bases do movimento orgânico contemporâneo, criticando a produção orgânica geralmente praticada em grandes áreas, voltada, exclusivamente, para a alta produção e lucratividade, características do modelo de agricultura convencional a qual, tradicionalmente, se opunha. À medida que o terceiro mundo entra no mercado orgânico, a produção se destina, principalmente, à exportação, com pequena contribuição para a seguridade alimentar destes países mais pobres. Os produtos orgânicos estão sendo comercializados internacionalmente como mercadoria (commodities) e sua distribuição está sendo feita pelas mesmas corporações multinacionais que dominam o mercado convencional.
É importante enfatizar que somente uma minoria de produtores orgânicos que controlam áreas grandes e com capital financeiro disponível segue o modelo de substituição de insumos. Agricultores que seguem este regime ficam atrelados a um processo que os mantêm dependentes dos fornecedores de insumos orgânicos. Além da dependência, o uso intensivo de insumos externos (orgânicos e biológicos) pode gerar, por exemplo, a resistência de insetos devido ao uso continuado de pulverização com Bt (Bacillus thuringiensis), contaminação do solo e da água com sulfato de cobre e eliminação de insetos benéficos com rotenona e outros inseticidas biológicos não seletivos. É possível que alguns dos problemas citados pudessem ter sido minimizados se o movimento orgânico não tivesse desconsiderado dois fatores importantes: limitação do tamanho da propriedade a ser certificada e desenvolvimento de padrões de certificação solidária, flexível e com padrões sociais (Altieri & Nicholls, 2003).
Os principais entraves ao desenvolvimento da agricultura orgânica no Brasil foram detectados por Darolt (2000) e são, em ordem descrescente, a falta de crédito específico, as dificuldades para a comercialização da produção e, por último, a falta de experiência e de informações técnicas. Foram levantadas também algumas condições para que a agricultura orgânica seja bem-sucedida, como o incentivo financeiro aos produtores em conversão (experiências de prefeituras que apóiam a agricultura orgânica têm oferecido condições satisfatórias para alavancar o sistema); o diálogo com os consumidores; a informação eficiente aos produtores e consumidores (nos países como Suíça, Alemanha e EUA, onde existem institutos de pesquisa em agricultura orgânica, a evolução é nitidamente maior); o acesso e a disponibilidade de produtos orgânicos (maior gama de opções de pontos de venda, como venda direta, cooperativas, lojas de produtos naturais, redes de supermercado, etc.); o marketing e a proteção legal (criação de uma logomarca nacional para o produto orgânico, com o intuito de aumentar as vendas no nosso país); a pesquisa fundamental, aplicada e em sistemas de produção; a criação de métodos alternativos de certificação (certificação participativa) e o associativismo. Theodoro & Guimarães (2003) concluíram que a agricultura orgânica veio para ficar como uma espécie de desafio da sustentabilidade. Torna-se, assim, necessário estudar as vantagens que o sistema orgânico pode proporcionar a produtores e consumidores, como a menor dependência de insumos externos à propriedade, a redução dos custos de produção e uma menor degradação do solo. De outro lado, o fornecimento de alimentos com menor índice de toxicidade, a melhoria da saúde do consumidor e a manutenção do equilíbrio ambiental são benefícios a serem capturados pela sociedade em geral.
Área de produção e mercado mundial de produtos orgânicos
De acordo com a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM), o sistema orgânico já é praticado em 110 países, sendo observada uma rápida expansão, sobretudo na Europa, EUA, Japão, Austrália e América do Sul (Willer & Yussefi, 2005).
Na falta de estatísticas oficiais, a Foundation Ecology & Agriculture da Alemanha e o Research Institute of Organic Agriculture da Suíça, a cada ano, coletam informações em todo o mundo e, em 2004, estimaram a área orgânica mundial em 24 milhões de hectares que somados aos mais de 10,7 milhões de hectares de extrativismo certificado de produtos alimentares totalizaram uma área de 34,7 milhões de hectares em todo o mundo (Yussefi, 2004). Em 2005, a área mundial passou para 26 milhões de hectares manejados organicamente em, aproximadamente, 558.449 propriedades e para 14,5 milhões de hectares de extrativismo certificado, totalizando uma área de 40,5 milhões de hectares (aumento de 16,72%). Esses dados apontam a conversão de uma área de 5,8 milhões de hectares em todo o planeta para o manejo orgânico, durante o período de um ano (Willer & Yussefi, 2005).
A maior parte destas áreas está localizada na Austrália (11,3 milhões de hectares), Argentina (2,8 milhões de hectares) e Itália (um pouco mais que 1,0 milhão de hectares). A Oceania tem, aproximadamente, 43% da área orgânica do mundo, seguida pela Europa (23,8%) e América Latina (23,5%). É importante destacar que os países que têm o maior percentual de área sob manejo orgânico em relação à área total destinada à agricultura computam a área de pastagem. Assim, por exemplo, em países como Austrália e Argentina, mais de 90% da área de produção orgânica correspondem a áreas de pastagem (Willer & Yussefi, 2005).
O maior número de propriedades orgânicas encontra-se na América Latina (34,0%), Europa (29,9%) e África (21,1%). Numa análise comparativa entre o tamanho de área manejada sob o sistema orgânico e o número de propriedades orgânicas, é possível perceber a América Latina que, com 23,5% da área sob manejo orgânico, possui o maior número de propriedades (34,0% do total); enquanto a Oceania possui a maior área (42,9% do total) e o menor número de produtores (0,4%). Os países que apresentam uma maior percentagem de área sob manejo orgânico em relação à área total de agricultura são a Áustria (maior percentual entre os países da União Européia – 26,4%), a Suíça (10,27%), a Finlândia (7,22%) e a Itália (6,86%).
No Brasil, a consolidação dos dados sobre agricultura orgânica carece de precisão, sendo a maioria das estimativas baseadas nas informações das certificadoras. Segundo uma destas estimativas, realizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a área com manejo orgânico no país, em 2002, era de 275,60 mil hectares, com a existência de 7.063 produtores certificados ou em processo de certificação que movimentam US$ 300 milhões ao ano. Esse estudo aponta a existência de 419 produtores de café legitimamente orgânicos (5,93%), envolvendo uma área plantada de 13.005,00 ha (4,82% do total) (Ormond et al., 2002). A maior parte (80%) da produção orgânica brasileira encontra-se nos estados do sul e sudeste. Em torno de 85% da produção orgânica brasileira é exportada, sobretudo para a Europa, Estados Unidos e Japão. Os restantes 15% são distribuídos no mercado interno (Darolt, 2002). Dados recentes apontam um crescimento vertiginoso da área com manejo orgânico no Brasil, passando, em 2005, para 803,18 mil hectares (a quinta maior área certificada do mundo), com 14.003 propriedades certificadas (Willer & Yussefi, 2005).
A transição para a cafeicultura orgânica
Transição ou conversão são termos usualmente utilizados para denominar o processo de mudança do sistema de produção convencional para orgânico, os quais, além de questões técnicas e educativas que a mudança tecnológica per si pressupõe, envolvem também questões normativas e de mercado, na medida em que está intimamente ligada ao processo de certificação (Feiden et al., 2002). O processo de certificação da produção de café orgânico, isto é, o processo de legitimação da produção, foi descrito em detalhes por Theodoro (2002) e Theodoro (2003).
Segundo as normas brasileiras (BRASIL, 1999), para que o produto receba a denominação de orgânico, ele deverá ser proveniente de um sistema em que tenham sido aplicados os princípios estabelecidos pelas normas orgânicas, por um período mínimo para a produção vegetal de culturas anuais, com olerícolas e cereais, de doze meses sob manejo orgânico. No caso de culturas perenes, a propriedade deverá cumprir um período de conversão de dezoito meses em manejo orgânico. Para atender à legislação do mercado internacional, o prazo é mais dilatado, sendo 24 meses para culturas anuais e um período de conversão de 36 meses para culturas perenes. Entretanto, Darolt (2002) adverte que os períodos de conversão citados poderão ser ampliados pela certificadora em função do uso anterior e da situação ecológica da propriedade.
Para Khatounian (1999), o período de conversão não deve ser entendido apenas como uma quarentena para a eliminação de resíduos de agrotóxicos, mas como um período necessário para a reorganização, a sedimentação e a maturação dos novos conhecimentos. É um reaprendizado da agronomia como ecologia aplicada à produção agrícola, que exige a reorganização dos fatos agronômicos sob um marco conceitual diferente (Khatounian, 2001).
Vivan (1998) questionou a mudança de paradigma da agricultura convencional para a agroecologia, ressaltando não trata-se mais de apenas substituir o insumo externo por um menos danoso ao ecossistema e à saúde humana, ou de criar um eficiente organismo rural padrão. Trata-se de assumir alguns pontos fundamentais para a geração de tecnologias, como:
a) compreensão dos componentes da sucessão natural de espécies em cada ecossistema e de como este processo utiliza de modo ótimo os recursos no tempo e no espaço;
b) compreensão dos mecanismos de evolução interativa entre as comunidades vivas e o meio físico, criando as condições básicas para o desenvolvimento da vida (otimização de radiação, umidade e nutrientes);
c) conhecimento dos ciclos e padrões que refletem essas interações e como neles integrar as ações e interesses humanos, buscando otimizar nossa intervenção nos ambientes, e
d) fazer deste processo a matriz de um desenvolvimento tecnológico adaptado à escala humana, o que implica no reconhecimento da importância das particularidades de culturas e etnias e sua bagagem de interação com os ecossistemas.
Com as recentes tendências ecológicas na agricultura, tanto o manejo agroflorestal quanto o manejo orgânico do cafeeiro constituem-se em tecnologias importantes para a recuperação dos solos degradados, que, durante muitos anos, foram submetidos ao manejo intensivo desta cultura (Alfaro- Villatoro et al., 2004). Por isso, é premente a necessidade de estudos sobre sistemas agroflorestais (SAF) com o cafeeiro, visando atender à demanda de cafeicultores convencionais que estão migrando para o sistema de produção de café orgânico, cujo mercado é altamente exigente em relação à qualidade de bebida (Theodoro et al., 2002; Malta et al., 2003) e diversificação das culturas (Moguel & Toledo, 1999; Soto-Pinto et al., 2000; Peters et al., 2003; Van der Vossen, 2005).
No sul do México, em um estudo realizado por Moguel & Toledo (1999), em plantações de café, foram reconhecidos cinco tipos de sistemas de produção de café, distinguidos em concordância com o nível de manejo, a composição vegetativa e a estrutura dos extratos (SMBS, 2006). Os sistemas são:
a) sistema rústico: o café é plantado substituindo plantas que crescem no extrato baixo das florestas temperadas ou tropicais. Esse sistema corresponde a uma agricultura de subsistência e é adotado por grupos indígenas com práticas mínimas de manejo, sem uso de fertilizantes e agroquímicos e, como conseqüência apresenta baixo rendimento;
b) policultura tradicional: realizamse práticas agronômicas para manejo de café e manipulação da floresta, mediante a eliminação de árvores nativas e introdução de outras espécies. Estes sistemas são conhecidos como “coffee garden”;
c) policultura comercial: observa-se a exploração comercial de algumas das espécies utilizadas no sombreamento, como produtos alimentícios, madeiras, frutíferas, medicinais e ornamentais. Nestes sistemas, a floresta original pode ter sido removida completamente e predominam espécies para sombra com ou sem utilidade comercial, especialmente leguminosas combinadas com espécies para extração de madeira, látex, espécies frutíferas, como bananeiras, cítricos etc.;
d) monocultura consorciada com sombra: este sistema é caracterizado por uma plantação bem manejada agronomicamente, no qual o café é plantado em um espaçamento definido, sob um único extrato de sombra, com uma ou duas espécies arbóreas introduzidas especialmente para este propósito, e e) monocultura sem sombra: não apresenta nenhuma cobertura arbórea, os cafeeiros crescem expostos ao sol pleno. Representam um sistema totalmente agrícola, com alto ingresso de fertilizantes e pesticidas, uso de maquinaria e trabalho especializado. Embora produza os maiores rendimentos, este sistema está associado aos impactos negativos da agricultura intensiva, causando diminuição à diversidade biológica e, em longo prazo, provocando a depauperação do solo.
Para avaliar a viabilidade financeira de investir na certificação ecológica de plantações de café já estabelecidas, Gobbi (2000) efetuou uma análise de custo-benefício sobre quatro diferentes sistemas agroflorestais e uma plantação de café cultivado a pleno sol. Em todos os casos, o autor encontrou uma relação custo-benefício aceitável, com menor risco para a policultura tradicional, uma vez que este sistema privilegia a introdução das árvores nas lavouras cafeeiras. Além disso, os benefícios da certificação são obtidos a partir do segundo ano.
Em agroecossistemas da América Central de café arábica, o café orgânico sombreado produz de 20% a 30% a menos que o café convencional sombreado e, em relação ao café convencional não sombreado, apresenta uma produção 40% menor. O ágio recebido pelo café orgânico é insuficiente para compensar a queda de produção e seu custo de produção é ligeiramente mais alto devido aos custos da certificação e inspeções de acordo com a International Federation of Organic Agriculture Movements (IFOAM). A renda líquida de fazendas de café orgânico é de 25% a 50% menor do que em fazendas convencionais, entretanto, ainda são muito lucrativas quando os preços do café estão altos (Van der Vossen, 2005).
Um novo critério de certificação é caracterizado pelo “Comércio Justo” (Fair Trade), estabelecendo normas especiais para um comércio sustentável, principalmente em pequenas propriedades organizadas. As normas mais importantes são:
a) uma parte fixa do preço final é utilizada para programas sociais dentro da comunidade ou cooperativa de trabalhadores;
b) as relações de comércio são estabelecidas visando sua manutenção em longo prazo e
c) parte da receita é destinada diretamente aos produtores, de forma a torná-los mais independentes, sem necessitar da ajuda de créditos oferecidos por bancos que cobram, em geral, altas taxas de juros (Carvalho, 2002).
Uma análise da produção de café orgânico foi realizada por Van der Vossen (2005), elucidando vários pontos críticos de todo o processo de produção e da filosofia da agricultura orgânica. O autor questiona esse sistema como sendo bastante complexo, apresentando um processo de certificação caro, ficando evidente que os produtores que praticam as rígidas regras da produção de café orgânico podem até compartilhar das mesmas preocupações ambientais de consumidores conscientes, mas sua grande maioria é motivada primeiramente pelos benefícios econômicos advindos do ágil recebido. Não obstante, existe uma injustiça considerável entre as extremas normas para se produzir “orgânicos”, exigidas pelo consumidor urbano do mundo industrializado e a modesta recompensa recebida pelo grande esforço dos produtores de café orgânico. Assis & Romeiro (2004) analisaram os fatores econômicos e políticos que condicionam a evolução dos sistemas orgânicos de produção de café no Brasil, por meio de estudo de caso com agricultores ligados à Associação de Cafeicultura Orgânica do Brasil (ACOB), em Machado, MG. A estratégia de conversão a ser adotada está condicionada à realização de uma análise dos pontos fortes e fracos da propriedade, bem como da definição de aptidões, da experiência do agricultor, do tipo de mão-de-obra utilizada e do mercado.
Nesse sentido, dois parâmetros são fundamentais: a forma de organização social da produção e o padrão tecnológico da unidade de produção no início do processo de conversão, os quais irão determinar, além da estratégia a ser adotada, a velocidade com que se processará a conversão e a inserção no mercado.
É importante salientar que a produtividade após o período de conversão de todas as lavouras de agricultores empresariais e familiares apresentou valores compatíveis e até superiores às lavouras sob manejo convencional. Em relação ao ágio obtido no mercado de produtos orgânicos, esse apresenta uma variação entre 20% e 70% (média de 33%) e verifica-se que somente os empresários capitalistas conseguem obter ágio superior a 40%, situando-se os agricultores familiares na faixa de 20% a 40%. Isso reflete a dificuldade que a produção familiar de café orgânico encontra para se inserir nesse mercado altamente seletivo (Assis & Romeiro,2004).
Bases científicas do manejo orgânico em solos tropicais
A base científica para as várias correntes de pensamento que caracterizam a “agricultura alternativa” em contraposição à agricultura convencional baseada nos princípios da “revolução verde”, tem sido buscada por meio da agroecologia, ciência em construção, que apresenta uma série de princípios e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas (Altieri, 1987). A agroecologia surge como conseqüência de uma busca de suporte teórico para as diferentes correntes de agricultura não industrial e, como resposta aos críticos destes movimentos, que os colocavam como uma tentativa retrógrada de volta ao passado na agricultura (Assis, 2005).
Essa ciência resgata os conhecimentos tradicionais desprezados pela agricultura industrial, procurando utilizar o que há de mais avançado em ciência e tecnologia para criar agro ecossistemas sustentáveis e de alta produtividade,que apresentem características mais semelhantes quanto sejam possíveis às dos ecossistemas naturais (Gliessman, 2000).
Teoria da trofobiose
A compreensão da natureza somente é possível num enfoque holístico observando ciclos, trabalhando com sistemas e respeitando as inter-relações e proporções. Tudo é interdependente. Com o enfoque temático-analítico que vem predominando na agricultura, perdeu-se a visão geral do sistema e, assim, aumentaram os problemas relacionados com a proteção das plantas, devido ao manejo inadequado dos solos, da natureza e do próprio controle desses problemas (Ghini & Bettiol, 2000). O surgimento de doenças iatrogênicas (as que ocorrem por causa do uso de agrotóxicos) é um exemplo de problemas que podem ocorrer devido à visão reducionista do sistema. Vários aspectos do surgimento de pragas e doenças em decorrência do uso de agrotóxicos são discutidos por Chaboussou (1987). Por exemplo, após a utilização de diversos insecitidas, como DDT, Carbaryl e numerosos fosforados, ocorrem proliferações de populações de ácaros vermelhos (Panonychus ulmi Koch) e ácaros amarelos (Eotetranychus carpini vitis, Dosse) (Chaboussou, 1969); pulgões (Smirnova, 1965; Michel, 1966) e cochonilhas após a utilização de fosforados ou clorados (Kozlova & Kurdyukov, 1964). O uso de um clorado em tratamento de solo (Luckmann, 1960) e de um fosforado (Savesco & Iacol, 1958) também induziram aumentos na população de lepidópteros.
