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PROCEDIMENTOS BÁSICOS PARA UM BOM MANEJO DA CRIAÇÃO 

Moacir Roberto Darolt
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Meio Ambiente,
Pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR),
Ponta Grossa, C.Postal 129, CEP 84001-970,
Fone/Fax: (42) 229-2829. E-mail: darolt@pr.gov.br

 Trabalho publicado em 02/02/2001

Quando falamos de animais, normalmente esquecemos do solo. Todavia, na produção orgânica – que privilegia a criação extensiva – um dos princípios básicos é reconhecer o solo como fonte de vida. A qualidade e o equilíbrio da fertilidade do solo (manutenção de níveis de matéria orgânica, promoção da atividade biológica, reciclagem de nutrientes e intervenção controlada sem destruição do recurso natural) são essenciais para a sustentabilidade da propriedade. Assim, na produção orgânica, a saúde animal também está ligada à saúde do solo.

Outro ponto básico é a diversificação da propriedade, que pode ser alcançada com um manejo que utilize o policultivo, pastagens, sistemas agroflorestais, rotações de culturas, cultivos de cobertura, cultivo mínimo, uso de composto e esterco, adubação verde, quebra-ventos e áreas de reserva de mato. Este tipo de manejo potencializa a reciclagem de nutrientes, melhora o microclima local, diminui patógenos e insetos-praga, elimina determinados contaminantes e conserva e melhora a fertilidade do solo e a qualidade da água. É evidente, que as particularidades de cada sistema vão influenciar nestes resultados. No entanto, a diversificação por si só não é suficiente para a otimização do sistema. Faz-se necessário analisar a compatibilidade e complementaridade das explorações, visando a uma maior integração. Ou seja, a diversificação deve ser planejada de forma a integrar um conjunto produtivo (agricultura, floresta e animais), no qual cada atividade esteja relacionada na troca de materiais e benefícios com as outras. Esse procedimento visa impedir que a diversificação gere um sistema de produção descoordenado. Por isso, o planejamento é um requisito fundamental para um bom aproveitamento do potencial da propriedade, fator que permitirá uma maior independência do produtor. O objetivo de apresentar alguns procedimentos básicos para o manejo animal é a obtenção de uma produção orgânica satisfatória mantendo os animais em bom estado de saúde, sobretudo por meio de ações preventivas. Os principais procedimentos para manejo das pastagens, manejo do rebanho e instalações, nutrição e tratamento veterinário são apresentados resumidamente no quadro 1.

QUADRO 1 – PROCEDIMENTOS TÉCNICOS PARA PRODUÇÃO ANIMAL EM AGRICULTURA ORGÂNICA

RESTRITOS 

PROCEDIMENTOS
RECOMENDADOS

ATIVIDADES

PROIBIDOS 

 

MANEJO DE PASTAGENS

 

Uso de técnicas de manejo e conservação de solo e água; nutrição das pastagens de acordo com as recomendações; controle de pragas, doenças e invasoras das pastagens de acordo com as normas;

Pastagens mistas de gramíneas, leguminosas e outras plantas (diversificação);

Pastoreio rotativo racional, com divisão de piquetes; manter solo coberto, evitando pisoteio excessivo;

Rodízio de animais de exigências e hábitos alimentares diferenciados (bovinos, eqüinos, ovinos, caprinos e aves);

Fogo controlado para limpeza de pastagem;

Pastoreio permanente sob condições satisfatórias;

Estabelecimento de pastagem em solos encharcados, rasos ou pedregosos;

Monocultura de forrageiras;
Queimadas regulares;
Superlotação de pastos;
Uso de agrotóxicos e adubação mineral de alta solubilidade nas pastagens; 

 

 

MANEJO DO REBANHO E INSTALAÇÕES

 

 Raças animais adaptadas à região; raças rústicas; aquisição de matrizes de criadores orgânicos; animais de fora devem ficar em quarentena;

Instalações adequadas p/ o conforto e saúde dos animais, fácil acesso à água, alimentos e pastagens; espaço adequado à movimentação;

Número de animais p/ área não deve afetar os padrões de comportamento;

Criações de preferência em regime extensivo ou semi-extensivos, com abrigos; No caso das aves, deve haver espaço para acesso à pastagem;

Monta natural para reprodução; e desmame natural;

Raças exóticas não adaptadas;

Bezerros podem ser adquiridos de convencionais até 30 dias; Aves de até 3 dias podem ser adquiridas de qualquer procedência;

Inseminação artificial sob controle;

Separação dos bezerros por barreiras; 

Raças exóticas não adaptadas;

Estabulação permanente de animais;

Confinamento e imobilização prolongados;

Instalações fora dos padrões;

Manejo inadequado que leve animais ao sofrimento, estresse e alterações de comportamento;

NUTRIÇÃO E TRATAMENTO VETERINÁRIO

 

Auto-suficiência alimentar orgânica; forragens frescas, silagem ou fenação produzidas na propriedade ou de fazendas orgânicas;

Aditivos naturais para ração e silagem (algas, plantas medicinais, aromáticas, soro de leite, leveduras, cereais, outros farelos);

Mineralização com sal marinho;

Suplementos vitamínicos (óleo de fígado peixe e levedura);

Homeopatia, fitoterapia e acupuntura;

São obrigatórias as vacinas estabelecidas por lei, e recomendadas as vacinações para as doenças mais comuns a cada região.

Aquisição de alimentos não orgânicos, equivalente a até 20% do total da matéria seca para animais monogástricos e 15% p/ ruminantes

Aditivos,óleos essênciais, suplementos vitamínicos, de aminoácidos e sais minerais (de forma controlada);

Agentes etiológicos dinamizados (nosódios ou bioterápicos).

