Marta dos Santos Freire Ricci (1); Nelson Geraldo e Oliveira (2). (1) Pesquisadora da Embrapa Agrobiologia, DS em Fitotecnia, Caixa Postal 74505,CEP 23851-970 Seropédica, RJ, email: marta@cnpab.embrapa.br; (2) Licenciado em Ciências Agrícolas, MS em Fitotecnia, bolsista de Apoio Técnico da Embrapa Café, email: ngoufrrj@yahoo.com.br

RESUMO

O objetivo do trabalho foi avaliar os custos de implantação e de manutenção de duas áreas cultivadas com café arábica, uma conduzida a pleno sol e outra arborizada com banana (Musa sp. var. Prata Comum) e eritrina (Erythrina verna), bem como avaliar a receita bruta obtida nos dois sistemas de cultivo. Ao todo, nove mil mudas pertencentes a seis cultivares de café (Coffea arabica L.) foram plantadas nos dois sistemas, totalizando uma área de 1,6ha. As mudas de café foram plantadas no espaçamento 2,5 m x 0,7 m, as de banana no espaçamento 3 m x 5 m, e as de eritrina, no espaçamento 9 m x 5 m. Todas as despesas com material de consumo e mão de obra foram contabilizadas nas fases de implantação e durante os três primeiros anos de cultivo. Na implantação da lavoura os gastos com o preparo e aquisição de mudas de eritrina e de banana e com mão-de-obra para o plantio, foram os maiores responsáveis pelo aumento dos custos do sistema consorciado. Nos anos seguintes, o acréscimo no valor total de custeio foi devido principalmente aos gastos com mão-de-obra. Embora os custos de implantação e de manutenção dos três primeiros anos do cultivo consorciado tenham sido 19% mais elevados que os custos do cultivo a pleno sol, a receita bruta obtida com a comercialização do café + banana no sistema consorciado, nos dois primeiros anos de colheita, foi 66,6% maior em relação à comercialização somente do café, no sistema a pleno sol.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the cost of establishment and maintenance of two areas cultivated with Arabic coffee. One area was cultivated unshaded and the other one was shaded with banana tree (Musa sp. var. Prata Comum) and eritrina tree (Erythrina verna). It was also evaluated the gross income of these two cropping system. Nine thousands seedlings of six cultivars of coffee (Coffea arabica L.) were planted in 1,6 ha area using the spacing of 2,5 m x 0,7 m. The spacing for banana was 3 m x 5 m, and for eritrina, 9 m x 5 m. Full accounting of the expenditure for material and labor was performed at establishment phase and during the three first years of cropping. Preparation and acquisition of eritrina and banana seedlings and labor for planting were the major reason for the expenditure of the intercropping system at establishment phase. At the following years labor was the major increasing on the total expenditure. Although the cost of establishment and maintenance of the three first years of the intercropping system was 19% higher, the gross income of this system was 66,6% higher than the unshaded area in the two first harvesting seasons. 

INTRODUÇÃO

O café é originário de florestas caducifólias da Etiópia, onde as árvores dos extratos mais altos perdem as folhas durante os meses de julho a setembro, quando o cafeeiro mais necessita de luz para a floração (CEPA, 1971), sendo, portanto, uma espécie adaptada à sombra.

Em países produtores de café, tais como a Colômbia, Venezuela, Costa Rica, Panamá e México, o cultivo do café em sistemas agroflorestais (SAFs) tem sido um recurso utilizado para aumentar a diversidade vegetal dos cultivos e a receita do produtor (Beer, 1997; Escalante, 1997).

No Brasil a maioria dos produtores prefere o cultivo a pleno sol alegando, principalmente, que o sombreamento diminui a produtividade, bem como por outras razões, como maior necessidade de mão-de-obra, dificuldade na passagem de máquinas, entre outras. Estima-se que mais de 90% das lavouras existentes são conduzidas a pleno sol (Ricci et al., 2002). As experiências agroflorestais mais conhecidas são as dos Estados do Espírito Santo e Rondônia, onde predomina o cultivo do café Conilon em SAFs. Em Rondônia, muitos produtores cultivam árvores junto ao café, a fim de enriquecer os cafezais e diminuir os custos de produção (Rodrigues et al., 2003).