Esses fenômenos foram constatados envolvendo ácaros, pulgões e cochonilhas porque estes insetos mantêm-se sobre a planta durante toda a duração de seu ciclo evolutivo e, conseqüentemente, sua multiplicação não poderia passar despercebida. O mesmo não ocorre com certas ordens de insetos, como os lepidópteros, por exemplo, submetidos à metamorfoses que exigem o abandono do vegetal (Chaboussou, 1987). Alves et al. (2001) citaram que a maior parte dos insetos e dos ácaros fitófagos depende de substâncias solúveis existentes na seiva das plantas ou no suco celular, tais como aminoácidos livres e açúcares redutores, pois estes não são capazes de desdobrar proteínas em aminoácidos. Foi a partir da relação entre o estado nutricional da planta e sua resistência às doenças que Dufrenoy (1936) postulou que toda circunstância desfavorável ao crescimento celular tende a provocar um acúmulo de compostos solúveis não utilizados, como açúcares e aminoácidos, diminuindo a resistência da planta ao ataque de pragas e doenças.
A partir disso, Francis Chaboussou formulou, em 1967, a teoria da trofobiose (a origem do termo provém do grego: “trofo” (alimento) e “biose” (existência de vida), ao afirmar que “a planta, ou mais precisamente o órgão vegetal, será atacado somente quando seu estado bioquímico, determinado pela natureza e pelo teor de substâncias nutritivas solúveis, corresponder às exigências tróficas da praga ou do patógeno em questão” (Chaboussou, 1969; 1972; 1980; 1985).
Assim, toda planta estará vulnerável ao ataque de insetos, ácaros, fungos e doenças de modo geral, no momento em que em seu sistema metabólico estiverem presentes excessos de aminoácidos livres e açúcares redutores (proteólise). Toda ação ou interferência no metabolismo da planta de origem genética, fisiológica, climática e de manejo cultural, que estimulem a proteossíntese, geram resistência entomológica e fitopatológica no organismo vegetal. Em condições climáticas ótimas e de suprimento de nutrientes, estabelece-se uma condição de equilíbrio metabólico na planta que acaba induzindo a um equilíbrio biológico no ambiente. Seca prolongada, frio intenso, vento, desequilíbrio nutricional (deficiência ou excesso de nutrientes), compactação do solo e, principalmente, uso de agrotóxicos provocam estresse metabólico no organismo vegetal. Isso gera um desequilíbrio proteolítico, resultando em um excesso de aminoácidos e vulnerabilizando as plantas às pragas e doenças (D’andrea, 2001). Assim, a explicação para o aumento de pragas ou para os desequilíbrios biológicos nos agroecossistemas pode estar associada ao estado dominante de proteólise nos tecidos das plantas (Alves et al., 2001).
Diante dessa constatação, verifica-se a grande importância de realização de estudos mais aprofundados sobre os efeitos da nutrição vegetal na suscetibilidade/resistência das plantas às pragas e doenças, pois ainda são incipientes as evidências científicas que confirmem a veracidade da teoria da trofobiose, principalmente em manejos tropicais. É conhecido que a fertilização de plantas apresenta efeitos positivos e negativos na incidência de pragas e doenças (Bortolli & Maia, 1994), enquanto Chaboussou (1987) e Primavesi (1988) ressaltaram a importância do equilíbrio nutricional para evitar doenças e pragas. As plantas produzidas em ambientes com excesso de agroquímicos apresentam-se desequilibradas nutricionalmente e vulneráveis ao ataque de doenças e pragas (Altieri & Nicholls, 1999).
Archer et al. (1982) comprovaram que o aumento dos níveis de N em sorgo proporciona aumento na incidência de pulgões. Tem sido observado, em culturas como o arroz e a aveia, que, com o aumento da concentração de N solúvel na seiva das plantas, ocorre aumento do ataque de Sogatella furcifera e Sitobion avenae (Marschner, 1995). A redução do teor de K nas folhas de arroz e citros aumenta o ataque de S. furcifera (Marschner, 1995) e das cochonilhas Lepidosaphes beckii e Saissetia oleae (Chaboussou, 1987), provavelmente em função da elevação da concentração de aminoácidos livres (Marschner, 1995).
A população de Orthezia praelonga em pomar de tangerina cv. Ponkan apresentou maior incidência nos tratamentos que receberam adubação nitrogenada e potássica (30,91%), enquanto que, em plantas que receberam somente adubação nitrogenada, verificou-se um grau de infestação de 13,50%. Isso demonstra uma maior tendência dos insetos por plantas quando os adubos são aplicados simultaneamente (Pinto et al., 1998; Azeredo et al., 2004). Bortolli & Maia (1994) relataram que embora a maioria dos trabalhos aponte para o efeito positivo do N no desenvolvimento de pragas, há resultados que indicam o contrário (Leite et al., 1999), bem como o efeito não significativo (Gonçalves et al., 2003).
Em relação à cultura do cafeeiro existe uma grande lacuna a respeito da trofobiose e trabalhos são praticamente inexistentes. É consenso entre a comunidade científica que a incidência da cercosporiose, cujo agente causal é o fungo Cercospora coffeicola Berk & Cook, apresenta alta correlação com o estado nutricional das plantas e fatores climáticos. Além das condições climáticas, como umidade relativa alta, temperaturas amenas, excesso de insolação e déficit hídrico, qualquer condição que leve a planta a um estado nutricional deficiente ou desequilibrado favorece a doença (Carvalho & Chaulfoun, 2000). A ocorrência da doença e a suscetibilidade/resistência do cafeeiro cultivado nas várias regiões produtoras do Brasil podem ser explicadas pela teoria da trofobiose em trabalhos futuros, que visem elucidar a influência da nutrição mineral com fontes altamente solúveis e o uso de agrotóxicos x manejo orgânico do solo preconizado pela agricultura orgânica x condições climáticas na proteossíntese e proteólise do sistema metabólico dos cafeeiros.
Na agricultura orgânica, os processos empregados no controle das pragas e doenças baseiam-se no equilíbrio nutricional (trofobiose), pelo melhor equilíbrio energético e metabólico do vegetal (Pinheiro & Barreto, 1996).
O emprego de produtos que contenham microrganismos e seus metabólitos vem sendo amplamente difundido. Além de poder funcionar como indutores de resistência, podem atuar como promotores de crescimento (equilíbrio nutricional) e como protetores da planta, a exemplo dos entomopatógenos e fermentados microbianos (biofertilizantes líquidos). Este último pode atuar como repelente ou fagodeterrente (inibidores de alimentação) ou afetando o desenvolvimento e a reprodução das pragas. No entanto, faltam comprovações científicas a respeito dos efeitos do uso de biofertilizantes em diferentes cultivos, apesar de ser uma prática largamente difundida e utilizada na agricultura familiar e, principalmente, em lavouras cafeeiras (Alves et al., 2001).
Os biofertilizantes são compostos bioativos, resíduo final da fermentação de compostos orgânicos, que contêm células vivas ou latentes de microrganismos (bactérias, leveduras, algas e fungos filamentosos) e por seus metabólitos, além de quelatos organo-minerais. Também podem ser definidos como sendo compostos biodinâmicos e biologicamente ativos, produzidos em biodigestores por meio de fermentação aeróbica e ou anaeróbica da matéria orgânica. Esses compostos são ricos em enzimas, antibióticos, vitaminas, toxinas, fenóis, ésteres e ácidos, inclusive de ação fitohormonal. Não existe fórmula padrão para a produção de biofertilizantes. No Brasil, a fórmula mais conhecida é o supermagro, que está sendo utilizado em culturas como as de maçã, pêssego, uva, tomate, batata, hortaliças em geral e no cafeeiro (Alves et al., 2001).
Rochagem
O solo é o produto da ação integrada do clima e da biosfera, ao longo do tempo, influenciada por sua posição topográfica sobre uma rocha matriz. Esta rocha matriz é a fornecedora dos constituintes minerais que perfazem 46% da fase sólida do solo. A textura e a estrutura da rocha influenciam na velocidade do processo de formação do solo, enquanto que as composições mineralógica e química determinam a disponibilidade de nutrientes inorgânicos nos solos. Entretanto, como os nutrientes só podem ser assimilados pelas plantas quando estão na forma solúvel, o intemperismo é uma etapa fundamental nessa transferência. Diante do exposto, o conhecimento da mineralogia e da geoquímica das rochas facilita o entendimento sobre os processos naturais que determinam a ocorrência de solos férteis e pobres, além de ser uma ferramenta importante na escolha adequada das rochas a serem trituradas para aplicação no solo, visando à recomposição da sua fertilidade (Santos & Miedema, 2003).
A rochagem tem como princípio básico a restituição ao solo de uma fração de minerais intemperizáveis que possa atuar como se fosse a fração silte de um solo jovem (reserva de nutrientes). Entretanto, o pleno aproveitamento destes minerais somente será possível com alta atividade biológica. Assim, em clima tropical e subtropical, a aplicação de farinha de rocha está atrelada ao manejo orgânico do solo e terá como parceiros a compostagem, a adubação verde, o mato roçado ou a cobertura morta. Nesse sentido, merece destaque o manejo do mato pela constante roçada de pomares e cafezais (Osterroht, 2003).
Atividade microbiana
Nos sistemas agrícolas, a biota do solo é fortemente influenciada pelas práticas empregadas, como rotação de culturas, adubação, irrigação e sistemas de preparo do terreno e de proteção de plantas. Esta mesma biota, por outro lado, governa processos, como decomposição, mineralização e humificação da matéria orgânica, mobilização e imobilização de nutrientes, fixação biológica de nitrogênio atmosférico, agregação e estruturação e conseqüente conservação do solo, e a regulação de pragas e doenças (Assis, 2005).
O manejo do solo com práticas que não agridam a biota e favoreçam a ciclagem de nutrientes é fundamental para a obtenção de plantas saudáveis, tais como: redução da mecanização do solo (plantio direto ou cultivo mínimo), uso preferencial de adubos verdes, plantas de cobertura, estercos e compostos (Primavesi, 1988; Altieri, 1991; Monegat, 1991; Patriquin et al., 1993, Altieri, 1994; Vandermeer, 1995; Matson et al., 1997; Yepsen Jr. 1997; Altieri & Nicholls, 1999). As demais práticas de manejo de agroecossistemas em sistema convencional, tais como a aplicação de agrotóxicos, e a mecanização excessiva do solo com máquinas, têm efeito direto e indireto no empobrecimento da microbiota do solo responsável pela ciclagem de nutrientes (Matson et al., 1997; Altieri & Nicholls, 1999). Os organismos formam a chamada matéria orgânica viva do solo.
Quanto maior a biomassa de um solo, maior o seu potencial de estoque de nutrientes por meio do acúmulo destes nas células microbianas. Os nutrientes são liberados conforme degradação das células, devido à morte ou à predação por outros organismos (Coutinho et al., 2003).
A biomassa microbiana, que apresenta um importante papel na ciclagem de nutrientes e agregação do solo, foi similar em solos manejados organicamente e convencionalmente. Fatores determinantes do resultado da biomassa microbiana são o tipo e a quantidade de material orgânico que regularmente entra no ecossistema. Aparentemente, a baixa entrada de matéria orgânica na agricultura convencional é suplementada pelas grandes quantidades de exsudatos das raízes e resíduos de colheita (raízes e palhas) incorporados ao solo, provenientes de uma maior produtividade (Shannon et al., 2002).
Bettiol et al. (2002), em sistemas de cultivo orgânico e convencional para as culturas do tomateiro (Lycopersicum esculentum) e do milho (Zea mays), registraram uma maior atividade microbiana avaliada pela evolução de CO2, mantendo-se superior no sistema orgânico, tendo, em determinadas avaliações, sido o dobro da evolução verificada no sistema convencional. No cafeeiro, foram registrados resultados significativos para biomassa microbiana em relação aos dois tipos de manejo, somente em relação à época chuvosa, que apresentou maiores valores (Theodoro et al., 2003c).
Os fungos micorrízicos arbusculares (FMA) formam associações mutualísticas com a maioria das plantas e, sendo simbiontes obrigatórios, ocorrem de maneira generalizada nos ecossistemas. Eles aumentam a absorção de nutrientes pouco móveis no solo, como o fósforo por exemplo (Marschner & Dell, 1994), e a tolerância das plantas a doenças radiculares (Munyanziza et al., 1997), melhoram a estrutura do solo e aumentam a diversidade e a produtividade vegetal (Heijden et al., 1998).
A simbiose micorrízica torna-se muito importante para o cafeeiro, pois este apresenta elevada dependência dos fungos micorrízicos arbusculares na fase de mudas em viveiros. Existem indícios de que, por meio do manejo adotado em lavouras já instaladas, é possível aumentar a diversidade de espécies e o potencial de inóculo natural do solo, diminuindo os efeitos negativos do monocultivo contínuo sobre a diversidade de espécies (Theodoro et al., 2003a).
O manejo apropriado desta simbiose pode reduzir a utilização de fertilizantes e agrotóxicos, sendo sugeridas por Moreira & Siqueira (2002) algumas práticas de manejo, como:
a) fazer rotação de culturas e consórcios que incluam espécies de plantas multiplicadoras de propágulos;
b) reduzir as aplicações de adubos solúveis ao mínimo necessário;
c) priorizar fontes nãosolúveis de fósforo (a micorrização é inibida por fosfato na solução no solo) e
d) reduzir ao mínimo a aplicação de agrotóxicos, principalmente os fungicidas.
Tecnologias de produção orgânica aplicadas à cafeicultura
Adubação orgânica
Um novo conceito de fertilidade proposto por Khatounian (2001) chama a atenção para a sucessão da rocha nua até a floresta, e estabelece fertilidade como “a capacidade de um ecossistema gerar vida de forma sustentável, medida usualmente em termos de produção de biomassa”. Assim a fertilidade deixa de ser um atributo apenas do solo, passando para a esfera do ecossistema. O foco se amplia da camada superficial do solo para todo o perfil no qual as plantas se desenvolvem, indo desde as raízes mais profundas até o topo das plantas.
Enquanto fertilidade natural é obra da natureza, acumulada pelo ecossistema original, a fertilidade dos agroecossistemas é uma criação humana, melhorada ou desgastada pelas mãos do agricultor (Khatounian, 2001).
Uma concepção errônea e simplista dos princípios de uma agricultura verdadeiramente ecológica é o enfoque único na eliminação do uso de agrotóxicos e da adubação mineral altamente solúvel. A agricultura ecológica e orgânica desenvolve um caminho para incrementar a produtividade do sistema “solo-planta-animal”, por meio da compreensão profunda das relações do mesmo. Enquanto, na agricultura convencional, se entende a adubação como reposição de nutrientes, na agricultura orgânica é o fortalecimento da organização vital do organismo solo-planta (Scheller, 2003), respeitando as leis da fertilidade (lei da restituição, lei do máximo e do mínimo e lei dos rendimentos não proporcionais). Nesse sistema, sulfato de potássio e fosfato de rocha não são empregados para a reposição de nutrientes, mas sim para estimular processos biológicos (Scheller, 2003).
Nos últimos anos, tem aumentado o número de pesquisas que visam buscar critérios para avaliação da fertilidade e diagnose nutricional das plantas em sistemas orgânicos de produção de café (Ricci et al., 2002; Theodoro et al,. 2003b, 2003c; Partelli et al., 2005).
Em trabalhos realizados em sistemas orgânicos, certos estercos têm sido utilizados como fonte de nutrientes para as plantas, principalmente o bovino e a cama de aviário. Entretanto, estudos demonstraram a necessidade de utilização de grandes quantidades desses materiais (Almeida, 1991; Oliveira, 2001), o que limita sua aplicação em virtude do reduzido número de criações conduzidas de acordo com os preceitos da agricultura orgânica. Araújo (2004), trabalhando em casa de vegetação obteve resultados para o melhor desenvolvimento do cafeeiro em formação, quando foi utilizado composto orgânico com a dosagem de 6,4 a 7,0 kg cova-1 associado ao biofertilizante “supermagro” nas concentrações de 14,45% a 16,83%. Guimarães et al. (1999) recomendam a adubação de covas de cafeeiros com 3,0 a 5,0 kg (ou 7,0 a 15,0 L cova-1) de esterco de curral, 1,0 a 2,0 kg (ou 1,5 a 3,0 L cova-1) de esterco de galinha, 0,5 a 1,0 kg (1,0 a 2,0 L cova-1) de torta de mamona ou 1,0 a 2,0 kg (5,0 a 10,0 L cova-1) de palha de café.
O manejo do café orgânico registrou maior alteração nas características químicas do solo em relação ao convencional, apresentando incrementos no pH e nos valores de Ca, Mg, K, P, Zn, B, CTC do solo, SB, V% e diminuição do Al trocável (Theodoro et al., 2003b). Não é conhecida nenhuma evidência de que os processos fundamentais de ciclagem de nutrientes em manejo orgânico do solo sejam significativamente diferentes dos mesmos em solos manejados convencionalmente (Stockdale et al., 2002).
A cidade de Finca Irlanda localizada no sul do México, no estado de Chiapas, é considerada uma das primeiras regiões do mundo a produzir café orgânico certificado, desde 1960, em 270,00 ha de lavouras cafeeiras moderamente sombreadas, apresentando 3.300 plantas ha-1. A lavoura produz, anualmente, uma média de 1.500 t de café cereja, que, após processadas rendem aproximadamente 250 t (0,93 t ha-1 ou 15,5 sacas de 60 kg ha-1) de café beneficiado. O composto é preparado a partir de uma mistura de resíduos do fruto do café (40%), resíduos de podas (10%), esterco bovino (20%), galhos de cana-de-açúcar (10%), casco e chifre de animais e farinha de peixe (5%), calcário dolomítico (5%), rocha fosfatada (5%) e algumas argilas. Anualmente é produzida uma quantidade de 1.000 t de composto para aplicação nas lavouras cafeeiras, na quantidade de 3,7 t ha-1 ou 1,1 kg planta-1. Essas 3,7 t ha-1 de composto podem fornecer, aproximadamente, de 60 a 75 kg de N, 8 a 10 kg de P e 75 a 85 kg de K ha-1 ano-1. As lavouras cafeeiras orgânicas sombreadas apresentam uma produção média de 0,93 t de café beneficiado ha-1 ano-1 (15,5 sacas de 60 kg) que requer uma entrada de 78 kg de N, 2 kg de P e 75 kg de K, visando manter o balanço nutricional requerido para sustentar um patamar médio de produção. Em Finca Irlanda, são encontrados níveis médios de nutrientes devido à utilização, no processo de compostagem, de 50% de resíduos do próprio cafeeiro (casca, pergaminho, palha e podas) produzidos dentro do organismo agrícola e a outra metade é oriunda de fontes externas de matéria orgânica (Van der Vossen, 2005). Kamala Bai et al. (2000) relataram os resultados de aplicações anuais de, aproximadamente, 5,0 t ha-1 de composto, na qualidade do solo e na produção de 43,00 ha de café arábica sombreado, produzido organicamente no sul da Índia.