Amochamento e castração; 

Uso de aditivos estimulantes sintéticos; Promotores de crescimento; Uréia; Restos de abatedouros; aminoácidos sintéticos; Transferência embriões;

Descorna e outras mutilações;

Presença de animais geneticamente modificados;

NOTA: A título de esclarecimento, os procedimentos “recomendados” referem-se a práticas e produtos plenamente aceitos em agricultura orgânica, podendo ser utilizados sem restrições. O uso “restrito” relaciona-se a práticas e produtos que não são plenamente compatíveis com os princípios da agricultura orgânica, devendo ser limitados a usos específicos, como no caso do período de conversão. Os procedimentos “proibidos” referem-se a práticas e produtos não permitidos nos programas de certificação. O uso dessas práticas ou substâncias constitui transgressão grave, que pode resultar em cancelamento do contrato e do uso do selo oficial de garantia.

De acordo com os princípios da agricultura orgânica a atividade animal deve estar, tanto quanto possível, integrada à produção vegetal, visando à otimização da reciclagem dos nutrientes (dejetos animais, biomassa vegetal), uma menor dependência de insumos externos (rações, volumosos) e a potencialização de todos os benefícios diretos e indiretos advindos dessa integração. Portanto, como comentamos, é importante que a criação seja planejada de forma a se integrar nas demais atividades da propriedade. Na prática, a produção animal ainda está pouco integrada à produção vegetal.

No que diz respeito à alimentação dos animais, as normas recomendam a produção própria dos alimentos orgânicos (volumosos e concentrados) por meio da formação e manejo das pastagens, capineiras, silagem e feno. Neste aspecto, é importante que a maior parte da alimentação seja orgânica e venha de dentro da propriedade. Além dos bovinos, a alimentação de outros animais, deve ser complementada com material verde fresco (hortaliças, rami, guandu, gramíneas e outros). Inicialmente, os animais deverão ser alimentados com no mínimo 50% de produtos orgânicos. Com o passar do tempo serão toleradas percentagens de no máximo 20% de alimentação de origem não orgânica.

Em relação ao tratamento veterinário, o objetivo principal das práticas de criação orgânicas é a prevenção de doenças. Saúde não é apenas ausência de doença, mas habilidade de resistir a infecções, ataques de parasitas e perturbações metabólicas. Desta forma, o tratamento veterinário é considerado um complemento e nunca um substituto às práticas de manejo. O princípio da prevenção sempre vem em primeiro lugar e, quando é preciso intervir, o importante é procurar as causas e não somente combater os efeitos. Por isso, é importante a busca de métodos naturais para tratamento veterinário. O tratamento homeopático já vem sendo utilizado com bons resultados e diminuição de custos.

Em relação ao manejo do rebanho, as instalações (galpões, estábulos, galinheiros e outros) devem ser adequadas ao conforto e saúde dos animais, o acesso a água, alimentos e pastagens também deve ser facilitado. Além disso, as instalações devem possuir um espaço adequado à movimentação e o número de animais por área não deve afetar os padrões de comportamento. De forma geral, sugere-se que o regime de criação seja de preferência extensivo ou semi-extensivo, com abrigos. As mutilações de animais e utilização de substâncias destinadas à estimular o crescimento ou modificar o ciclo reprodutivo dos animais são contrários ao espírito da produção orgânica e, portanto, são proibidos. O transporte dos animais deve ser efetuado de forma a respeitar os animais, evitando qualquer tipo de brutalidade inútil. Além disso, o abatedouro deve ser o mais próximo possível das propriedades.

Em síntese, a qualidade de vida do animal tem profunda relação com a possibilidade do animal adoecer. Assim, um animal que é confinado com grande concentração de indivíduos, espaço limitado para locomoção, sem possibilidade de expressar seus modos naturais de comportamento, fica profundamente perturbado, sujeito a manifestações de estresse e sistema imunológico. Como qualquer indivíduo nessas condições, os animais ficam mais propensos a doenças. Além de ajudar no equilíbrio técnico e ecológico da propriedade, a produção animal contribuí eficazmente na geração de renda. Para se ter uma idéia, de um conjunto de 57 propriedades orgânicas que acompanhamos na região metropolitana de Curitiba, as que obtiveram melhor desempenho econômico foram aquelas que tinham a produção animal como “carro-chefe”, aliado à transformação de produtos vegetais. Todavia, constatamos algumas dificuldades para expansão mais rápida da pecuária orgânica.

Segundo os criadores que mantivemos contato no estudo citado anteriormente, para o produtor que está iniciando na pecuária orgânica o principal entrave está relacionado à dificuldade de cumprir todas as normas exigidas pela certificadora, mostradas resumidamente no quadro 1. Além disso, existe o problema da comercialização de produtos animais orgânicos pela falta de uma legislação adequada aos alimentos orgânicos de origem animal. Para ilustrar a necessidade urgente de uma legislação para o setor, vale lembrar que no Paraná um grupo de agricultores do município de Witmarsun, a cerca de 60 km de Curitiba, já vêm produzindo leite orgânico, sem ter a autorização para constar no rótulo o nome “leite orgânico”. A saída dos produtores foi colocar no rótulo uma chamada dizendo que o leite foi produzido sem a utilização de ingredientes químicos desde a produção até o empacotamento.

Para finalizar, cabe destacar que ainda existe um grande trabalho de pesquisa e desenvolvimento a ser realizado para que os consumidores possam desfrutar de derivados de produtos animais orgânicos em quantidade, qualidade, diversidade e regularidade. De qualquer forma, existem muitas oportunidades e quem sair na frente terá um bom mercado para explorar.