Outra experiência bem sucedida no Brasil é a da Serra do Baturité, no Ceará, onde o café arábica é cultivado com ingá (Inga ingoides) e banana (Musa sp.) desde o século passado, como uma opção para aumentar o rendimento econômico (Severivo & Oliveira, 2000). 

Segundo Dubois (2004) os consórcios agroflorestais possibilitam aos produtores maior retorno econômico (mel, sementes, frutas, produtos fito-farmacêuticos, etc), fator importante em pequenas propriedades. Na América Central, a banana é utilizada com espécie sombreadora do café, representando uma importante fonte de renda para as famílias. Na Nicarágua, por exemplo, Schibli (2001) cita que os produtores consomem 89% das bananas produzidas, e que a receita obtida com a produção excedente representa até 15% da renda familiar.

Além dos benefícios econômicos, a existência de uma maior biodiversidade possibilita a auto-regulação dos sistemas (Dubois, 2004), ajudando a manter pragas e doenças em níveis baixos. O objetivo do trabalho foi avaliar os custos de implantação e de manutenção de duas áreas cultivadas com café arábica, uma conduzida a pleno sol e outra arborizada, bem como avaliar a receita bruta obtida nos dois sistemas de cultivo.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado na Fazenda Santa Mônica, pertencente à Embrapa Gado de Leite, situada no distrito de Juparanã, município de Valença, RJ, a 22o20’34,5″ de latitude Sul e 43o43’14,8″ de longitude Oeste.

A área apresenta topografia plana e altitude de 608 m. A precipitação e a temperatura média anual dos últimos 10 anos foram respectivamente, 1.280mm e 25,5oC. O solo foi analisado seguindo a metodologia adotada pela EMBRAPA (1997) e apresentou as seguintes características químicas: pH = 5,3 (em água); Al = 0,1 cmolc dm-3; Ca = 1,8 cmolc dm-3; Mg = 0,7 cmolc dm-3; P = 2,0 mg dm-3; K = 128 mg dm-3; C.O. = 1,35%; saturação de bases (V%) = 56,5%.

A área foi arada, gradeada e o pH foi corrigido com 500 kg ha-1 de calcário dolomítico. As covas de plantio foram adubadas com 2,5 kg de esterco de gado (1,67% de N) e 300 g da mistura de termofosfato magnesiano (18% de P2O5; 20% de Ca; 7,0% de Mg) e cinza de madeira (1:1). Após 40 dias, foi feita uma adubação de cobertura com 250 g de esterco de cama de aviário por planta (2,72% de N).

Seis cultivares de café (Coffea arabica L.) foram plantadas em uma área de 1,6 ha, totalizando 9000 cafeeiros, sendo 1500 mudas de cada uma das seguintes cultivares: Tupi IAC 1669-33; Oeiras MG 6851; Icatu amarelo IAC 3282; Catucaí amarelo; Obatã IAC 1669-20 e Catuaí vermelho IAC 144. Metade dos cafeeiros foram cultivados a pleno sol (monocultivo), e a outra metade foi consorciada com banana (Musa sp. var. Prata Comum) e eritrina (Erythrina verna) (sistema arborizado) (Figura 1).

As mudas de café foram plantadas em fevereiro de 2001, no espaçamento 2,5 m x 0,7 m, sendo que a cada quatro linhas de café foi deixado uma rua ou carreador de 4 m de largura, para possibilitar a passagem de máquinas e tratores. Em janeiro de 2002, na outra metade da área, destinada ao cultivo consorciado, foram plantadas as mudas de banana no espaçamento 3 m x 5 m, e as de eritrina, no espaçamento 9 m x 5 m (Figuras 1 e 2). 