O composto foi preparado com resíduo de biogás (feito com esterco bovino e casca de café), esterco de carneiro e de galinha e fosfato de rocha. A calagem para corrigir o pH do solo é feita a cada 4 a 5 anos. A média de produção em nove anos (de 1989 a 1998) foi de 1,18 t ha-1 de café beneficiado (19,67 sacas de 60 kg), em comparação a 1,32 t ha-1 (22 sacas de 60 kg) antes da conversão para a produção orgânica em 1989. A contribuição desse composto foi de 104 kg de N, 5 kg de P e 101 kg de K, no fornecimento de nutrientes. O solo estava em ótimas condições, apresentando um pH de 6,1; um teor de matéria orgânica de 5,9% na camada superficial (0-20 cm) e os outros nutrientes estavam em níveis adequados de acordo com as exigências do cafeeiro.
Nos resultados obtidos por Moreira (2003) na busca de parâmetros que permitam a caracterização dos sistemas de café orgânico sombreado e a pleno sol, mostraram uma tendência de superioridade do sistema sombreado, principalmente quanto às maiores concentrações de K encontradas nos grãos, folhas e solo, que podem ter propiciado uma melhor qualidade do café deste sistema.
Adubação verde
A adubação verde para a agricultura orgânica ou cobertura verde do solo abrange a utilização de plantas, não só as leguminosas, como também as gramíneas que formam a vegetação espontânea do agroecossistema, espécies florestais caducifólias naturais e ou introduzidas e outras espécies que funcionem em sistemas de rotação, sucessão ou consorciação com as culturas, para a formação de biomassa vegetal deixada na superfície do solo, visando à melhoria das características químicas, físicas e biológicas do mesmo.
Apenas a ciclagem de nutrientes, na qual se inclui a fixação biológica de nitrogênio tem valor anual estimado em 17 trilhões de dólares (Constanza et al., 1997). O uso de adubos verdes, além de enriquecer o solo pela ciclagem de nutrientes por meio da fixação biológica, melhora a estrutura, incorpora matéria orgânica, reduz a erosão, aumenta a capacidade de retenção de água e diminui a incidência de invasoras. Adicionalmente, a adubação verde contribui para a proteção das culturas, por estimular populações de espécies antagonistas aos fitoparasitas, além de poder servir como alimento para abelhas e como forragem para os animais de criação (Neves, 2005).
Dentre outros benefícios, pode-se citar também a formação de ácidos orgânicos que aumentam a solubilização de minerais e intermediam o bombeamento de nutrientes de camadas mais profundas do solo, disponibilizando-os para espécies de plantas com sistema radicular superficial (González, 1980). A adubação verde vem se constituindo um excelente aporte de nitrogênio, matéria orgânica e de outros nutrientes ao sistema, além de proporcionar ao produtor orgânico uma menor dependência no uso de estercos e compostos.
No cafeeiro, o nitrogênio (N) é considerado adequado quando o teor nas folhas estiver entre 2,6% a 3,0% (Guimarães et al., 1999). Para atingir tais teores, o cafeeiro exige aplicações de doses de N que variam de 175 a 400 kg ha-1 ano-1, para produzir entre 20 e 60 sacas ha-1. Considerando-se que a concentração de N nas fontes orgânicas disponíveis é baixa, as doses exigidas tornam-se elevadas, onerando os custos com transporte e mão-de-obra para sua aplicação. Por esta razão, o N pode ser considerado o nutriente mais limitante na cafeicultura orgânica (Ricci et al., 2002).
Apesar dessa aparente limitação do manejo orgânico do solo no fornecimento de N a agroecossistemas de café orgânico, Theodoro et al. (2003c) realizaram um levantamento do estado nutricional de agroecossistemas certificados de café orgânico no estado de Minas Gerais e relataram a eficiência desse sistema no fornecimento de N às plantas, via compostos orgânicos, adubação verde, roçada de plantas espontâneas e cobertura vegetal permanente do solo.
A capacidade de penetração no solo das raízes de leguminosas em profundidades não atingidas pelas culturas em geral tem sido verificada, sendo que as raízes chegam, em média, a uma profundidade de 20 a 30 cm. Em experimento de campo conduzido em solo Podzólico (horizonte B textural com elevada densidade), o feijão-guandu foi a leguminosa com a maior capacidade de penetração de raízes (2,0 m) (Alvarenga, 1993). Ricci et al. (2002) avaliaram o efeito da adubação verde no estado nutricional e produtividade do café orgânico, utilizando o feijão-guandu (Cajanus cajan L.) plantado nas entrelinhas do cafeeiro (“Catuaí Amarelo” H- 2077-2-5-86), sob espaçamentos diferentes (2,0 x 1,0 m consorciado uma linha de guandú; 2,8 x 1,0 m consorciado com duas linhas de guandu e 3,6 x 1,0 m consorciado com 3 linhas de guandu) e não consorciado (2,8 x 1,0 m). O guandu permaneceu na área experimental durante 26 meses, tendo, após a colheita do café, sido cortado e deixado sobre o solo. A maior produtividade foi observada no tratamento mais adensado, apresentando 10,59 sacas de café (saca de 60 kg de café beneficiado) e no tratamento a pleno sol (2,8 x 1,0 m), com 12,01 sacas.
A adubação verde com guandu aumentou significativamente o teor de N na parte aérea dos cafeeiros, proporcionando teores acima do nível crítico estabelecido para o cafeeiro.
Manejo ecológico de pragas (MEP)
O manejo ecológico de pragas (MEP) tem como finalidade o manejo de agroecossistemas de forma compatível com a natureza, incorporando as informações ecológicas básicas ao manejo integrado de pragas (MIP). Na verdade, o MIP tem sido usado sem que se tenha conhecimento pleno das interações ecológicas envolvidas no agroecossistema e, assim, utiliza-se de medidas terapêuticas de controle, sem saber, realmente, quais são os motivos que levaram determinados insetos a atingir o status de praga e como agem os agentes limitantes do crescimento populacional desses insetos (Venzon et al., 2001).
Os mesmos autores citaram, como estratégia de MEP, a manutenção da vegetação natural adjacentes às lavouras cafeeiras, ou, quando possível, dentro deles. A conservação de mata nativa próxima a áreas de cultivo contribui para a conservação e o aumento de vespas predadoras que nidificam nesta vegetação (Reis et al., 1984; Gravena, 1992; Reis et al., 2002). Outras estratégias para culturas perenes são a manutenção e o aumento da camada de folhas mortas que cobre o solo, visando ao fornecimento de locais para os inimigos naturais abrigarem-se durante a entressafra ou quando as condições ambientais são adversas (Venzon et al., 2001). Uma tática no manejo do bicho-mineiro (Leucoptera coffeella) pode ser o fornecimento de alimentação suplementar aos inimigos naturais (Ecole, 2003).
A manipulação da diversidade de plantas pode ocorrer tanto dentro da área de plantio como em toda a extensão da propriedade, por meio do manejo de plantas daninhas, de faixas de vegetação, de cobertura verde (forrageiras e leguminosas), do consórcio de culturas, da mistura de variedades, de quebraventos e sistemas agroflorestais (Amaral et al., 2003).
O aumento da diversidade de plantas associadas ao cafeeiro orgânico provocou aumento na taxa de predação de minas do bicho-mineiro do cafeeiro por vespas predadoras. No entanto, em sistema de café orgânico parcialmente sombreado, com a introdução de banana na linha de plantio, foi observado um decréscimo na predação de minas, possivelmente devido à maior dificuldade das vespas em localizar a praga (Amaral, 2003).
Alguns estudos sobre métodos de controle e produtos de uso permitido para MEP na cafeicultura orgânica vêm sendo conduzidos, como a utilização de armadilhas para a captura de fêmeas adultas da broca-do-café, que empregam álcool etílico para atrair os insetos, cuja eficiência pode ser melhorada com a adição de óleo de café (Villacorta et al., 2001). O fungo Metharizium anisopliae é também um promissor agente de controle da broca-do-café. Segundo Leucuona et al. (1986), este fungo causou a mortalidade de 60% da praga, quando aplicado diretamente sobre os insetos ou indiretamente, nos grãos e nas folhas na concentração de 1,5 x 108 conídios mL-1. Estudos sobre a multiplicação massal e a eficiência do controle biológico da broca-do-café, utilizando o fungo Beauveria bassiana, vêm sendo desenvolvidos, mas já são encontrados no mercado produtos comerciais com cepas do fungo (Amaral et al., 2003).
Dipieri et al. (2003) verificaram redução significativa da quantidade de frutos broqueados quando estes foram tratados com emulsão de óleo de nim (Azadirachta indica) e com extratos aquosos da semente e das folhas de nim, em relação aos frutos tratados com água. Em sistemas orgânicos, tem-se como método preventivo o controle cultural por meio da realização de uma colheita bem feita dos frutos, que se constitui em um dos métodos mais eficientes para o controle da broca-do-café (Reis et al., 2002).
Em experimentos realizados na EPAMIG/CTZM, verificou-se o efeito positivo do óleo de nim (Azadirachta indica) na redução no número de minas de Leucoptera coffeella formadas, no tamanho das minas, no número de pupas formadas e na emergência de adultos (Rosado et al., 2003). Em plantas de cafeeiro tratadas com extrato de nim, foi observada redução na postura e na sobrevivência de ovos de L. coffeella (Martinez et al., 2001).
Outros extratos de plantas também têm apresentado resultados promissores no controle de pragas do cafeeiro, como os extratos de folhas de chagas (ou sete-chagas), Tropaeolium majus e o de mentrasto (Ageratum conyzoides) (Amaral et al., 2003) apresentaram efeito inseticida sobre o bicho-mineiro, L. coffeella e a broca-docafé, H. hampei.
RESUMO DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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CAPÍTULO 2
DESEMPENHO DO MANEJO ORGÂNICO NOS ATRIBUTOS QUÍMICOS E MICROBIOLÓGICOS DO SOLO, NA NUTRIÇÃO E NA PRODUTIVIDADE DO CAFEEIRO
RESUMO
O experimento foi instalado em uma lavoura cafeeira anteriormente cultivada de forma convencional há seis anos, a qual foi submetida ao processo de transição para o sistema orgânico. Durante o primeiro ano de transição agroecológica avaliaram-se os efeitos dos manejos orgânico e convencional sobre os teores de macro e micronutrientes dos cafeeiros (C. arabica L.), nos atributos químicos (0-20 cm) e microbiológicos do solo e na produtividade. Empregou-se o delineamento látice balanceado 4×4 com cinco repetições em esquema fatorial 3x2x2 mais quatro tratamentos adicionais. Foram utilizadas três fontes de matéria orgânica (farelo de mamona, esterco bovino e cama de aviário), com e sem palha de café fermentada, com e sem a adubação verde com feijão-guandu (Cajanus cajan L.) nas entrelinhas do cafeeiro e pulverizações com o biofertilizante supermagro. O manejo convencional constou da aplicação de sulfato de amônio e o cloreto de potássio e de adubação foliar convencional.
O manejo orgânico adotado é eficiente no fornecimento de N, P, K, S, Ca, Mg, Mn, B, Zn, Cu e Fe ao cafeeiro em produção. As melhores fontes de N para o cafeeiro são o farelo de mamona e a cama de aviário, enquanto que o esterco bovino apresenta maior eficiência no fornecimento de P. Os tratamentos de manejo orgânico apresentam produtividade similar à da testemunha convencional, devido à existência de reservas de nutrientes no solo. Não há diferença na biomassa microbiana, em função dos manejos orgânico e convencional, entretanto nos tratamentos de manejo orgânico é maior a diversidade biológica das populações de fungos micorrízicos arbusculares.
INTRODUÇÃO
O crescente interesse pela conversão dos sistemas de café convencional para agroecossistemas orgânicos nos modelos de agricultura familiar e empresarial surge como uma motivação de compradores e consumidores preocupados com a degradação ambiental causada pela agricultura industrial, e, como incentivo à valorização social do trabalhador rural. Assim, para os produtores tradicionais, constitui-se numa alternativa para diversificar e tornar mais sustentável a produção de café, mediante a disponibilização de tecnologias validadas pela ciência.
Dois pontos extremamente favoráveis para a conversão de sistemas de produção de café convencional para a cafeicultura orgânica, especialmente voltada para pequenos produtores, são a mão-de-obra familiar e as possibilidades de organização das comunidades na forma de associações e cooperativas. A prática dos princípios da agroecologia em pequenas propriedades demanda menor quantidade de insumos orgânicos, cuja maior parte pode ser gerada dentro do organismo agrícola. Além disso, a agricultura familiar apresenta aptidão para se conseguir um café de alta qualidade a partir de um processamento pós-colheita adequado, agregando valor por meio da certificação orgânica e do comércio justo (fair trade).
Como toda mudança de paradigma, a conversão de lavouras cafeeiras convencionais está sendo realizada gradativamente, ao longo das últimas décadas no Brasil e no mundo. Ainda existem muitos pontos a serem elucidados, como a concepção, por parte de alguns produtores e cientistas, de que o manejo orgânico do solo não consegue suprir as necessidades nutricionais dos cafeeiros, afetando drasticamente a produtividade. Assim, fica implícita a idéia de que, por meio de estudos envolvendo a atividade microbiana do solo, trofobiose e biodiversidade vegetal por meio, por exemplo, da adoção da adubação verde nas entrelinhas dos agroecossistemas cafeeiros, estes podem ser manipulados para se alcançar uma produtividade sustentável, com menos insumos externos e impactos negativos ambientais e sociais.
Diante disso, foram avaliados após o primeiro ano de transição agroecológica da lavoura cafeeira, os efeitos do manejo orgânico na qualidade do solo, por meio da avaliação da fertilidade na camada superficial, da quantificação da biomassa microbiana e da identificação de fungos micorrízicos arbusculares presentes no sistema radicular dos cafeeiros.
O estado nutricional dos cafeeiros foi relacionado à produtividade da lavoura, com o objetivo de analisar a eficiência no fornecimento de nutrientes dos tratamentos de manejo orgânico em comparação à testemunha convencional.
MATERIAL E MÉTODOS
Descrição da área de estudo
O trabalho foi desenvolvido no município de Lavras, MG, cujo clima é Cwa, na classificação de Köppen, com médias anuais para precipitação de 1.530 mm e temperatura de 19,4º C (Brasil, 1992).
A área de estudo localizada na Fazenda Baunilha, constituiu-se de um talhão de café implantado num Latossolo Vermelho distroférrico, ocupado com cafeeiros com idade de 6 anos, espaçamento 4,0 x 0,7 m (4.167 plantas ha-1) e
cultivar Catuaí Amarelo (IAC H2077-2-5-86) em uma área de 2,02 ha. A área das parcelas orgânicas foi de 1,61 ha (80 parcelas) e a testemunha (20 parcelas convencionais em uma área de 0,41 ha) estava localizada dentro do mesmo talhão, apresentando a mesma cultivar e espaçamento, isolada por uma barreira vegetal de 20,0 m (constituída por 5 linhas de cafeeiros). Cada parcela continha 84 plantas, sendo 16 plantas úteis e 68 plantas de bordadura.
A lavoura convencional recebeu adubações químicas com formulados NPK desde a sua implantação, de acordo com análises de solo e foliar, interpretadas segundo Guimarães et al. (1999). A palha de café proveniente da propriedade era aplicada todo ano e o controle de plantas espontâneas era realizado pelo método integrado (roçada mecânica e aplicação de herbicida sistêmico). A propriedade apresenta histórico de utilização de agrotóxicos para o controle de pragas e doenças em anos de alta ocorrência.
Descrição dos tratamentos
Este estudo avaliou o uso de insumos permitidos e ou tolerados pelas normas da agricultura orgânica (Brasil, 1999), durante o primeiro ano de conversão da lavoura convencional para o sistema orgânico.
O experimento foi instalado em agosto de 2004 e se encontra no segundo ano agrícola de condução. Neste trabalho foram utilizados os dados do primeiro ano de conversão (de agosto de 2004 a dezembro de 2005). O delineamento usado foi o látice balanceado 4×4, com cinco repetições. Dos dezesseis tratamentos (Tabela 1), doze caracterizam um fatorial 3x2x2, que corresponde a três fontes de matéria orgânica (esterco bovino, cama de aviário e farelo de mamona) aplicadas superficialmente na projeção da copa do cafeeiro, com ou sem compostagem laminar feita com a aplicação de palha de café (2,0 L planta-1) sobre as fontes de matéria orgânica e com ou sem adubo verde (Cajanus cajan L.) nas entrelinhas (Figura 1). Os quatro tratamentos adicionais avaliaram o uso do esterco bovino + moinha de carvão + sulfato duplo de potássio e magnésio; a rochagem utilizando a farinha de rocha Itafértil na dose de 2,08 t ha-1 (500 g planta-1) + farelo de mamona + palha de café; o uso da palha de café fermentada (20,0 L planta-1) e do adubo verde feijão-guandu (Cajanus cajan L.) plantado nas entrelinhas do cafeeiro como únicas fontes de adubação. Todos os tratamentos de manejo orgânico receberam, como fonte de adubação foliar, o biofertilizante supermagro e, nas parcelas convencionais, foi aplicada adubação foliar convencional com Niphokam (Quimifol) (10% N; 8,0% P2O5 solúvel em CNA + água; 8,0% K2O; 0,5% Mg, 1,0% Ca; 2,0% S, 1,0% Zn; 0,5% B; 0,1% Fe; 0,1% Mo; 0,2% Cu e 0,5% Mn ) na dose de 1,0L 400L-1 calda-1 ha-1.
O cálculo da quantidade de adubos orgânicos foi feito de acordo com Furtini Neto et al. (2001), conhecendo-se o teor de nutrientes no fertilizante orgânico sólido com base na matéria seca e o índice de conversão da forma orgânica para a forma mineral (50%). Foi calculada a quantidade de fertilizante orgânico sólido a ser aplicada para atender à demanda de 170 kg ha-1 de N (de acordo com IBD, 2006) para culturas perenes, respeitando-se o número máximo de animais permitidos na fazenda por hectare, referente à deposição de
TABELA 1. Detalhamento dos tratamentos que caracterizam o manejo orgânico e convencional do cafeeiro. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Tratamentos de manejo orgânico Descrição
1. Esterco bovino (EB) + palha de café (PC)
(EB) 8,5 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta
2. Cama de aviário (CA) + palha de café (PC) (CA) 4,2 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta-1
3. Farelo de mamona (FM) + palha de café (PC)
(FM) 2,0 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta-1
4. Esterco bovino
(EB) 8,5 kg planta-1
5. Cama de aviário (CA) 4,2 kg planta-1
6. Farelo de mamona
(FM) 2,0 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta-1
7. EB + PC + adubação verde (AV)
(EB) 8,5 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta-1 e (AV) feijão-guandu (Cajanus cajan L.)
8. CA + PC + AV
(CA) 4,2 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta-1 e (AV) feijão-guandu (Cajanus cajan L.)
9. FM + PC + AV
(FM) 2,0 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta-1 e (AV) feijão-guandu (Cajanus cajan L.)
