Equipe da Embrapa Pantanal:
Sandra Aparecida Santos; Roberto Aguilar M. S. Silva; José Aníbal Comastri Filho; Sandra Mara Araújo Crispim; Aiesca Oliveira Pellegrin
Trabalho publicado em 04/01/2002
O sistema de produção da pecuária de corte orgânica baseia-se numa visão holística, que está inserido dentro de princípios de agroecossistemas sustentáveis, cujo enfoque engloba dois componentes essenciais: ambiental e social. Este sistema objetiva uma produção que mantenha o equilíbrio ecológico dos agroecossistemas e com a satisfação, direta, ou indireta , das necessidades humanas.
O Pantanal instituido recentemente como ‘Reserva da Biosfera’, é uma planície periodicamente inundável, caracterizada pela presença de extensas áreas de campos naturais, favorecendo a atividade pastoril, razão pela qual, a região tem sua economia voltada principalmente para a exploração extensiva da pecuária de corte. O Pantanal é formado por grandes propriedades privadas, cujo manejo tradicional da pecuária extensiva por cerca de 200 anos tem contribuído para a conservação dessa região única no mundo. Vários criadores pantaneiros vem se associando, com o objetivo de beneficiar-se deste sistema natural de criação, procurando alternativas tecnológicas para aumentar a produtividade animal de forma sustentável.
O manejo sustentável de sistemas complexos, como o Pantanal, é extremamente difícil e constitui o principal desafio de cientistas, técnicos e proprietários rurais. O aproveitamento de uma área no Pantanal não deve ser unilateral, sendo necessário entender todo o processo (interações entre componentes bióticos e abióticos) e o papel de cada espécie no seu respectivo ecossistema. Portanto, o manejo sustentável deve se basear nos requerimentos das espécies de flora e fauna integrado com os requerimentos dos animais exóticos introduzidos e as necessidades do homem, levando-se em consideração as limitações do ambiente.
O Pantanal é constituído por várias fitofisionomias (unidades de paisagem) que compõem um conjunto de hábitats. Dentro deste conjunto de hábitats, existem vários tipos que embora de tamanho reduzido, constituem ambientes chaves para a manutenção biológica do sistema, tais como capões (ilhas circulares de matas mais elevada que a planície inundável), cordilheiras ( cordões arenosos com altura de 1 a 3 m acima da planície alagável, coberta por vegetação de cerrado, cerradão e mata), lagoas permanentes (baías), corixos, vazantes, ninhais, etc. As funções destes hábitats são múltiplas e complexas (Junk e Silva, 1997).
Embora a produção pecuária bovina no Pantanal esteja próxima a um sistema orgânico de produção, para a sua certificação são exigidos alguns critérios/procedimentos básicos descritos na Instrução Normativa nº 007 e normas da certificadora responsável. Além do mais, deve atender a legislação ambiental vigente Lei nº 4771, de 15 de setembro de 1965 e, de 17 de maio de 1999. Portanto, na região do Pantanal, nem sempre todas as propriedades terão condições viáveis para a implantação do sistema orgânico.
Para a implantação de um sistema orgânico no Pantanal, é importante caracterizar as propriedades em função dos diferentes de tipos fitofisionômicos e a ocorrência/intensidade de inundação, pois estes são fatores importantes a serem considerados quando da tomada de decisões para a conservação, uso e ocupação da área, especialmente em relação a produção de bovinos. As áreas devem ter capacidade para manter os animais durante o ano todo, ou seja, em condições adversas de seca e cheia. Para atender este requisito é necessário mapear as invernadas (Santos et al., 2000), visando conhecer os tipos de pastagens disponíveis (fitofisionomias) e a proporção da área inundada, em anos de máxima inundação.
No caso de propriedades que podem sofrer inundação em toda a área (foto 1), e que necessitam utilizar o manejo integrado entre duas propriedades ou duas áreas distantes uma da outra (dentro do Pantanal), ambas as propriedades/áreas utilizadas devem estar dentro dos critérios mínimos de produção orgânica, ou seja, certificadas.
Foto 1 – Vista aérea do Pantanal, durante anos que ocorrem máxima inundação.