A primeira adubação de cobertura dos cafeeiros foi constituída por duas aplicações de 250 g de esterco de cama de aviário e 100 g de termofosfato magnesiano (17% P2O5 solúvel em ácido cítrico; 15% de Ca; 2% de Mg) por planta, realizadas nos meses de outubro de 2001 e março de 2002. Em 2002/2003, a adubação de cobertura constituiu-se de uma única aplicação de 1,0 kg de esterco de cama de aviário e de 300 g de farinha de ossos (20% P2O5 solúvel em ácido cítrico; 1,5% N; 22% de Ca) por planta, realizada em fevereiro de 2003. Em 2003/2004, a adubação foi constituída por duas aplicações de 3 kg de composto orgânico (1,37% de N), realizadas em outubro de 2003 e março de 2004.

O controle das ervas invasoras foi feito roçando-se as entrelinhas com roçadeira costal e capinando-se as linhas de plantio com enxada.

Todas as despesas com material de consumo e mão de obra foram contabilizadas nas fases de implantação e durante os três primeiros anos de cultivo. As despesas com material de consumo foram divididas em custos com aquisição de mudas (café e outras), adubos e corretivos, combustível (gasolina e óleo diesel) e outras.  Foram consideradas como despesas com mão de obra os serviços de plantio e replantio de mudas, capina e roçada, aplicação de calcário, adubações de plantio e de cobertura (cafeeiros e bananeiras), desbrota das bananeiras (deixando-se três pseudocaules por moita, isto é, avó, mãe e filha), colheita do café e de banana, entre outras.

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Desenho das lavouras de café a pleno sol e consorciada à banana e à eritrina.

Aspecto do café consorciado à banana (A) e à Erythrina verna (B). Valença, RJ, julho de 2003

Aspecto do café consorciado à banana (A) e à Erythrina verna (B). Valença, RJ, julho de 2003

Aspecto do cafezal cultivado a pleno sol. Valença, RJ, abril de 2004.

Aspecto do cafezal cultivado a pleno sol. Valença, RJ, abril de 2004.

As produtividades obtidas no primeiro e segundo ano de produção do café (anos 2003 e 2004) foram estimadas com base em 10 plantas úteis selecionadas ao acaso em cada parcela e expressa em sacas beneficiadas por hectare.

A banana começou a ser colhida a partir de agosto de 2003, tendo sido contabilizada, em peso (kg ha-1), toda a produção obtida nos períodos de agosto de 2003 a julho de 2004 e de agosto de 2004 a julho de 2005, efetuando-se colheitas em intervalos que variaram de 10 a 20 dias, dependendo da época do ano.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O custo do cultivo consorciado do café foi maior 39,1%, 5,0% 9,5% e 17,7% (Tabela 1), respectivamente na implantação e nos três primeiros anos de cultivo, quando comparado ao cultivo a pleno sol. Na fase de implantação da lavoura os gastos com o preparo de área e aquisição de mudas de eritrina e de banana e com mão-de-obra para o plantio, foram os maiores responsáveis pelo aumento dos custos do sistema consorciado, os quais foram superiores 18,9 % e 9,5%, respectivamente, em relação aos mesmos itens no sistema a pleno sol (Tabela 2). Nos anos seguintes, o acréscimo no valor total de custeio foi devido principalmente aos gastos com mão-de-obra.

No terceiro ano de cultivo, observou-se que as despesas com capinas e roçadas no sistema consorciado foram 13,4% inferiores quando comparadas ao cultivo a pleno sol. Por outro lado, as despesas com mão-de-obra para o manejo das bananeiras (desbrota, capina, adubação e colheita), foram responsáveis por 20,6% do custo total de custeio.

Tabela 1. Custos em reais (R$) para aquisição de materiais de consumo e pagamento de mão-de-obra durante as fases de implantação e de manutenção das lavouras nos três primeiros anos, referentes a um hectare de café cultivado nos sistemas de produção orgânico a pleno sol e consorciado. Valença, RJ.

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*Incluídos o pagamento de 20% de INSS recolhidos sobre o valor da mão-de-obra. O valor do US$ em julho de 2001, 2002, 2003 e 2004, foi respectivamente R$ 2,70; R$ 2,72; R$ 2,96 e R$ 3,03.