10. EB + AV
(EB) 8,5 kg planta-1; (AV) feijão-guandu
(Cajanus cajan L.)
11. CA + AV
(CA) 4,2 kg planta-1; (AV) feijão-guandu
(Cajanus cajan L.)
12. FM + AV
(FM) 2,0 kg planta-1; (AV) feijão-guandu
(Cajanus cajan L.)
13. EB + PC + moinha de carvão (MC) + sulfato duplo de K e Mg (SKMg)
(EB) 8,5 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta-1; (MC) 500 g planta-1; (SKMg) 110 g planta-1
14. FM + PC + farinha de rocha (FR)
(FM) 2,0 kg planta-1; (PC) 2,0 L planta-1 e(FR) 500 g planta
15. PC
(PC) 20 L planta-1
16. AV (AV) feijão-guandu (Cajanus cajan L.)
(AV) feijão-guandu (Cajanus cajan L.) Adubação foliar biofertilizante supermagro a 5% (3 aplicações a partir de dezembro de 2004)
Controle de plantas daninhas
roçada mecânica, enxada
Testemunha Convencional
Descrição
A dubação química em quatro parcelamentos (de novembro de 2004 a fevereiro de 2005) 300 kg N – sulfato de amônio (20% N) e 150 kg K2O – cloreto de potássio (58% K2O)
Adubação foliar
Controle de plantas daninhas
300 kg N – sulfato de amônio (20% N) e150 kg K2O – cloreto de potássio (58% K2O) Niphokam (Quimifol) (3 aplicações a partir de dezembro de 2004)
roçada mecânica, Glyphosat
FIGURA 1. Croqui representativo do delineamento látice balanceado 4×4 com cinco repetições, composto por dezesseis tratamentos que caracterizam o fatorial 3x2x2 mais quatro tratamentos adicionais, testados na área experimental localizada na Fazenda Baunilha. Lavras, MG.
dejetos, de acordo com a área total útil da propriedade. O esterco bovino foi comprado de pequenos produtores rurais e a cama de aviário de um aviário localizado no município de Lavras, MG. Somente o farelo de mamona foi adquirido de uma empresa de São Paulo. A moinha de carvão foi conseguida na UFLA, junto ao Departamento de Ciências Florestais e a palha de café utilizada foi proveniente do Setor de Cafeicultura da UFLA e da área experimental. Os complementos minerais utilizados, como, por exemplo, para fornecimento de K (sulfato duplo de K e Mg) e a farinha de rocha, foram submetidos ao processo de compostagem laminar e os macro e os micronutrientes (biofertilizante supermagro) passaram pelo processo de fermentação até atingir a sua estabilização biológica sob anaerobiose. Como a quantidade de N fornecida pelo uso de adubos orgânicos provenientes de fora da propriedade não deve ser maior que a aplicada com o uso dos adubos orgânicos produzidos dentro da propriedade, foi testado o adubo verde (C. cajan L.) nas entrelinhas do cafeeiro.
De acordo com a fórmula abaixo (Furtini Neto et al., 2001), as quantidades utilizadas dos adubos orgânicos foram: 8,5 kg de esterco bovino planta-1 totalizando 34,9 t ha-1 (35% umidade; C = 1,5% N; A = 170 kg ha-1 de N); 2,0 kg de farelo de mamona planta-1 totalizando 8,5 t ha-1 (20% umidade; C = 5%; A = 170 kg ha-1 de N) e 4,2 kg planta-1 de cama de aviário, totalizando 17,4 t ha-1 (30% umidade; C =2,8%; A = 170 kg ha-1 de N).
Em que:
X = quantidade do fertilizante orgânico sólido aplicado ou a aplicar (kg ha-1)
A = quantidade do nutriente aplicado ou a aplicar (kg ha-1)
B = teor de matéria seca do fertilizante (%) C = teor do nutriente na matéria seca (%)
D = índice de conversão para o N (50%)
A palha de café fermentada foi aplicada superficialmente na projeção da copa do cafeeiro na dose de 2,0 L planta-1 (Guimarães et al., 1999) nos tratamentos 1, 2, 3, 7, 8, 9, 13 e 14 e em todas as parcelas convencionais, após a aplicação dos adubos orgânicos (esterco bovino, cama de aviário e farelo de mamona). Esse processo é chamado compostagem laminar, pois seu objetivo é a formação de uma lâmina constituída de um adubo orgânico colocado superficialmente sobre o solo (local de adubação) e, posteriormente, aplica-se um resíduo vegetal sobre ele, para que o processo de compostagem ocorra em condições de campo. Pode-se definir compostagem laminar como a compostagem feita diretamente no local de plantio, onde incorporam-se adubos orgânicos juntamente com resíduos vegetais e ou material verde existente no local (adubos verdes ou plantas espontâneas). A grande vantagem desse processo é que não é necessária a montagem das medas, que são obrigatórias na compostagem tradicional.
Os teores de macro e micronutrientes dos diferentes insumos utilizados na adubação orgânica estão listados na Tabela 2.
O sulfato de potássio e magnésio (SUL-PO-MAG: 22% K2O, 18% MgO ou 11% Mg e 22% S), que era anteriormente comercializado no Brasil como Kmag, é o mineral langbeinita, produto natural que não passa por processos químicos de preparo e nem de extração (Borges & Souza, 2005) certificado pelo IBD. Esse produto foi testado como um aporte adicional de K para o pequeno produtor, com o objetivo de avaliar seu desempenho na produtividade da lavoura e nas propriedades químicas e microbiológicas do solo. Como o teor de K do solo antes da implantação do experimento era médio (133,6 mg dm-3), de acordo com Guimarães et al. (1999) foi utilizada a dose de 100 kg.ha-1 de K2O (110 g planta-1). A moinha de carvão foi utilizada na dose empírica de 2,0 t ha-1 (500 g planta-1).
TABELA 2. Teores de nutrientes dos diferentes insumos utilizados. UFLA, Lavras, MG, 2006.
A formulação do biofertilizante utilizada foi a do supermagro adaptado à cafeicultura orgânica, de acordo com Pedini (2000), com uma diluição de 5%.
Foram realizadas três pulverizações tratorizadas mensais (dezembro de 2004 a fevereiro de 2005). O referido biofertilizante foi preparado em uma caixa d’água de 1000 litros na quantidade de 600 litros. Foram utilizados para cada 200 litros os seguintes ingredientes: 40 kg de esterco verde e 1,0 kg de micronutrientes (sais café adicionados seis vezes a cada cinco dias) fornecidos pela Quimifol na forma farelada de nutrientes quelatizados contendo 10,0% Zn; 3,0% B; 5,0% Mg; 0,1% Mo e 7,0% S; 50 gramas de sulfato de Cu; 1,0 L de leite; 1,0 L de melaço; 2 potinhos de Yakult (produto comercial à base de leite fermentado composto por leite desnatado fermentado por Lactobacillus, utilizado com o objetivo de incrementar a atividade microbiana); 0,5 kg de calcário e 400 g de farinha de osso. Esses materiais foram fermentados anaerobicamente durante 30 dias, até atingir a sua estabilização biológica, sendo aplicados posteriormente nas parcelas orgânicas.
A adubação verde foi feita em janeiro de 2005 e, de acordo com análise de solo coletado nas entrelinhas dos cafeeiros (vinte pontos no talhão inteiro perfizeram a análise composta) antes da instalação do experimento, o pH apresentou acidez média (5,9), não havendo indicação de calagem.
O plantio do adubo verde feijão-guandu (C. cajan L.) nas parcelas orgânicas (tratamentos 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 16) foi feito com matracas nas entrelinhas dos cafeeiros em quatro linhas com espaçamento de 50,0 cm e na densidade de dez sementes por metro linear (utilizando-se 50% do espaço livre do café, de acordo com o espaçamento) segundo Chaves & Calegari (2001). O guandú permaneceu na área por três meses, sendo roçado mecanicamente em abril de 2005.
A adubação química foi idealizada de acordo com análise de solo coletada antes da implantação do experimento, quando foram coletados nove pontos em cada bloco sendo homogeneizados posteriormente para formar a amostra composta/bloco (Figura 1). A exigência de N e K para lavouras em produção foi calculada segundo Guimarães et al. (1999), visando uma produtividade de 20 a 30 sacas ha-1 para as parcelas convencionais, sendo fornecidos 300 kg ha-1 de N na forma de sulfato de amônio e 150 kg ha-1 de K2O na forma de cloreto de potássio. Os dois adubos foram previamente misturados antes de sua aplicação na projeção da copa dos cafeeiros. A adubação foi realizada em quatro parcelamentos nas seguintes datas: 05/11/04, 10/12/04, 05/01/05 e 05/02/05.
O manejo de plantas espontâneas nos tratamentos orgânicos constou do uso de roçadora mecânica periodicamente, de acordo com o período crítico de competição para a cultura do cafeeiro. Nas parcelas convencionais, foi utilizado um manejo integrado (uso de roçadora mecânica a cada 30 a 45 dias e uma aplicação de controle químico com herbicida sistêmico – Glyphosate na dosagem de 1,5 L 150 L-1 calda-1, aplicada com um pulverizador acoplado ao trator).
Métodos de amostragem e análises laboratoriais
As amostragens para as análises químicas do solo foram realizadas em junho de 2005 e a amostragem microbiológica do solo foi feita no verão (março de 2005). O solo foi amostrado na profundidade de 0 a 20 cm, para determinação da fertilidade. A análise foliar foi feita após secagem das folhas e determinação de sua massa seca, no Laboratório do Departamento de Química da UFLA.
Produtividade
Para a determinação da produtividade, foi avaliada a produção das dezesseis plantas úteis de cada parcela experimental. A quantidade de café medida de cada parcela útil foi seca em terreiro de lama asfáltica e beneficiada. O café beneficiado foi convertido em produção de sacas de 60 kg ha-1.
Fertilidade do solo
As amostragens de fertilidade de solo foram feitas com tradagem na projeção da copa do cafeeiro, nas cem parcelas (na área central das dezesseis plantas úteis) para cada profundidade. As amostras simples, constituídas de seis pontos (separados por profundidade), foram homogeneizadas, sendo retirada uma amostra para cada profundidade, com cerca de 0,3 kg de material de solo, que foi acondicionada em saco plástico devidamente etiquetado.
As análises químicas foram: pH, acidez potencial (H + Al), alumínio trocável (Al+3), bases trocáveis (Ca+2 e Mg +2), potássio disponível (K+), fósforo disponível (P), enxofre (S), micronutrientes (boro, cobre, ferro, manganês e zinco), CTC efetiva, CTC a pH 7,0, soma de bases (S), saturação de bases (V), saturação de alumínio (m) e carbono do solo (C).
As amostras de material de solo foram analisadas no Laboratório de Fertilidade do Solo do Departamento de Ciência do Solo da UFLA, conforme metodologia descrita a seguir: pH em H2O na relação 1:2,5 (solo:água), de acordo com o método proposto por McLean (1982). O alumínio trocável foi extraído com KCl 1N e analisado por titulometria com NaOH 0,025N (Barnhisel & Bertsch, 1982). As bases trocáveis foram extraídas com KCl 1N e determinadas por titulometria com EDTA 0,025N (Lanyon & Heald, 1982). O fósforo e o potássio disponíveis foram obtidos com a solução extratora Mehlich I (HCl 0,05N + H2SO4 0,025N) e analisados por colorimetria e fotometria de chama, respectivamente (EMBRAPA, 1979). O enxofre foi determinado por turbidimetria (Blanchar et al., 1965). O teor de carbono do solo foi determinado segundo metodologia descrita por Defelipo & Ribeiro (1981). O teor de boro disponível foi determinado por extração com água quente e analisado por fotocolorimetria (Reisenauer et al., 1973). Os demais micronutrientes foram extraídos por meio de solução de agentes complexantes, DTPA (ácido dietilenotriaminopentacético) (Raij et al., 1987). Os valores de CTC efetiva e CTC a pH 7,0 foram obtidos de maneira indireta por meio dos valores de acidez potencial, bases trocáveis e alumínio trocável (Vettori, 1969). Os demais índices, soma de bases (S), saturação de bases (V) e saturação de alumínio (m) foram determinados segundo Guimarães et al. (1999).
Microbiologia do solo
As amostras referentes aos parâmetros microbiológicos do solo (biomassa microbiana e esporos no solo) foram coletadas na projeção da copa do cafeeiro (5 x 5 x 5 cm3), na área central das dezesseis plantas úteis. As amostras de solo coletadas foram acondicionadas em sacos plásticos e colocadas em caixas de isopor com gelo, até chegarem ao Departamento de Agricultura, onde foram conservadas à temperatura de cerca de 5oC, até serem processadas. A temperatura foi mantida utilizando geladeira comercial em condições de laboratório.
Os esporos do solo foram extraídos pelo método da peneiragem via úmida (Gerdemann & Nicolson, 1963), em uma amostra de 50ml de solo separados de fragmentos por centrifugação em água a 3.000 rpm, durante 3 minutos e em sacarose 45%, a 2.000 rpm por 2 minutos. Após extração, os esporos foram transferidos para placas e contados com o auxílio de microscópio estereoscópico (40 vezes). Para a caracterização e a identificação das espécies, os esporos foram transferidos para lâminas microscópicas montadas em lactofenol e cada lâmina foi observada em microscópio composto com aumento entre 400 e 1000 vezes. A classificação taxonômica foi realizada segundo as descrições originais (Schenck & Perez, 1987).
A biomassa microbiana foi estimada pelo método da fumigação-extração descrito por Dias Júnior (1996) e proposto por Vance et al., (1987), apresentando como princípio básico a extração do C microbiano após a morte dos microrganismos e lise celular pelo ataque do clorofórmio e liberação dos constituintes celulares, os quais são degradados por autólise enzimática e transformados em componentes orgânicos extraíveis (Joergensen, 1995).
Análises estatísticas
Para os dados relativos às variáveis da análise foliar, da fertilidade e da microbiologia do solo, utilizou-se delineamento látice balanceado 4×4 com cinco repetições, em esquema fatorial (3x2x2) totalizando 12 tratamentos mais 4 tratamentos adicionais (Tabela 1). Os fatores utilizados foram: 3 tipos de adubos orgânicos (esterco bovino, EB; cama de aviário, CA e farelo de mamona, FM), com e sem palha de café fermentada em cobertura e com e sem adubo verde (Cajanus cajan L.) nas entrelinhas do cafeeiro. Os 4 tratamentos adicionais foram: o esterco bovino + palha de café + munha de carvão + sulfato de K e Mg; o farelo de mamona + palha de café + farinha de rocha; a palha de café fermentada e adubação verde (C. cajan L.). Como testemunha, foram utilizadas vinte repetições não incluídas no delineamento experimental, localizadas em área contígua à área experimental. Como forma de isolamento, foram utilizadas quatro linhas de cafeeiros, perfazendo uma distância de 20,0 m entre os blocos de tratamentos de manejo orgânico e a testemunha, visando evitar qualquer efeito proveniente do manejo convencional como, por exemplo, deriva de agroquímicos.
O plano experimental foi obtido em Cohran & Cox (1957) (Figura 1). Os efeitos do adubo orgânico, da palha de café e do adubo verde e suas respectivas interações foram estimados e testados, utilizando-se os desdobramentos apropriados. As variáveis (teores de nutrientes foliares, produtividade, fertilidade do solo de 0 a 20 cm e biomassa microbiana) foram submetidas ao teste de Tukey, a 5%.
Os dados foram submetidos à análise de variância utilizando o programa SAS. A testemunha foi comparada com cada um dos 16 tratamentos de manejo orgânico por meio do teste t com proteção de Bonferroni (Johnson & Wichern, 1998), com a ajuda do programa SISVAR para Windows versão 4.6 (Ferreira, 2000). Também foram realizados contrastes entre os tratamentos adicionais e os tratamentos fatoriais por meio da opção “constrast” do proc GLM.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização da fertilidade do solo na camada superficial antes da implantação do experimento
Os resultados da análise de solo coletada em julho de 2004, proveniente da lavoura cafeeira experimental, indicam uma acidez média (5,64); um V% médio (47,0 %) que quase se aproximou da faixa adequada para o cafeeiro (50% a 60%) e um teor alto de Al3+ (1,26 cmolc dm-3), de acordo com Guimarães et al. (1999) (Tabela 3). Optou-se pela não realização da prática da calagem, visando avaliar os efeitos dos manejos orgânico e convencional do cafeeiro nas referidas variáveis, após um ano de transição agroecológica da lavoura.
Vale salientar que o solo da lavoura cafeeira experimental apresentou uma boa reserva de nutrientes, devido ao seis anos anteriormente cultivados sob manejo convencional. A fertilidade do solo foi caracterizada por uma CTC efetiva (t) média (4,18 cmolc dm-3), teores altos de P remanescente (8,5 mg L-1), K (133,6 mg dm-3) e Ca2+ (2,8 cmolc dm-3) e teores médios para o Mg2+ (0,78 cmolc dm-3) e para a matéria orgânica (24,0 g kg-1). Os altos teores de P e K encontrados no solo, provavelmente são referentes ao uso de superfosfato simples e cloreto de potássio, e os teores alto de Ca2+ e médio de Mg2+ são provenientes da prática da calagem realizada desde a implantação da lavoura cafeeira convencional. O teor de S registrado foi muito alto (24,0 mg dm-3) e pode ser relacionado com o uso do sulfato de amônio como fonte de N e do superfosfato simples como fonte de P.
Em relação aos teores de micronutrientes no solo, o B (0,7 mg dm-3), Cu (3,2 mg dm-3), Fe (49,0 mg dm-3) e Mn (27,0 mg dm-3) apresentaram teores altos e o Zn (2,24 mg dm-3) um teor médio. Esses valores, possivelmente, estão associados ao uso da palha de café fermentada anualmente na lavoura cafeeira,
TABELA 3. Resultado da análise do solo na profundidade de 0 a 20 cm, antes da implantação do experimento (média dos cinco blocos). Interpretação de acordo com Guimarães et al. (1999). UFLA. Lavras, MG, 2006.
P, K, Fe, Zn, Mn e Cu, extrator Melich 1; Ca, Mg e Al, extrator KCl 1N; H + Al, extrator SMP; B, extrator água quente; S, extrator fosfato monocálcico em ácido acético; SB, soma de bases; CTC (t), capacidade de troca catiônica efetiva; CTC (T), capacidade de troca catiônica a pH 7,0; V, índice de saturação de bases; m, índice de saturação de alumínio; matéria orgânica (MO), oxidação Na2Cr2O7 4N + H2SO4 10N.
aplicada superficialmente na projeção da copa dos cafeeiros, o que concorre para a disponibilização de micronutrientes via mineralização da matéria orgânica.
Outras fontes sólidas de micronutrientes, bem como o manejo integrado das plantas daninhas presentes nas entrelinhas do cafeeiro, podem ter concorrido para alcançar os bons teores de micronutrientes na camada superficial do solo da área experimental.
É preciso ressaltar que a caracterização da fertilidade do solo (0 a 20 cm) anterior à instalação do experimento na lavoura cafeeira experimental indica uma influência direta das reservas de nutrientes do Latossolo Vermelho distroférrico, nos resultados registrados para os atributos químicos do solo e para a produtividade dos tratamentos de manejo orgânico e da testemunha convencional. Fica evidente, assim, que as reservas de macro e micronutrientes do solo, provenientes de seis anos de manejo convencional, contribuíram diretamente para a obtenção dos altos índices de produtividade relatados para os tratamentos de manejo orgânico neste trabalho, avaliados após o primeiro ano de transição agroecológica da lavoura cafeeira.
Fertilidade do solo na camada superficial após o primeiro ano de transição agroecológica da lavoura cafeeira
Os efeitos do adubo orgânico (A), da palha de café (CP) e do adubo verde (AV) e de suas respectivas interações (A x AV; A x PC; AV x PC; A x AV x PC) na fertilidade do solo foram apresentados por meio do resumo das análises de variância contidos nos Anexos 1 a 4. Para proceder à comparação entre os dezesseis tratamentos de manejo orgânico, as médias obtidas dos efeitos dos adubos orgânicos, quando significativos, foram representadas nas Figuras 2 a 4. Os efeitos significativos da palha de café e do adubo verde e de suas respectivas interações foram apresentados na discussão. Os resultados da comparação de cada um dos dezesseis tratamentos de manejo orgânico versus a testemunha convencional foram apresentados nas Tabelas 4, 5, 7 e 8, de acordo com o teste de t com proteção de Bonferroni. O referido teste quando significativo detectou os tratamentos de manejo orgânico que foram diferentes da testemunha.
As variáveis de acidez do solo (pH em H2O, Al3+e H + Al) provenientes de amostras de solo coletadas após a colheita do café não registraram resultados significativos entre os dezesseis tratamentos de manejo orgânico (Anexo 1).
Todos os tratamentos de manejo orgânico e a testemunha apresentaram acidez média (5,1 a 6,0), entretanto, foram detectadas diferenças entre eles, de acordo com classificação agronômica para a acidez ativa do solo, conforme Guimarães et al. (1999). Os valores de pH foram baixos (5,1 a 5,4) na maioria dos tratamentos de manejo orgânico (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 15).
Os tratamentos 12, 14, 16 e a testemunha registraram valores adequados de pH (5,5 a 6,0). Os tratamentos 5, 6, 7, 8, 11, 12, 14 e 16 foram estatisticamente iguais à testemunha (Tabela 4). Theodoro (2001) citou, em sistemas de produção de café orgânico, o efeito das adubações orgânica e verde nos aumentos no pH do solo e, conseqüentemente, diminuição dos teores tóxicos de alumínio. Para a acidez trocável (Al3+) os tratamentos 2 e 15 apresentaram valores dentro da faixa de teores médios (0,51 a 1,0 cmolc dm-3) (Guimarães et al., 1999). A maioria dos tratamentos de manejo orgânico (1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16) registrou um teor baixo (0,21 a 0,5 cmolc dm-3) e foi igual estatisticamente à testemunha com um teor muito baixo (≤0,2 cmolc dm-3). Como o solo, antes da implantação do experimento, apresentou um teor muito alto de Al3+ (1,26 cmolc dm-3) (Tabela 3), pode-se inferir que os manejos orgânico e convencional testados contribuíram para a diminuição da acidez trocável na camada superficial do solo.
TABELA 4 – Valores das variáveis pH em água; Al3+; acidez potencial: H+Al e t (CTC efetiva) em cmolc dm-3 na camada de 0-20 cm, em função da comparação entre cada tratamento de manejo orgânico com a testemunha. UFLA. Lavras, MG, 2006.
* Valores seguidos da mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. (Trat.) 16 tratamentos de manejo orgânico. Tipo do adubo orgânico, (AO): esterco bovino; EB; cama de aviário, CA; farelo de mamona, FM; palha de café, PC e adubo verde, AV. (Test.) Testemunha – manejo convencional.
A redução da toxidez de Al, após a aplicação de resíduos vegetais e esterco de animais, ocorre por dois processos químicos: hidrólise devido ao aumento do pH e complexação por ácidos orgânicos (Franchini et al., 1999; Hue & Licudine, 1999; Theodoro et al., 2003b). A acidez potencial (H + Al) registrou teores altos nos tratamentos de manejo orgânico 1, 2, 3, 4, 6, 8, 9, 10, 13, 14 e 15 (5,01 a 9,0 cmolc dm-3) (Guimarães et al., 1999) e na testemunha, um valor de 3,5 cmolc dm-3 (teor médio), que foi estatisticamente igual aos tratamentos 5, 7, 8, 11, 12, 14 e 16 (Tabela 4). Esses resultados podem ser atribuídos ao período de um ano de coleta de dados, que foi insuficiente para detectar diferenças estatisticamente significativas nas variáveis de acidez do solo, geradas pelos manejos orgânico e convencional. Outro fator que pode ter afetado os resultados obtidos foi a existência de um gradiente de fertilidade do solo na área experimental, notadamente do bloco I ao bloco V (Figura 1), que se encontrava na parte inferior do terreno levemente inclinado e, portanto, com uma maior fertilidade. Provavelmente, os resultados da testemunha convencional podem ter sido favorecidos pela localização do bloco V, na parte inferior do talhão cafeeiro.
A CTC efetiva do solo (t) não registrou significância entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 1), no entanto, quando estes foram comparados com a testemunha, os tratamentos 2, 5, 10, 14 e 16 foram estatisticamente iguais a esta (Tabela 4). Todos os tratamentos e a testemunha apresentaram teores médios (2,31 a 4,6 cmolc dm-3) (Guimarães et al., 1999), indicando a manutenção do teor médio da CTC efetiva do solo (4,18 cmolc dm-3) em comparação com a análise antes da implantação do experimento
(Tabela 3).Os teores de P do solo deste trabalho serão discutidos com base nos resultados do P remanescente (PREM), devido à possibilidade dos resultados provenientes do extrator Melich superestimar seus teores, de acordo com sugestões de Theodoro et al. (2003c). Os teores de PREM situaram-se no intervalo de 10,0 a 14,25 mg L-1, não apresentando diferenças significativas entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 2). Quando comparados com a testemunha, os tratamentos 5, 7, 8, 9, 11 e 16 foram similares a esta (Tabela 5).
Todos os tratamentos e a testemunha registraram teores de baixos a muito baixos, de acordo com Guimarães et al. (1999). Esse fato permitiu inferir que ocorreu influência direta das reservas do solo provenientes do manejo convencional, desde a implantação da lavoura, sobre os resultados encontrados nesse trabalho para o P no solo. Essa constatação é reforçada pelo teor médio encontrado para o PREM (8,5 mg dm-3) antes da instalação do experimento (Tabela 3) e pelo fato de não ter sido aplicada nenhuma fonte de adubação mineral fosfatada nos tratamentos de manejo orgânico, bem como na testemunha convencional. No entanto, houve diferença estatística para a interação (AV x PC) (Anexo 2) indicando uma maior disponibilidade de P no solo nos tratamentos 7, 8 e 9 de manejo orgânico que utilizaram a adubação verde em conjunto com a palha de café, apresentando um teor médio de P de 12,24 mg dm-3 (0,38 mg dm-3 de P maior), em relação aos tratamentos 10, 11, 12 e 16 que utilizaram somente a adubação verde e registraram um teor médio de P de 11,86 mg dm-3 (Tabela 05). Possivelmente, a adubação verde influenciou a disponibilidade de P por meio do aumento da mineralização do P orgânico, fato que foi comprovado por Randhawa et al. (2005).
Ngachie (1996) constatou aumento no teor de fósforo em solos ácidos por meio da adição de palha de café. Não se descarta também a contribuição da roçada das plantas daninhas nas entrelinhas do cafeeiro nos teores de P em todos os tratamentos de manejo orgânico e na testemunha. A liberação de P, após a decomposição de resíduos vegetais formados pelo “mulch” de gramíneas, foi relatada por Pavan et al. (1986). Theodoro et al. (2003b) observaram altos teores de P em sistemas de produção de café orgânico após cinco anos de manejo, relacionados ao seu suprimento via adubação orgânica e matéria orgânica do solo. Devido à baixa mobilidade deste elemento no solo, à sua forma de aplicação localizada nos pontos de amostragem e a existência de reservas no solo provenientes do manejo anterior, a eficiência dos adubos orgânicos no fornecimento de P poderá ser mais bem avaliada por meio dos resultados das análises foliares.
TABELA 5 – Valores de PREM (P remanescente) (mg L-1); K e Mg (cmolc dm3) na camada de 0 a 20 cm, em função da comparação entre cada tratamento de manejo orgânico com a testemunha. UFLA, Lavras, MG, 2006.
* Valores seguidos da mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. (Trat.) 16 tratamentos de manejo orgânico. Tipo do adubo orgânico, (AO): esterco bovino; EB; cama de aviário, CA; farelo de mamona, FM; palha de café, PC e adubo verde, AV. (Test.) Testemunha – manejo convencional.
Os valores encontrados para o K no solo, nos diferentes tratamentos de manejo orgânico e na testemunha, encontram-se na Tabela 5. O Anexo 2 indica efeito significativo dos tratamentos sobre o teor de K, em que os tratamentos de manejo orgânico apresentaram diferenças marcantes em relação ao adubo utilizado (Tabela 6). Os adubos orgânicos mais eficientes na disponibilização de K foram a cama de aviário dos tratamentos 2, 5, 8 e 11, apresentando um teor médio de 212,2 mg dm-3 e os tratamentos 1, 4, 7, 10 e 13 com esterco bovino (teor médio de 195,9 mg dm-3), seguidos pelos tratamentos 3, 6, 9, 12 e 14 com farelo de mamona (151,48 mg dm-3) (Figura 2). Os teores de K no solo encontrados nos tratamentos de manejo orgânico foram classificados como teores altos (120 a 200 mg dm-3) a muito altos (maior que 200 mg dm-3) e somente o tratamento 6 e a testemunha apresentaram um teor médio (60 a 120 mg dm-3) (Guimarães et al., 1999). Houve também significância para a interação A x AV, em que o uso do farelo de mamona e da adubação verde nos tratamentos 9 e 12 (com um teor médio de 170,2 mg dm-3) concorreu para um incremento na disponibilidade média de K de 37,28 mg dm-3 em relação aos tratamentos 3 e 6 (com um teor médio de 132,92 mg dm-3) (Tabela 5). O tratamento 13 foi superior ao tratamento 14, apresentando um teor muito alto de K (230,54 mg dm-3) em relação a um teor alto do tratamento 14 (151,16 mg dm-3), devido ao uso do sulfato duplo de K e Mg.
TABELA 6 – Valores médios do K, S e B do solo (mg dm-3) na camada de 0 a 20 cm em lavoura cafeeira no primeiro ano de transição agroecológica, relativos aos diferentes adubos orgânicos testados. UFLA, Lavras, MG, 2006.
* Valores precedidos da mesma letra minúscula na linha não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. Farelo de mamona, FM; esterco bovino, EB e cama de aviário, CA.
FIGURA 2 – Teores de potássio [K – mg dm-3] na camada de 0 a 20 cm do solo em função dos adubos orgânicos utilizados nos tratamentos de manejo orgânico. Farelo de mamona, FM; Esterco bovino, EB e cama de aviário, CA. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Não foi verificado efeito entre os tratamentos de manejo orgânico no teor de Mg do solo (Anexo 2), detectando-se um teor baixo no tratamento 2 e no restante dos tratamentos e na testemunha, teores médios (0,46 a 0,90 cmolc dm-3). Todos os tratamentos de manejo orgânico apresentaram uma média geral de 0,63 cmolc dm-3 e foram semelhantes à testemunha
(Tabela 5). No entanto, foi significativa a interação A x AV para o uso do esterco bovino, em conjunto com a adubação verde nos tratamentos 7 e 10 (com um teor médio de Mg de 0,79 cmolc dm-3), aumentando o teor de Mg no solo em 0,33 cmolc dm-3 em relação aos tratamentos 1 e 4 com esterco bovino e sem a adubação verde (com um teor médio de Mg de 0,46 cmolc dm-3) (Tabela 5). Em relação ao teor de C orgânico do solo (CORG), somente o contraste entre o tratamento 13 x 14 (Anexo 03) indicou superioridade do tratamento 13, apresentando um teor de CORG de 20,6 g kg-1 em relação ao tratamento 14 (16,4 g kg-1). Provavelmente, o efeito diferencial desse tratamento no teor de CORG está na presença de compostos orgânicos mais facilmente degradáveis no esterco curtido e de sua baixa relação C/N, os quais proporcionaram melhores condições para a atividade microbiana, acelerando os processos de mineralização da matéria orgânica do solo.
Quando comparam-se os tratamentos de manejo orgânico com a testemunha na Tabela 7, nota-se que os tratamentos 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 são similares a ela. Neste trabalho, não foi detectado o efeito da adição da palha de café em cobertura e da adubação verde no incremento do teor de C orgânico do solo após o primeiro ano de transição agroecológica, mas a importância do “mulch” de resíduos vegetais no manejo da matéria orgânica foi relatada por Medcalf (1956); Ayanaba (1982); Pavan et al., (1986); Miyazawa et al. (2000).
Na camada arável do solo, de forma similar ao nitrogênio, mais de 90% do enxofre total está na forma orgânica, portanto, os resultados significativos obtidos para esse elemento neste trabalho, fortalecem o importante papel da mineralização da matéria orgânica na sua disponibilização. Houve efeito significativo para os adubos orgânicos utilizados entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 3, Tabela 6). As melhores fontes de S para o cafeeiro foram os tratamentos 1, 4, 7, 10 e 13 com esterco bovino que apresentaram, em média, um teor de S de 63,0 mg dm-3 e os tratamentos 3, 6, 9, 12 e 14 com farelo de mamona (53,5 mg dm-3), seguidos pelos tratamentos 2, 5, 8 e 11 com cama de
TABELA 7 – Valores das variáveis S, enxofre (mg dm-3); Ca (cmolc dm-3); CORG, C orgânico (g kg-1) e SB, soma de bases (cmolc dm-3) na camada de 0-20 cm, em função da comparação entre cada tratamento de manejo orgânico com a testemunha. UFLA, Lavras, MG, 2006.
*Valores seguidos da mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. (Trat.) 16 tratamentos de manejo orgânico. Tipo do adubo orgânico, (AO): esterco bovino; EB; cama de aviário, CA; farelo de mamona, FM; palha de café, PC e adubo verde, AV. (Test.) Testemunha – manejo convencional.
aviário (51,7 mg dm-3) (Figura 3). A grande maioria dos tratamentos de manejo orgânico testados (1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15 e 16) foi similar à testemunha (Tabela 7), provavelmente, devido a uma boa reserva de S (24,0 mg dm-3) presente no solo antes da instalação do experimento (Tabela 3). As adubações nitrogenadas aplicadas na forma de sulfato de amônio, que contém aproximadamente 23,0% de enxofre, contribuíram para o alto teor de S encontrado na testemunha.
FIGURA 03 – Teores de enxofre [S – mg dm-3] na camada de 0 a 20 cm do solo em função dos adubos orgânicos utilizados nos tratamentos de manejo orgânico. Farelo de mamona, FM; Esterco bovino, EB e cama de aviário, CA. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
A soma de bases não apresentou diferença estatística entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 3) e foi observado que todos os tratamentos registraram teores médios (1,81 a 3,6 cmolc dm-3). Somente a testemunha apresentou um teor alto (3,61 a 6,0 cmolc dm-3) (Guimarães et al., 1999) (Tabela 7). Nota-se, de maneira geral, que as três fontes de adubo orgânico testadas (FM, EB e CA) foram eficientes no fornecimento de Ca+2, Mg+2 e K+, pois todos os tratamentos de manejo orgânico mantiveram um teor médio de SB no solo, de acordo com a análise realizada antes da implantação do experimento que detectou um teor alto (3,92 cmolc dm-3). A adubação mineral concorreu para a obtenção de um teor alto de SB na testemunha, aliada as
reservas de Ca e Mg presentes no agroecossistema. Teores muito altos de soma de bases foram relatados por Theodoro (2001) em sistemas de produção de café orgânico após cinco anos de manejo, relacionados ao aumento do pH e dos teores de Ca+2, Mg+2 e K+, além da redução do Al+3 na camada superficial do solo, gerados, provavelmente, pela aplicação de matéria orgânica na forma de composto, esterco de galinha, húmus e chorume de suíno.
O comportamento dos micronutrientes (B, Zn e Mn) provenientes da grande maioria dos tratamentos de manejo orgânico, apresentou, de maneira geral, semelhanças quando comparados com a testemunha (Tabela 8) e poucas diferenças foram detectadas em relação às interações testadas entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 4).
Em relação ao Zn no solo, não houve diferença significativa (Anexo 4) entre os tratamentos de manejo orgânico. Quando comparados com a testemunha, a grande maioria dos tratamentos de manejo orgânico foi semelhante à esta (Tabela 08). No entanto, de acordo com Guimarães et al. (1999), foram detectadas nuances entre os tratamentos de manejo orgânico (3, 9, 11 e 16) que apresentaram teores altos (maiores que 6,0 mg dm-3) e bons (4,1 a 6,0 mg dm-3). O restante dos tratamentos (1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 15) e a testemunha registraram teores de médios (2,0 a 4,0 mg dm-3) a baixos (menor que 2,0 mg dm-3).
Os adubos orgânicos apresentaram efeitos diferenciados em relação ao fornecimento de B para o solo, em que as melhores fontes foram os tratamentos 2, 5, 8 e 11 com cama de aviário (teor médio de B de 0,50 mg dm-3) e os tratamentos 1, 4, 7, 10 e 13 com esterco bovino (0,44 mg dm-3), seguidos pelos tratamentos 3, 6, 9, 12 e 14 com farelo de mamona (0,41 mg dm-3) (Tabela 8, Figura 4). O tratamento 5 de manejo orgânico registrou um teor alto de B no solo (maior que 0,6 mg dm-3), enquanto que grande parte dos tratamentos
TABELA 8 – Valores das variáveis B, Zn, Cu, e Mn (mg dm-3) na camada de 0- 20 cm, em função da comparação entre cada tratamento de manejo orgânico com a testemunha. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Valores seguidos da mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. (Trat.) 16 tratamentos de manejo orgânico. Tipo do adubo orgânico, (AO): esterco bovino; EB; cama de aviário, CA; farelo de mamona, FM; palha de café, PC e adubo verde, AV. (Test.) Testemunha – manejo convencional.
apresentou teores bons (0,41 a 0,6 mg dm-3) (Guimarães et al., 1999) e a testemunha mais os tratamentos 9 e 10 apresentaram um teor médio (0,21 a 0,40 mg dm-3) (Tabela 8). Quando comparados com a testemunha, a grande maioria dos tratamentos de manejo orgânico (1, 2, 3, 4, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14) foi similar a esta. Provavelmente, o alto teor de B no solo (Tabela 3) detectado antes da instalação do experimento, concorreu para a obtenção dos resultados semelhantes entre a testemunha e os tratamentos de manejo orgânico.