As despesas de custeio (materiais de consumo e pagamento de mão de obra) acumuladas desde a fase de implantação até o terceiro ano de cultivo foram respectivamente, R$ 12.272,00 e R$ 14.604,00, nos sistemas a pleno sol e consorciado, o que significa que o cultivo do café consorciado foi 19% mais caro.

Tabela 2. Percentuais referentes aos custos de implantação e de manutenção dos três primeiros anos, de um hectare de café cultivado nos sistemas de produção orgânico a pleno sol e sombreado. Valença, RJ.

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*Incluídos o pagamento de 20% de INSS recolhidos sobre o valor da mão-de-obra.

A Tabela 3 mostra as produções de café e de banana obtidas nos dois primeiros anos de produção das culturas

(2004 e 2005), nos diferentes sistemas de cultivo. Em 2006, o valor da saca de 60 kg de café orgânico foi comercializada pelo preço mínimo de R$ 410,00 (ou US$ 180, sendo 1US$ = R$ 2,28, cotação de novembro de 2006), e a caixa de 20kg de banana orgânica por R$ 28,00 (US$ 12,28). Com base nesses valores, conclui-se que foi possível obter uma receita bruta com o cultivo do café consorciado de R$ 30.538,00, contra R$ 18.327,00, obtida no sistema a pleno sol (valores de 2006), o que significa uma receita 66,6% maior. Portanto, baseado nos dados obtidos, percebe-se que o cultivo do café consorciado à banana é uma associação altamente lucrativa para o produtor, constituindo uma excelente alternativa de sombreamento de cafezais, especialmente nos primeiros anos da lavoura.

Tabela 3. Produções de café e banana e receitas brutas obtidas (R$) em dois anos agrícolas consecutivos nos sistemas de cultivo a pleno sol e consorciado. Valença, RJ. 1

tabela-3

Considerando o preço de R$ 410,00 e de R$ 28,00 como os valores da saca de 60 kg de café orgânico e da caixa de 20 kg de banana orgânica, respectivamente (valores de 2006).

CONCLUSÕES

Embora os custos de implantação e de manutenção dos três primeiros anos da lavoura consorciada com banana e eritrina tenham sido 19% mais elevados que os custos da lavoura a pleno sol, a receita bruta obtida com a consorciação do café com a banana, nos dois primeiros anos de produção, foi 66,6% maior.

REFERÊNCIAS

BEER, J. Café bajo sombra en América Central: hace falta más investigación sobre este sistema falta más investigación sobre este sistema agroflorestal exitoso? Agroforestería en las Américas, v. 4, p.4-5, 1997.

CEPA. Café: análise da produção e consumo: subsídios à implantação de um programa de incentivo à cafeicultura no Estado do Ceará.  Fortaleza: CEPA, 1971. 112p.

DUBOIS, J. C. L. Biodiversidade de SAFs. Disponível em: www.rebraf.org.br Acesso em: 24 ago. 2004

EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos (Rio de Janeiro, RJ). Manual de métodos de analise de solo. 2.ed. rev. atual. Rio de Janeiro, 1997. 212p. (EMBRAPA-CNPS. Documentos, 1).

ESCALANTE, E. Café y agroforestería en Venezuela. Agroforestería en las Américas, v.4, n.13, p.21-24, 1997.

RICCI, M. S. F.; ARAÚJO, M. C. F.; FRANCH, C. M. C. Cultivo orgânico do café: recomendações técnicas.

Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2002. 101 p.

RODRIGUES, V. G. S.; COSTA, R. S. C. da; LEÔNIDAS, F. das C. Experiência de agricultores em Rondônia com arborização de lavouras de café Conilon. In: SIMPÓSIO DE PESQUISA DOS CAFÉS DO BRASIL, 3., 2003, Porto Seguro, BA. Anais… Brasília: Embrapa Café, 2003. p.297.

SCHIBLI, C. Percepciones de familias productoras sobre el uso y manejo de sistemas agroforestales con café, en el norte de Nicaragua. Agroforestería en las Américas, v.8, n.29, p.08-12, 2001.

SEVERINO, L. S.; OLIVEIRA, T. S. de. Café sombreado no Maciço de Baturité. Fortaleza, 2000. 57 p.