FIGURA 04 – Teores de boro [B – mg dm-3] na camada de 0-20 cm do solo em função dos adubos orgânicos utilizados nos tratamentos de manejo orgânico. Farelo de mamona, FM; Esterco bovino, EB e cama de aviário, CA. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Os resultados obtidos para o Cu no solo evidenciam que não houve diferença significativa entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 4).
Todos os teores encontrados nos tratamentos e na testemunha foram classificados como altos (maiores que 1,5 mg dm-3). Todos os tratamentos de manejo orgânico, exceto o tratamento 1 foram estatisticamente iguais a testemunha (Tabela 8). Possivelmente, o teor médio de Zn e o teor alto B no solo (Tabela 3) detectados antes da instalação do experimento concorreram para a obtenção dos resultados semelhantes entre a testemunha e os tratamentos de manejo orgânico. Mesmo assim, os resultados encontrados para os micronutrientes neste trabalho confirmam a importância da adubação orgânica no incremento de sua disponibilidade e concordam com os resultados obtidos por Theodoro (2001).
Atividade microbiana do solo
Biomassa microbiana
A variável biomassa microbiana foi avaliada como um índice de aferição da sustentabilidade dos manejos orgânico e convencional do cafeeiro. Entretanto, os resultados da tabela do Anexo 5 indicam que não foi detectado efeito significativo para a biomassa microbiana entre os tratamentos de manejo orgânico e nem quando estes foram comparados com a testemunha (Tabela 9). O valor médio de amostras coletadas no verão para a biomassa microbiana em todos os tratamentos de manejo orgânico foi de 247,0 gC g solo-1, tendo Theodoro (2001) registrado para o sistema de produção de café orgânico, o valor de 548,29 gC g solo-1, e para o café convencional 464,84 gC g solo-1, no mesmo período. Porém, as amostras foram coletadas na profundidade de 0 a 20 cm. Aquino et al. (1998) citados por Theodoro (2001), realizaram estudos preliminares sobre a biomassa microbiana do solo durante o período de transição de café sob manejo convencional para orgânico. A biomassa microbiana a partir de amostras de solo obtidas de 0 a 5 cm de profundidade e coletadas em quatro épocas diferentes variou de 38 a 168 ugC g solo-1 no manejo orgânico e de 51 a 122 ugC g solo-1 no manejo convencional. Por outro lado, Cunha et al. (2005) relataram maiores valores da biomassa e da respiração basal do solo para sistemas orgânicos de produção de café em comparação com sistemas convencionais. O cultivo de leguminosas de verão (mucuna-anã e amendoimcavalo) nas entrelinhas do cafeeiro convencional estimulou a biomassa microbiana (Colozzi Filho et al., 2000).
A grande variação de resultados da biomassa microbiana pode ser explicada pelo fato da atividade microbiana depender da disponibilidade de matéria orgânica, aeração, umidade, temperatura, estrutura, textura, nutrientes,
TABELA 9 – Teores de C microbiano (gC g solo-1), C orgânico total (g kg-1) e da relação C microbiano/Corgânico (%) em lavoura cafeeira no primeiro ano de transição agroecológica. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Valores seguidos da mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta,estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. [Tratamentos]: 16tratamentos de manejo orgânico. [Testemunha] – manejo convencional.
pH e presença de microrganismos parasitas e antagonistas no solo. No entanto, a biomassa microbiana poderá aumentar rapidamente, ainda que os níveis de C orgânico permaneçam inalterados, quando da adição de matéria orgânica de boa qualidade (Wardle, 1992). Como a biomassa microbiana é influenciada pelo teor de argila do solo, por meio do aumento da adsorção de compostos orgânicos e nutrientes (Smith & Paul, 1990), os resultados obtidos neste trabalho podem ter sofrido essa influência, por causa do elevado teor de argila do solo (770 g dm-3), que pode ter induzido uma maior imobilização do C e N pela biomassa microbiana. A porcentagem de Cmicrobiano em relação aos valores médios de Corgânico variaram de 0,75, no tratamento 2 a até 1,61, no tratamento 12, não estando de acordo com a porcentagem proposta por Jenkinson & Ladd (1981), que consideram normal que de 1% a 4% do carbono total do solo corresponda ao componente microbiano. A maioria dos tratamentos de manejo orgânico apresentou uma porcentagem dentro da normalidade, registrando uma média geral de 1,24;em comparação com a testemunha com 1,33. Segundo Anderson & Domsch (1989), a relação Cmicrobiano/Corgânico pode indicar se um solo está no estado de equilíbrio, perda ou acumulação de C. Pelos valores obtidos neste estudo, percebe-se que o Latossolo Vermelho distroférrico da lavoura cafeeira experimental não se encontra em equilíbrio ecológico, devido aos baixos valores encontrados para a biomassa microbiana, C orgânico total e para a relação Cmicrobiano/Corgânico. Possivelmente esse desequilíbrio ecológico foi gerado por perturbações sofridas devido ao manejo da lavoura cafeeira anterior à instalação do experimento, caracterizado por uma baixa entrada de matéria orgânica no agroecossistema. O período de avaliação de um ano foi insuficiente para detectar diferenças significativas entre os manejos orgânico e convencional do cafeeiro nas variáveis estudadas.
Fungos micorrízicos arbusculares (FMA)
Em geral, os gêneros Acaulospora e Glomus apresentaram maior número de espécies, 6, seguidos pelos gêneros Entrophospora, 1, Scutellospora, 1 e Gigaspora, 1 (Tabela 10). As espécies Acaulospora scrobiculata e Entrophospora colombiana representaram 72,5% da abundância total entre os tratamentos e a testemunha A maioria dos fungos identificados na área experimental não foi de ocorrência comum entre os tratamentos de manejo orgânico e a testemunha. As espécies diferiram muito quanto à porcentagem de ocorrência, tendo, em todos os tratamentos de manejo orgânico, sido encontradas nove espécies de FMA no cafeeiro e duas espécies na testemunha convencional. As espécies Acaulospora scrobiculata, Entrophospora colombiana, Glomus daiphanum e Gigaspora sp. apresentaram maior predominância nos tratamentos de manejo orgânico e, na testemunha, foi verificada maior predominância de E. colombiana, seguida por A. scrobiculata. Portanto, foi encontrada, nos tratamentos orgânicos, uma maior diversidade biológica das populações de FMA em relação à testemunha. Como a espécie A. scrobiculata apresenta elevada adaptabilidade ao manejo orgânico do cafeeiro (Theodoro, 2001), ela ocorreu com maior predominância nos tratamentos de manejo orgânico (Tabela 10). Theodoro et al. (2003a) relataram a predominância de A. scrobiculata e Glomus occultum em cafezais manejados organicamente, enquanto que, em cafezais convencionais, ocorreram mais Gigaspora sp. e Glomus sp.
As diferenças quanto aos tipos de manejo testados podem ser relacionadas com as modificações nas características químicas do solo, determinadas pelas aplicações dos adubos orgânicos (CA, EB e FM), que influenciaram os valores do pH, C orgânico, SB, K, S, B, Zn, Cu e Mn. Alguns estudos já vêm detectando a influência das adubações com fertilizantes químicos e ou orgânicos na seleção de determinadas espécies de FMA e sistemas produtivos conduzidos com práticas conservacionistas, utilizando rotação de culturas, plantas de cobertura e adubações orgânicas, têm mostrado maiores índices de diversidade e riqueza de espécies de FMA (Johnson, 1993; Douds Junior et al., 1993; Rosales & Valdéz, 1996). Outros resultados evidenciam que sistemas orgânicos produtivos apresentam maior número de esporos, potencial de inóculo, diversidade de espécies e colonização radicular do que os convencionais (Douds Júnior et al., 1993; Rosales & Váldez, 1996; Bettiol et al., 2002). De acordo com Mader et al. (2002), bactérias e fungos agem de forma diferente nos cultivos orgânicos, livres do estresse provocado pelo uso de agrotóxicos e agroquímicos, sendo FMA, em especial, mais eficazes nesses sistemas. Entretanto, sistemas de manejo orgânico e convencional apresentaram resultados não significativos para a riqueza e composição de espécies de FMA na cultura do cafeeiro (Theodoro et al., 2003a) e em citros (Focchi et al., 2004)..
TABELA 10. Número e índice médio de ocorrência de espécies de fungos micorrízicos arbusculares identificadas em todos os tratamentos de manejo orgânico e na testemunha. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Onde: T = Testemunha (manejo convencional). [N]-número de indivíduos; [S] número de espécies. I.M.O. – índice médio de ocorrência.
Teores de nutrientes foliares e produtividade da lavoura cafeeira
Os efeitos do adubo orgânico (A), da palha de café (PC) e do adubo verde (AV) e de suas respectivas interações (A x AV; A x PC; AV x PC; A x AV x PC) nos teores de nutrientes foliares e na produtividade da lavoura foram apresentados por meio do resumo das análises de variância contido nos Anexos 6 a 8. Para proceder à comparação entre os dezesseis tratamentos de manejo orgânico, as médias obtidas dos efeitos dos adubos orgânicos, quando significativos, foram representadas nas Figuras 5 a 8. Os efeitos significativos da palha de café e do adubo verde e de suas respectivas interações foram apresentados na discussão. Os resultados da comparação de cada um dos dezesseis tratamentos de manejo orgânico versus a testemunha convencional foram apresentados nas Tabelas 11, 13 e 14. A produtividade da lavoura cafeeira, após o primeiro ano de transição agroecológica, atingiu valores maiores do que os esperados que eram de 20 a 30 sacas ha-1, calculados de acordo com Guimarães et al. (1999) e Furtini Neto et al. (2001), tanto nos tratamentos de manejo orgânico (exceto no tratamento 4) como na testemunha CV (manejo convencional); o coeficiente de variação dos dados foi de 20,7%. Ressalta-se que a caracterização da fertilidade do Latossolo Vermelho distroférrico (Tabela 3) da área experimental indicou que as reservas de macro e micronutrientes do solo, provenientes de seis anos de manejo convencional, contribuíram diretamente para a obtenção dos altos índices de produtividade relatados nesse trabalho, para os tratamentos de manejo orgânico e para a testemunha. Os dezesseis tratamentos sob manejo orgânico apresentaram uma produtividade média de 37,69 sacas ha-1, não apresentando diferença significativa entre eles (Anexo 6). Entretanto, os tratamentos 3, 6, 9, 12 e 14, que utilizaram como adubo orgânico o farelo de mamona, registraram efeito significativo entre os adubos orgânicos testados, atingindo a maior produtividade média que foi de 47,38 sacas ha-1. Os tratamentos com esterco bovino apresentaram produtividade média de 35,60 sacas ha-1, enquanto que os tratamentos com cama de aviário registraram 33,99 sacas ha-1 (Figura 05). Os dados da Tabela 11 indicam que não ocorreram diferenças significativas da produtividade dos tratamentos de manejo orgânico em relação à testemunha.
FIGURA 05 – Produtividade da lavoura cafeeira no primeiro ano de transição agroecológica, em função dos adubos orgânicos utilizados nos tratamentos de manejo orgânico. Farelo de mamona, FM; Esterco bovino, EB e cama de aviário, CA. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Alguns autores relatam efeitos positivos do esterco bovino na produtividade do cafeeiro (Santinato et al., 1984; Viana et al., 1987) e também como condicionador de solo (Cervellini & Igue, 1994). Furtini Neto et al. (1995) avaliaram o efeito de diversos adubos orgânicos sobre as duas primeiras produtividades da lavoura cafeeira. O esterco bovino (8,0 kg planta-1) propiciou uma produtividade média de 6,3 sacas ha-1 (de 60 kg beneficiadas)
TABELA 11 – Valores da produtividade (saca de 60 kg beneficiada) e teores foliares de N, P e K (g kg-1) da lavoura cafeeira no primeiro ano de transição agroecológica, em função da comparação entre cada tratamento de manejo orgânico com a testemunha. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Valores seguidos da mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. (Trat.) 16 tratamentos de manejo orgânico. Tipo do adubo orgânico, (AO): esterco bovino; EB; cama de aviário, CA; farelo de mamona, FM; palha de café, PC e adubo verde, AV. (Test.) Testemunha – manejo convencional.
torta de mamona (1,0 kg planta-1) de 5,6 sacas ha-1, a palha de café (8,0 kg planta-1) de 6,0 sacas ha-1 e a adubação verde com mucuna-preta (Mucuna aterrima) de 3,2 sacas ha-1. Assis & Romeiro (2004), estudando sistemas de produção de café orgânico provenientes de agricultores familiares, com área cultivada de café entre 1,2 a 3,5 há, relataram que a produtividade antes da transição agroecológica era de 13 a 28 sacas ha-1, durante o período de transição, foi reduzida para 10 a 18 sacas ha-1 e, após a transição, foi para 27 a 38 sacas ha-1. Um levantamento do estado nutricional e da fertilidade do solo de lavouras cafeeiras orgânicas do estado de Minas Gerais registrou uma produtividade média anual de 35 sacas ha-1 em lavouras certificadas e pertencentes à Associação de Cafeicultura Orgânica do Brasil (ACOB) (Theodoro et al., 2002).
A adubação verde apresentou efeito significativo (Anexo 6) na produtividade de café somente quando esta foi realizada na ausência de palha de café, independentemente do adubo orgânico utilizado (40,8 sacas ha-1). Os tratamentos que não utilizaram palha de café e adubação verde produziram 33,0 sacas ha-1, enquanto que a produtividade média dos tratamentos que foram submetidos à aplicação de palha de café na ausência de adubação verde foi de 41,5 sacas ha-1.
O efeito conjunto da adubação verde e a palha de café fermentada pode não ter sido detectado no primeiro ano de conversão da lavoura, devido à relação C/N da palha de café, que é de 38/1 e do guandu, que é de 29/1 (Kiehl, 1985). Materiais orgânicos com relação C/N superior a 25 apresentam imobilização temporária do N do solo (Guimarães et al., 2002), o que afeta a taxa de mineralização da matéria orgânica. Um fator que pode ter influenciado negativamente o efeito da adubação verde na fertilidade do solo e, conseqüentemente, na produtividade da lavoura, foi o plan5 e seu corte, realizado mecanicamente em abril de 2005. Esse fato pode ter suprimido o potencial de fixação biológica, tio do feijão-guandu (C. cajan L.) em janeiro de 200bem como seu crescimento para a formação de biomassa vegetal, o que concorreu para uma menor ciclagem de nutrientes.
Em função da taxa de mineralização da matéria orgânica, resultados mais satisfatórios na fertilidade do solo com reflexos diretos na produtividade podem ser conseguidos em relação aos efeitos da adubação verde e da sua interação com a aplicação de palha de café, com a antecipação da época de plantio do adubo verde para o início do período chuvoso na região Sul de Minas Gerais e o plantio periódico de espécies com diferentes hábitos de crescimento. Chaves (1999) afirmou que o feijão-guandu poderia permanecer na área por até dois anos, manejado com a realização de podas, o que permite seu cultivo em ruas alternadas, associado ao plantio de diferentes espécies de crotalárias (Crotalaria sp.). Diante dessa afirmação, evidencia-se a necessidade de estudos sobre fatores como época de plantio, época de corte e formas de manejo entre outros. O uso da adubação verde intercalada ao café (C. arabica L.) em lavouras cafeeiras é, ainda, uma prática bastante controvertida em relação à produtividade, necessitando de estudos a campo mais aprofundados e de longo prazo, pois alguns autores advertem que a adubação verde pode não beneficiar (Reis & Arruda, 1974) ou ser prejudicial (Melles et al., 1979; Reis & Arruda, 1980, Paulo et al., 2001). Outros resultados demonstram a viabilidade da adubação verde com possibilidade de reduzir o uso de N mineral com aumento da produtividade (Chaves, 2000a) e amenizar os processos de lixiviação, já que o N orgânico fixado pelo adubo verde é mineralizado lentamente no solo e o N inorgânico do fertilizante é completamente solúvel (Guimarães et al., 2002).
Segundo pesquisa do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) (Chaves, 2000b), a adubação verde, combinada com outros adubos orgânicos, proporciona maior equilíbrio à nutrição nitrogenada e reduz a incidência da doença causada por Cercospora coffeicola e a mortalidade dos ramos produtivos. A fixação biológica de N proporcionou, em um estudo com Crotalaria juncea e diferentes cultivares de café, um aporte de N superior a 200 kg ha-1, demonstrando ser a adubação verde uma alternativa para o produtor fertilizar os sistemas orgânicos (Ricci et al., 2005).
Os valores encontrados para o N foliar provenientes de amostras coletadas em março de 2005, nos tratamentos 3, 7, 8, 10, 13 e 15, encontram-se dentro da faixa adequada para o cafeeiro (29,0 a 32,0 g kg-1), tendo o restante
TABELA 12 – Valores médios dos teores foliares de N, P (g kg-1) e Cu (mg kg-1) em lavoura cafeeira no primeiro ano de transição agroecológica, relativos aos diferentes adubos orgânicos testados. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Valores precedidos da mesma letra minúscula na linha não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. FM, farelo de mamona; EB, esterco bovino e CA, cama de aviário.
FIGURA 06 – Efeito dos teores de N foliar (g kg-1) na produtividade (saca de 60 kg beneficiada) em função dos adubos orgânicos utilizados nos tratamentos de manejo orgânico. Farelo de mamona, FM; Esterco bovino, EB e cama de aviário, CA. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Os tratamentos 1, 2, 3, 5, 6, 9, 11, 12, 14 e 16 foram similares à testemunha e a média geral do teor de N dos tratamentos de manejo orgânico foi de 32,7 g kg-1, em relação a um teor de 35,1 g kg-1 da testemunha (Tabela 11).
Esses resultados evidenciam que as fontes utilizadas para adubação orgânica (FM, CA e EB), complementadas com a adubação foliar com o biofertilizante supermagro a 5%, com e sem adubação verde com feijão-guandu (que fixa entre 99 a 148 kg N ha-1 de acordo com Espíndola et al., 2005), com e sem palha de café fermentada em cobertura, são altamente eficientes no fornecimento de N ao cafeeiro em produção, apresentando aumento significativo do teor de N na parte aérea dos cafeeiros. Ricci et al. (2002) obtiveram resultados similares aos citados em sistemas orgânicos de produção de café.
É preciso salientar também que a contribuição da roçada da vegetação espontânea, em todos os tratamentos de manejo orgânico e na testemunha, é fonte de macro e micronutrientes para a lavoura e, provavelmente, esse tipo de manejo concorreu para incrementar a disponibilidade de nutrientes para a cultura. Alcântara (1997), em experimento de dezoito anos de coleta de dados, observou que o mato sempre roçado nas entrelinhas e carpido nas linhas proporcionou melhorias nas condições físicas e químicas do solo. A contribuição da própria matéria orgânica produzida pelo cafeeiro (folhas e ramos) também representa entrada de nutrientes no agroecossistema (Pavan & Chaves, 1996). Entretanto, os teores altos de N foliar e da produtividade encontrados nos tratamentos de manejo orgânico podem estar indicando que os cálculos feitos para a adubação orgânica com farelo de mamona, cama de aviário e esterco bovino, realizados de acordo com o índice de conversão para o N da forma orgânica para a forma mineral (50%), segundo Furtini Neto et al. (2001) possivelmente superestimaram a quantidade de adubo orgânico a ser aplicada (kg planta-1). Isso indica a necessidade de estudos sobre as formas de liberação dos nutrientes através da mineralização da matéria orgânica. É indispensável proceder à quantificação anual do percentual médio de disponibilização dos nutrientes, principalmente N, P e S da forma orgânica para a forma mineral, em culturas perenes adubadas com fontes sólidas de matéria orgânica.
Os teores de P foliar obtidos dos tratamentos 6, 8, 9 e 12 encontram-se dentro da faixa adequada (1,2 a 1,6 g kg-1) e o restante dos tratamentos de manejo orgânico (1, 2, 3, 4, 5, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16) mais a testemunha apresentarou teores acima desta faixa (Guimarães et al., 1999) (Tabela 11). Os tratamentos de manejo orgânico se diferenciaram estatisticamente em relação aos adubos orgânicos utilizados (Anexo 6). Os tratamentos com esterco bovino (tratamentos 7, 10, 4) foram superiores em relação aos tratamentos com farelo de mamona (6, 9, 12, 14) e com cama de aviário (2, 5, 8, 11) (Tabela 12, Figura 7).
Os cafeeiros nos quais foi aplicado o esterco bovino superficialmente receberam maior quantidade de adubo (8,5 kg planta-1) e proporcionalmente maior quantidade de matéria orgânica a ser decomposta. Portanto, após sofrer o processo de mineralização por meio da atividade da enzima fosfatase, o esterco bovino disponibilizou maior quantidade de fósforo, mesmo apresentando o menor teor de elemento (4,91 g kg1) em relação à cama de aviário (16,0 g kg1) e ao farelo de mamona (13,2 g kg1) (Tabela 2). A real contribuição da fosfatase requer estudos mais aprofundados, pois há indícios, neste trabalho, de que sua atividade pode ter sido favorecida quando se utiliza o esterco bovino.
FIGURA 7 – Efeito dos teores de P foliar (g kg-1) na produtividade (saca de 60 kg beneficiada) em função dos adubos orgânicos utilizados nos tratamentos de manejo orgânico. Farelo de mamona, FM; Esterco bovino, EB e cama de aviário, CA. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Os tratamentos de manejo orgânico 1, 2, 3, 4, 7, 10, 13, 14, 15 e 16, com um teor médio de P de 1,9 g kg-1, foram similares à testemunha, que registrou um teor de 2,0 g kg-1 (Tabela 11). Esses resultados estão relacionados às reservas de P do solo, e são provenientes das adubações anteriores recebidas pela lavoura cafeeira desde a sua implantação, já que não foi testada nenhuma fonte de fósforo de origem mineral nos tratamentos avaliados. Apesar desse fato, as fontes de matéria orgânica se diferenciaram significativamente no fornecimento de P aos cafeeiros, no primeiro ano de transição agroecológica.
Em relação ao K foliar, os resultados indicam que todos os tratamentos e a testemunha registraram níveis dentro da faixa adequada (18,0 a 22,0 g kg-1) (Guimarães et al., 1999). Não foi detectada diferença significativa entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 6), entretanto, quando comparados com a testemunha, os tratamentos 1, 2, 4, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 14 e 15 foram iguais a esta (Tabela 11). Considerando que o solo apresentava um alto teor de K (133,6 mg dm-3) (Tabela 3), antes da implantação do experimento, pode-se inferir que os tratamentos com manejo orgânico foram eficientes e similares no fornecimento desse nutriente ao cafeeiro, em comparação à fonte utilizada nomanejo convencional (cloreto de potássio). Um estudo realizado por Matiello et al. (2005) indica que o sistema radicular do cafeeiro se mantém expressivo até 2,0 m de profundidade ao longo do perfil do solo e em condições de aproveitar resíduos de nutrientes como o K, devido ao seu acúmulo após adubações sucessivas. Essa evidência pode explicar os resultados obtidos para o K foliar tanto para o manejo orgânico como para o convencional testados neste trabalho.
Os resultados do teor de S foliar indicam efeito significativo para o contraste entre o tratamento 13 x 14 (Anexo 7), sendo este superior em 0,13 g kg-1 no fornecimento de S ao cafeeiro em relação ao tratamento 14 (Tabela 13).
O tratamento 13, provavelmente, alcançou esse resultado devido à utilização do sulfato duplo de K e Mg, que contém 22% S. A faixa adequada para o S foliar vai de 1,4 a 2,2 g kg-1 (Guimarães et al., 1999) e todos os tratamentos estudados, bem como a testemunha, apresentaram valores acima dela. Quando comparam-se os tratamentos de manejo orgânico e a testemunha nota-se que a maior parte desses tratamentos é similar a esta (Tabela 13).
TABELA 13 – Valores dos teores foliares de S, Mg e Ca (g kg-1) e Mn (mg kg-1) da lavoura cafeeira no primeiro ano de transição agroecológica em função dacomparação entre cada tratamento de manejo orgânico com a testemunha.
UFLA, Lavras, MG, 2006.
Valores seguidos da mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. (Trat.) 16 tratamentos de manejo orgânico. Tipo do adubo orgânico, (AO): esterco bovino; EB; cama de aviário, CA; farelo de mamona, FM; palha de café, PC e adubo verde, AV. (Test.) Testemunha – manejo convencional.
Os altos teores encontrados em todos os tratamentos e na testemunha podem ser relacionados às adubações com fontes minerais (superfosfato simples, sulfato de amônio) utilizadas no manejo convencional anterior à transição agroecológica, e ao fornecimento desse elemento via matéria orgânica do solo. Entretanto, os teores adequados de S foliar encontrados nos tratamentos com as fontes de adubação orgânica utilizadas (FM, EB e CA) + biofertilizante supermagro indicam que essas fontes são eficientes no fornecimento de S para o cafeeiro. Theodoro et al. (2003c), em um levantamento do estado nutricional de lavouras cafeeiras orgânicas, também registraram altos teores de S.
Os teores encontrados para o Mg foliar nos tratamentos de manejo orgânico não apresentaram diferença estatística entre si (Anexo 7). Os tratamentos 1, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15 e 16 encontram-se dentro da faixa adequada para o cafeeiro (3,1 a 4,5 g kg-1) (Guimarães et al., 1999), enquanto que os tratamentos 2, 3 e 14 e a testemunha registraram teores abaixo da faixa adequada. Os tratamentos de manejo orgânico 2, 3, 10 e 14 foram estatisticamente iguais à testemunha (Tabela 14). Pode-se observar que os tratamentos de manejo orgânico menos eficientes no fornecimento de Mg ao cafeeiro foram os que se igualaram à testemunha. No entanto, a maioria dos tratamentos de manejo orgânico disponibilizou Mg ao cafeeiro adequadamente.Os valores registrados para o Ca foliar também não apresentaram diferença estatística entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 7) e nem quanto esses foram comparados com a testemunha (Tabela 13). Foram registrados valores dentro da faixa adequada (10,0 a 13,0 g kg-1) (Guimarães et al., 1999) para a testemunha e para os tratamentos 2, 3, 4, 7, 9, 10, 13, 14 e 16, e valores acima dessa faixa para os tratamentos 1, 5, 6, 8, 11, 12 e 15. Os resultados referentes aos teores adequados registrados para o Mg e os teores acima da faixa adequada para o Ca podem ser relacionados com o seu fornecimento via calagem realizada na formação e condução da lavoura cafeeira, durante os cinco anos de manejo convencional. A análise de solo realizada antes da implantação do experimento (Tabela 3) detectou um teor alto para o Ca2+ (2,8 cmolc dm-3) e médio para o Mg2+ (0,78 cmolc dm-3).Em relação ao Mn, todos os tratamentos de manejo orgânico foram iguais, não apresentando diferença significativa (Anexo 7) e a sua grande maioria registrou teores acima da faixa adequada para o cafeeiro (50,0 a 200,0 mg kg-1) (Guimarães et al., 1999) (Tabela 13). Somente a testemunha e os tratamentos 2 e 16 apresentaram teores dentro da faixa adequada e os tratamentos de manejo orgânico 2, 4, 7, 10, 15 e 16 foram iguais, estatisticamente, à testemunha.
Os resultados do Fe foliar indicam que a testemunha e todos os tratamentos de manejo orgânico, exceto o tratamento 10, registraram teores dentro da faixa adequada para o cafeeiro (70,0 a 180,0 mg kg-1) (Tabela 14), entretanto, não foi detectada diferença significativa entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexo 8).
O fornecimento dos outros micronutrientes (B, Zn e Cu) via manejo orgânico do solo foi diferenciado em relação à testemunha. Foi notada, em geral, uma maior eficiência no fornecimento desses micronutrientes nos tratamentos de manejo orgânico, devido ao efeito significativo dos adubos orgânicos utilizados para o Cu e da adubação verde para o B (Anexo 8). Para o B foliar, os tratamentos 1, 2, 4 e a testemunha apresentaram teores abaixo da faixa adequada (40,0 a 80,0 mg kg-1) e o restante dos tratamentos se encontra dentro dessa faixa (Guimarães et al., 1999). Não ocorreu diferença entre os tratamentos de manejo orgânico, mas os tratamentos 7, 9, 10, 11 e 12 que utilizaram a adubação verde, registraram um maior fornecimento de B por meio de um teor médio desse nutriente de 50,06 mg kg-1, superior em relação aos tratamentos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 sem a adubação verde (Tabela 14). O Zn foliar apresentou significância para a interação entre A x AV (Anexo 8). Todos os tratamentos de manejo orgânico e a testemunha apresentaram teores de Zn dentro da faixa adequada (10,0 a 20,0 mg kg-1) (Guimarães et al., 1999). O melhor adubo orgânico para o fornecimento de Zn foi a cama de aviário com a utilização de adubação verde, representado pelos tratamentos 2, 5, 8 e 11 que apresentaram um teor médio de Zn de 10,52 mg 96 kg-1. Já os tratamentos 2 e 5, que utilizaram cama de aviário sem adubação verde, apresentaram um teor médio de Zn de 9,72 mg kg-1. Os tratamentos de manejo orgânico 1, 2, 3, 5, 6, 7, 9, 10, 12, 14 e 16 foram iguais à testemunha no fornecimento de Zn ao cafeeiro (Tabela 14).
TABELA 14 – Valores dos teores foliares de B, Zn, Cu e Fe (mg.kg-1) da lavoura cafeeira no primeiro ano de transição agroecológica, em função da comparação entre cada tratamento de manejo orgânico com a testemunha. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Valores seguidos da mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. (Trat.) 16 tratamentos de manejo orgânico. Tipo do adubo orgânico, (AO): esterco bovino; EB; cama de aviário, CA; farelo de mamona, FM; palha de café, PC e adubo verde, AV. (Test.) Testemunha – manejo convencional.
Neste trabalho, os resultados do Cu foliar apontam que o biofertilizante supermagro e a adubação orgânica foram excelentes fontes desse nutriente, pois todos os tratamentos de manejo orgânico apresentaram teores acima da faixa adequada (8,0 a 16,0 mg kg-1) e somente os tratamentos 3 e 9 se igualaram à testemunha (Tabela 14). Foram detectadas diferenças marcantes em relação ao adubo orgânico utilizado (Tabela 12); as melhores fontes de Cu foram os tratamentos 1, 4, 7, 10 e 13 com esterco bovino, apresentando um teor médio de 23,38 mg kg-1, e os tratamentos com cama de aviário 2, 5, 8 e 11, com 21,18 mg kg-1, seguidos pelos tratamentos com farelo de mamona 3, 6, 9, 12 e 14 (18,47 mg kg-1) (Figura 8).
FIGURA 8 – Efeito dos teores de Cu foliar (mg kg-1) na produtividade em função dos adubos orgânicos utilizados nos tratamentos de manejo orgânico. Farelo de mamona, FM; Esterco bovino, EB e cama de aviário, CA. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem, estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
CONCLUSÕES
*
O manejo orgânico mantém um suprimento adequado de K no solo, com
destaque para a cama de aviário e esterco bovino.
*
O manejo orgânico adotado é eficiente no fornecimento de N, P, K, S, Ca,
Mg, Mn, B, Zn, Cu e Fe ao cafeeiro em produção.
*
A adubação verde com feijão-guandu (Cajanus cajan L.) apresenta
incremento nos teores foliares de Zn e B.
*
As melhores fontes de N para o cafeeiro no primeiro ano de manejo orgânico
são o farelo de mamona e a cama de aviário, enquanto que, o esterco bovino
apresenta maior eficiência no fornecimento de P.
*
Em relação ao S, B, Cu e Fe, tanto o farelo de mamona, o esterco bovino
quanto a cama de aviário são eficientes no seu fornecimento.
*
A melhor fonte de Zn é a cama de aviário, juntamente com a prática da
adubação verde.
*
Os tratamentos de manejo orgânico apresentam maior diversidade biológica
das populações de FMA.
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CAPÍTULO 3
INFLUÊNCIA DA ADUBAÇÃO ORGÂNICA E QUÍMICA DO
CAFEEIRO NA OCORRÊNCIA DO BICHO-MINEIRO (Leucoptera
coffeella)
RESUMO
THEODORO, Vanessa Cristina de Almeida. Influência da adubação orgânica e química do cafeeiro na ocorrência do bicho-mineiro (Leucoptera coffeella). ______. Transição do manejo de lavoura cafeeira do sistema convencional para o orgânico. 2006. Cap. 3, 142p. Tese (Doutorado em Agronomia/Fitotecnia)-Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG.5
O experimento foi instalado em agosto de 2004 em uma lavoura cafeeira (cultivar Catuaí Amarelo, espaçamento 4,0 x 0,7 m e idade de 6 anos) no primeiro ano de transição para o sistema orgânico. Empregou-se o delineamento látice balanceado 4×4 com cinco repetições em esquema fatorial 3x2x2 mais quatro tratamentos adicionais. Diferentes fontes de adubação orgânica como o farelo de mamona, o esterco bovino e a cama de aviário, bem como uma fonte de resíduo vegetal (palha de café) mais a adubação verde com feijão-guandu (Cajanus cajan L.), e pulverizações com o biofertilizante supermagro foram a base do manejo orgânico. O manejo convencional constou da aplicação de sulfato de amônio e o cloreto de potássio e de adubação foliar convencional. Foi avaliada a interação entre o comportamento do bicho-mineiro (Leucoptera coffeella) e o teor de açúcares solúveis totais e proteína na folha do cafeeiro. A adubação orgânica afeta a produção de açúcares solúveis totais na folha do cafeeiro. O farelo de mamona promove um menor acúmulo de açúcares solúveis totais na folha, o que possivelmente concorre para um aumento da resistência da planta ao ataque do bicho-mineiro.
__________________________________________________________
5 Comitê Orientador: Dr. Antônio Nazareno Guimarães Mendes – UFLA (Orientador), Dr. Rubens José Guimarães, Dra. Sttela Dellyzete Veiga Franco da Rosa (Co-orientadores).
INTRODUÇÃO
Muitas práticas atualmente utilizadas em cultivos orgânicos, direcionadas ao controle de pragas, não têm sua eficiência comprovada cientificamente, o que tem levado o produtor a agir por tentativa e erro. Um dos desafios da cafeicultura orgânica é manejar adequadamente o surto populacional das pragas que atacam a cultura, principalmente durante a transição agroecológica, período no qual a lavoura pode apresentar desequilíbrios nutricionais.
Dependendo da severidade do ataque, o cultivo pode ser inviabilizado quando medidas de controle não são empregadas. Ataques do bicho-mineiro-docafeeiro (Leucoptera coffeella), uma das principais pragas da cultura, podem causar prejuízos de até 72% na produção, em comparação à produção de plantas tratadas com inseticidas (Reis & Souza, 1996).
A agricultura orgânica fundamenta-se na teoria da trofobiose, baseada no princípio de que os desequilíbrios nutricionais geram doenças e pragas e que estas poderiam ser evitadas, eliminando-se as suas causas. O ataque de pragas sugadoras pode ser relacionado aos nutrientes solúveis em forma de aminoácidos livres, açúcares reduzidos e minerais solúveis, ainda não incorporados em macromoléculas insolúveis (Chaboussou, 1972).
A alta incidência de uma praga em determinada cultura pode estar indicando erros de manejo, como, por exemplo, uso de cultivares inadequadas para a região, aplicação de altas doses de agroquímicos, uso irracional de insecitidas e muitos outros fatores, especialmente intoxicação das plantas com agrotóxicos (Chaboussou, 1987) e o ressurgimento e surto de pragas, apesar de repetidas aplicações (Guedes, 1999; Fragoso, 2000).
Assim, o presente trabalho, com base na teoria da trofobiose, foi instalado em uma lavoura cafeeira localizada em Lavras, MG, a qual foi submetida ao primeiro ano de transição para o sistema orgânico. Foi avaliada a interação entre o comportamento do bicho-mineiro e o teor de açúcares solúveis totais e proteína na folha do cafeeiro, adubado com diferentes fontes de matéria orgânica e adubos minerais.
MATERIAL E MÉTODOS
Descrição da área de estudo
A área de estudo, localizada na Fazenda Baunilha, constituiu-se de um talhão de café implantado num Latossolo Vermelho distroférrico, ocupado com cafeeiros com idade de 6 anos, espaçamento 4,0 x 0,7 m (4.167 plantas ha-1) e cultivar Catuaí Amarelo (IAC H2077-2-5-86) em uma área de 2,02 ha. A área das parcelas orgânicas foi de 1,61 ha (80 parcelas) e a testemunha (20 parcelas convencionais em uma área de 0,41 ha) estava localizada dentro do mesmo talhão, apresentando a mesma cultivar e espaçamento, isolada por uma barreira vegetal de 20,0 m (constituída por 5 linhas de cafeeiros). Cada parcela continha 84 plantas, sendo 16 plantas úteis e 68 plantas de bordadura.
A lavoura convencional recebeu adubações químicas com formulados NPK desde a sua implantação, de acordo com análises de solo e foliar, interpretadas segundo Guimarães et al. (1999). A palha de café proveniente da propriedade era aplicada todo ano e o controle de plantas espontâneas era realizado pelo método integrado (roçada mecânica e aplicação de herbicida sistêmico). A propriedade apresenta histórico de utilização de agrotóxicos para o controle de pragas e doenças em anos de alta ocorrência.
Descrição dos tratamentos
O experimento foi instalado em agosto de 2004 e se encontra no segundo ano agrícola de condução. Neste trabalho foram utilizados os dados do primeiro ano de conversão (de agosto de 2004 a dezembro de 2005). O delineamento usado foi o látice balanceado 4×4, com cinco repetições. Dos dezesseis tratamentos (Tabela 1), doze caracterizam um fatorial 3x2x2, que corresponde a três fontes de matéria orgânica (esterco bovino, cama de aviário e farelo de mamona) aplicadas superficialmente na projeção da copa do cafeeiro, com ou sem compostagem laminar feita com a aplicação de palha de café (2,0 L planta-1) sobre as fontes de matéria orgânica, e com ou sem adubo verde (Cajanus cajan L.) nas entrelinhas (Figura 1). Os quatro tratamentos adicionais avaliaram o uso do esterco bovino + moinha de carvão + sulfato duplo de potássio e magnésio; a rochagem utilizando a farinha de rocha Itafértil na dose de 2,08 t ha-1 (500 g planta-1) + farelo de mamona + palha de café; o uso da palha de café fermentada (20,0 L planta-1) e do adubo verde feijão-guandu (Cajanus cajan L.) plantado nas entrelinhas do cafeeiro como únicas fontes de adubação. Todos os tratamentos de manejo orgânico receberam, como fonte de adubação foliar, o biofertilizante supermagro e, nas parcelas convencionais, foi aplicada adubação foliar convencional com Niphokam (Quimifol).
Descrição das amostragens e análises laboratoriais
Pragas do cafeeiro
Para a avaliação da ocorrência do bicho-mineiro, coletaram-se folhas do terceiro ou quarto par de ramos do terço superior e mediano (16 folhas/parcela, totalizando 80 folhas/tratamento). As folhas foram distribuídas em sacos de papel, colocadas em caixa de isopor e levadas ao Laboratório de Manejo Integrado de Pragas do Departamento de Entomologia da UFLA, onde foram analisadas por meio de microscópio estereoscópico. Foi avaliada a porcentagem de folhas minadas pelo bicho-mineiro, coletadas mensalmente, durante o ano de 2005, perfazendo um total de cem amostras/mês.
Análises climáticas e fisiológicas da planta
Foram colhidas oito folhas no terço médio da planta/parcela em três fases fenológicas distintas do cafeeiro: 20/03/2005 (granação e crescimento dos frutos), 30/06/2005 (maturação e colheita) e 27/10/2005 (floração). As referidas coletas de folhas foram realizadas no mesmo dia para o bicho-mineiro. Os dados de precipitação e temperatura, durante todo o ano de 2005 e para os dias de coleta citados, foram obtidos no Departamento de Engenharia da UFLA (Anexo 15). Imediatamente após a coleta, as folhas foram submetidas às análises fisiológicas, sendo envoltas em papel alumínio e armazenadas em nitrogênio líquido. A finalidade desse procedimento era obter uma completa e imediata paralisação do metabolismo celular. No laboratório, foram armazenadas em refrigerador comercial.
Para as análises de açúcares solúveis totais, primeiramente, obteve-se o extrato, pesando-se 0,5 g da folha do cafeeiro sem a nervura central que, posteriormente, foi colocada em um almofariz com nitrogênio líquido e aproximadamente 0,5 ml de solução tampão para proceder a maceração até obter-se uma solução homogênia. A solução obtida foi colocada em tubos de plástico, sendo estes nivelados com a solução tampão. Logo após, foi feita a centrifugação a 6690 G, por doze minutos. Do extrato obtido separou-se o precipitado do sobrenadante (carboidrato). Novamente, nivelaram-se os tubos de ensaio com solução tampão para a segunda centrifugação, a 6690 G, por doze minutos. O sobrenadante teve seu volume final ajustado para 15 mL e dele foram retiradas alíquotas para a quantificação dos açúcares solúveis totais pelo método da antrona (Dische, 1962).
As amostras das folhas do cafeeiro para a realização das análises de proteína foram colocadas para secar em estufa de circulação forçada, à temperatura de 70oC, até o peso constante. Posteriormente, as amostras foram trituradas em moinho do tipo Wiley, com peneira de 20 mesh e armazenadas em frascos escuros, para a realização das análises pelo método do Kjeldahl (AOAC, 1970).
Análise estatística
Para os dados relativos às variáveis fisiológicas do cafeeiro e para a porcentagem de folhas minadas pelo bicho-mineiro, utilizou-se delineamento látice balanceado 4×4 com cinco repetições, em esquema fatorial (3x2x2), totalizando doze tratamentos mais quatro tratamentos adicionais (Tabela 1). Os fatores utilizados foram: 3 tipos de adubos orgânicos esterco bovino, EB; cama de aviário, CA e farelo de mamona, FM), com e sem palha de café fermentada em cobertura e com e sem adubo verde (Cajanus cajan L.) nas entrelinhas do cafeeiro. Os quatro tratamentos adicionais foram: o esterco bovino + palha de café + munha de carvão + sulfato de K e Mg; o farelo de mamona + palha de café + farinha de rocha e a palha de café fermentada e adubação verde (C. cajan L.). Como testemunha foram utilizadas vinte repetições não incluídas no delineamento experimental, localizadas em área contígua à área experimental.
Como forma de isolamento, foram utilizadas quatro linhas de cafeeiros, perfazendo uma distância de 20,0 m entre os blocos de tratamentos de manejo orgânico e a testemunha, visando evitar qualquer efeito proveniente do manejo convencional como, por exemplo, deriva de agroquímicos.
O plano experimental foi obtido em Cohran & Cox (1957) (Figura 1). Os efeitos do adubo orgânico, da palha de café e do adubo verde e suas respectivas interações foram estimados e testados utilizando-se os desdobramentos apropriados. As variáveis (teores de açúcares solúveis totais e proteína total e a porcentagem de folhas minadas) foram submetidas ao teste de Tukey a 5%.
Os dados foram submetidos à análise de variância utilizando-se o programa SAS. A testemunha foi comparada com cada um dos dezesseis tratamentos de manejo orgânico por meio do teste t, com proteção de bonferroni (Johnson & Wichern, 1998), com a ajuda do programa Sisvar para Windows Versão 4.6 (Ferreira, 2000). Também foram realizados contrastes entre os tratamentos adicionais e os tratamentos fatoriais por meio da opção “Constrast” do Proc GLM.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como o comportamento do bicho-mineiro é fortemente influenciado pelos fatores climáticos, os dados referentes à temperatura e à precipitação médias durante todo o ano de 2005, foram comparados com as médias históricas para a cidade de Lavras, MG. Os resultados indicaram que ocorreram diferenças mínimas entre eles e precisamente nos dias da coleta de dados (20/03/2005, 30/062005 e 27/10/2005), para as amostras das análises fisiológicas nas folhas dos cafeeiros, a temperatura e a precipitação não foram atípicas em relação às médias históricas (Anexo 14).
Os dados obtidos demonstram que a infestação do bicho-mineiro no experimento variou de janeiro a dezembro de 2005, de 0% a 16% (Tabela 15), nos diversos tratamentos de manejo orgânico e na testemunha. Os meses de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro foram os meses de maior precipitação em Lavras (Figura 9), apesar das altas temperaturas registradas (Figura 10) o que, possivelmente, contribuiu para a redução da população de lagartas do bicho-mineiro, por afogamento no interior da mina (Pereira, 2002) e para a similaridade encontrada para os resultados entre os tratamentos de manejo orgânico e a testemunha (Tabela 15). As maiores infestações ocorreram de maio a setembro de 2005, caracterizado por ser um período frio e seco no sul de Minas Gerais. A média geral, no ano de 2005, para infestação de bicho-mineiro nos tratamentos de manejo orgânico, foi de 2,2% e, na testemunha, foi de 0,8%.
Esses resultados estão bem abaixo dos encontrados por Ecole (2003) em cafezais orgânicos e por Reis & Souza, (1998), em cafezais convencionais na região Sul de Minas Gerais. Como não foi atingido em todos os tratamentos o nível de controle de 10% de folhas com minas intactas adotado neste trabalho, durante o ano de 2005, na área experimental, não foi utilizado nenhum tipo de controle
TABELA 15. Médias das folhas minadas por Leucoptera coffeella (%), em função da comparação entre cada tratamento
de manejo orgânico com a testemunha, de janeiro a dezembro de 2005. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Valores seguidos com a mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. (Trat.) 16 tratamentos de manejo orgânico. (Test.) Testemunha – manejo convencional.
FIGURA 9. Flutuação populacional do bicho-mineiro (Leucoptera coffeella) nos tratamentos de manejo orgânico e na testemunha, em função dos meses do ano de 2005 e precipitação. UFLA, Lavras, MG, 2006.
permitido para os tratamentos de manejo orgânico, bem como controle químico na testemunha. Fornazier et al. (2000), em um estudo conduzido no Espírito Santo, registraram que a incidência do bicho-mineiro em lavoura de café em conversão no primeiro ano variou de 32,3% a 39,0% sem significância para as diferentes diluições do biofertilizante supermagro e para as duas doses de composto orgânico testadas. Os resultados avaliados indicam a ocorrência de nuances significativas somente nos meses de março e outubro de 2005, entre os tratamentos de manejo orgânico (Anexos 9, 10 e 11). No mês de março de 2005, foi detectada significância para os adubos orgânicos utilizados, coincidindo com o período mínimo de 3 meses para a mineralização da matéria orgânica. A adubação orgânica foi realizada em dezembro de 2004 e a última adubação química com sulfato de amônio e cloreto de potássio foi realizada em março de 2005. Os tratamentos com farelo de mamona (3, 6, 9, 12 e 14) (0,2%) e com cama de aviário (2, 5, 8 e 11) registraram as menores porcentagens médias de folhas minadas (0,6%) em relação aos tratamentos 1, 4, 7, 10 e 13 com esterco bovino
(2,2%) (Figura 11).
FIGURA 11. Porcentagem de folhas minadas por L. coffeella em março de 2005 em função dos adubos orgânicos utilizados (FM, farelo de mamona, CA, cama de aviário e EB, esterco bovino). Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem estatisticamente, entre si, a 5%, pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras,
MG, 2006.
Para a época 03 (outubro/2005), notou-se que o efeito do adubo verde foi significativo (Anexo 11) para os tratamentos 7, 8, 9, 10, 11 e 12, concorrendo para uma menor incidência do bicho-mineiro que, em média, atingiu o valor de 0,31% em comparação com os tratamentos que não utilizaram adubo verde (1, 2, 3, 4, 5 e 6), com uma média de 1,52% (Figura 12). Esse resultado reforça os princípios da teoria da trofobiose, que ressaltam a importância da biodiversidade vegetal nas entrelinhas de culturas perenes como o cafeeiro, por meio da realização da adubação verde com o feijão-guandu, que apresentou efeito positivo na redução do ataque do bicho-mineiro.
FIGURA 12. Porcentagem de folhas minadas por Leucoptera coffeella no mês de outubro de 2005, nos tratamentos de manejo orgânico, em função da adubação verde. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem estatisticamente, entre si, a 5%, pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
*Os resultados das variáveis fisiológicas avaliadas foram apresentados na Tabela 16. Em relação aos teores de açúcares solúveis totais (AST) na folha do cafeeiro, foi detectado o efeito do tipo de adubo orgânico utilizado (Anexo 13)
TABELA 16. Média dos teores de açúcares totais (g kg-1) e proteína total (%) na folha do cafeeiro (C arabica L.), em função da comparação entre cada tratamento de manejo orgânico com a testemunha. Épocas de avaliação (E1, época 1 – março/05, E2, época 2 -junho/05 e E3, época 3 – outubro/05). UFLA, Lavras, MG, 2006.
Valores seguidos com a mesma letra minúscula da testemunha não diferem desta, estatiscamente, a 5%, segundo a proteção de Bonferroni. [T]: 16 tratamentos de manejo orgânico. [CV] – manejo convencional
para a época 1 (março de 2005). Os tratamentos (3, 6, 9, 12 e 14) de manejo orgânico que utilizaram o farelo de mamona e apresentaram 0,2%, em média, de folhas minadas (Tabela 15, Figura 11) registraram os teores mais baixos de AST, com uma média de 1,76 g kg-1. O teor médio de AST para tratamentos com esterco bovino foi de 1,92 g kg-1 e com cama de aviário foi de 1,85 g kg-1 (Figura 13). Apesar da baixa incidência do bicho-mineiro em todos os tratamentos e na testemunha, quando se relaciona a porcentagem de folhas minadas no mês de março de 2005 com o teor de AST na folha do cafeeiro no mesmo mês, constata-se que foram detectadas diferenças significativas nas duas variáveis, cuja interação, possivelmente, indica a influência da nutrição do cafeeiro com adubos orgânicos na ocorrência do bicho-mineiro. O metabolismo da planta foi afetado pelos adubos orgânicos utilizados, pois foi notado que a adubação orgânica com farelo de mamona promoveu um menor acúmulo de AST na folha, o que pode ter concorrido para um aumento da resistência do cafeeiro ao ataque do bicho-mineiro. Caixeta et al. (2004) relataram que aumento nos teores de AST está relacionado com uma maior intensidade do ataque do bicho-mineiro em casa de vegetação. Por outro lado, a adubação orgânica com esterco bovino que registrou os maiores índices de folhas minadas (2,2%), apresentou também maiores teores de AST em relação aos tratamentos com farelo de mamona (Figura 13).
FIGURA 13. Teor de açúcares solúveis totais (AST) na folha do cafeeiro (C arabica L.) e % de folhas minadas por L. coffeella no mês de março de 2005, em função dos tratamentos de manejo orgânico. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem estatisticamente, entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
Quando comparam-se os tratamentos de manejo orgânico com a testemunha, constata-se que somente na época 01 (março de 2005) foram detectadas diferenças entre eles (Tabela 15). Os tratamentos 1, 5, 8, 9 e 16 diferiram estatisticamente da testemunha, registrando um teor médio de AST de 2,1 g kg-1, em relação a 1,6 g kg-1 da testemunha.
Os resultados para o teor de proteína na folha do cafeeiro apresentaram significância entre os tratamentos de manejo orgânico para o contraste tratamentos fatoriais x adicionais na época 01 (março de 05) (Anexo 12). Em geral, os tratamentos fatoriais apresentaram um teor de proteína 1,5% superior aos tratamentos adicionais. Segundo a teoria da trofobiose, quanto maior a proteossíntese, maior a resistência da planta à incidência de pragas. No caso deste trabalho, isso não foi verificado. Já quando comparados com a testemunha, os tratamentos de manejo orgânico não diferiram estatisticamente desta em nenhuma das épocas estudadas (Tabela 16). Esse resultado permite inferir que não foi possível detectar alterações no teor de proteína total na folha do cafeeiro, provenientes da adubação química com sulfato de amônio e cloreto de potássio.
Na época 02 (junho de 2005), o teor de proteína apresentou significância para a interação adubos x palha de café (Anexo 12), em que os tratamentos com farelo de mamona apresentaram os maiores teores médios de proteína total na folha do cafeeiro, quando se utilizou a palha de café em compostagem laminar.
O farelo de mamona com palha de café (tratamentos 3 e 9) apresentou um teor médio de proteína de 14,6% em relação aos tratamentos 6 e 12; com farelo de mamona sem palha de café, 13,8%. Os tratamentos com cama de aviário e esterco bovino que utilizaram a palha de café apresentaram resultados inversos. A cama de aviário na presença de palha de café (tratamentos 2 e 8) apresentou um teor médio de proteína de 14,5% em relação aos tratamentos 5 e 11; sem palha de café, 14,7%. O esterco bovino na presença de palha de café (tratamentos 1 e 7) apresentou um teor médio de proteína de 13,9% menor em relação aos tratamentos 4 e 10; sem palha de café, 14,8%. A mineralização do farelo de mamona, juntamente com a palha de café como compostagem laminar em cobertura, possivelmente, favoreceu a formação de proteínas na folha do cafeeiro. Em contraposição, o uso do esterco bovino sem a palha de café apresentou maior teor médio de proteína total e a cama de aviário registrou as menores diferenças para o uso da palha de café (Figura 14).
FIGURA 14. Teor de proteína total na folha do cafeeiro (C arabica L.), em função dos tratamentos de manejo orgânico com e sem a presença de palha de café. Valores precedidos da mesma letra minúscula não diferem estatisticamente entre si, a 5% pelo teste de Tukey. UFLA, Lavras, MG, 2006.
CONCLUSÕES
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A adubação orgânica afeta a produção de açúcares solúveis totais na folha do cafeeiro.
*
O farelo de mamona promove um menor acúmulo de açúcares solúveis totais na folha o que, possivelmente, concorre para um aumento da resistência da planta ao ataque do bicho-mineiro.
*
A adubação química com sulfato de amônio e cloreto de potássio não afeta os teores de açúcares solúveis totais e proteína na folha do cafeeiro.
*
A adubação verde com feijão-guandu realizada nas entrelinhas do cafeeiro favorece uma menor incidência do bicho-mineiro.
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CONSIDERAÇÕES GERAIS
*
No primeiro ano de transição agroecológica, os tratamentos de manejo orgânico apresentaram uma produtividade média (37,69 sacas ha-1), similar à testemunha convencional (35,24 sacas ha-1), devido à existência de reservas de nutrientes no solo provenientes do manejo convencional anterior à transição agroecológica.
*
A utilização como única fonte de adubação da palha de café (20,0 L/planta) e da adubação verde com feijão guandú nas entrelinhas do cafeeiro, conseguiu suprir as necessidades nutricionais do cafeeiro em N, P, K, S, B, Zn e Cu. Ressalva-se que esses resultados estão relacionados às adubações com fontes minerais do manejo convencional anterior à transição agroecológica.
*
Os resultados obtidos nesse trabalho para o fornecimento de macro e micronutrientes via manejo orgânico do solo, poderão ser utilizados no planejamento do programa de adubação para lavouras cafeeiras a serem convertidas para o sistema orgânico de produção. Levando-se em consideração anos de alta e baixa produção, características da lavoura (idade, variedade e adubação anterior) e propriedades físicas e químicas do solo.