As áreas ideais devem ter como base as fitofisionomias preferidas por bovinos para pastejo que são campo limpo com predominância de espécies preferidas, tais como Axonopus purpusii, Mesosteum chaseae, entre outras e áreas baixas como bordas de baías permanentes, baías temporárias, vazantes e baixadas em geral.
A taxa de lotação deve ser leve a mediana (estimada em função da proporção de tipos fitofisionômicos disponíveis), pois a pressão de pastejo é o principal fator que influencia a condição ecológica do ecossistema pastagem e o nível de produção animal. Invernadas que possuem maior proporção de áreas de campo limpo e áreas baixas apresentam maior capacidade de suporte, porém, esta situação depende do nível/distribuição de precipitação, da área inundável e tempo de inundação;
A estimativa da capacidade deve ser flexível em função das condições ambientais. É recomendável que o sistema seja auto-sustentável com a utilização dos recursos localmente disponíveis, sendo que, nem sempre isto será possível. Por exemplo, no caso de inundação de grande parte das áreas preferidas por bovinos e de não haver áreas altas que suportem a produção animal, uma opção seria a suplementação das vacas com alimentos de origem orgânica, pois dentro do sistema orgânico, os animais não devem passar por restrições alimentares. Portanto, o produtor deve trabalhar com estratégias de manejo, variáveis em função das condições ambientais.
As áreas escolhidas devem possuir fitofisionomias o mais natural possível, com pouca influência antrópica. Evitar áreas com modificações antrópicas severas como construção de diques, áreas degradadas, etc. Evitar áreas com pastagens degradadas. Para isto, sugere-se usar algumas espécies indicadoras de degradação, tais como Richardia grandiflora, Walteria communis, Stilpnopappus trichospiroides, entre outras. Nesta avaliação também é de extrema importância considerar o nível de cobertura do solo.
foto 2 – Pode ser visualizado algumas fitofisionomias típicas da sub-região da Nhecolândia, Pantanal.
Foto 2 – Vista aérea da sub-região da Nhecolândia durante o período de seca, onde 1- as áreas mais baixas como bordas de baías, vazantes e baixadas em geral são usadas para forrageamento por vários herbívoros silvestres como veado campeiro (Ozotocerus bezoarticus leucoagaster) (Soares e Santos, 1996), capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris), entre outros. Além do mais, estas áreas constituem num banco de proteína para os bovinos e eqüinos, pois possuem espécies de alta qualidade nutricional, sendo altamente preferidas por estes animais (Santos, 2001). Portanto, estas áreas devem ser preservadas; 2 – no caso de espécies cultivadas, estas devem ser introduzidas, preferencialmente, nas áreas de campo-cerrado, capim vermelho (Andropogon hypogynus) e também áreas pouco usadas para pastejo como ‘caronal’ (áreas com predominância do capim carona (Elyonurus muticus), áreas de campo sujo (Comastri-Filho, 1997), e outras identificadas ‘in loco’; 3 – O desmatamento de capões e cordilheiras (áreas pouco ou não alagáveis) não é recomendável, pois destrói hábitats chaves, com flora e fauna específicas, que tem a função de refúgio e sítios de nidificação de numerosas espécies. No Pantanal, existem cerca de 656 espécies de aves. Em habitat de floresta, ocorrem 443 espécies de aves (67,5%), e o restante, em habitats de alguma forma abertos como cerrados, campos inundáveis, rios, baías, corixos e pastagens. Um total de 286 espécies (43,6%) ocorrem somente em floresta (Cintra e Antas, 1996). Estudos de Tubelis e Tomas (1996) tem mostrado que a fragmentação das cordilheiras tende a reduzir a diversidade e abundância de espécies de aves de habitats florestais no Pantanal. Pelo menos 156 espécies de aves (23,7%) no Pantanal vivem ou dependem de alguma forma de ambientes aquáticos As espécies encontradas na planície de inundação ou áreas úmidas do Pantanal certamente estão adaptadas às condições de cheias e secas do rio Paraguai (pulsos de inundação).
Assim, qualquer alteração antrópica de grande magnitude, que altere esses pulsos, reduzirá a diversidade e abundância de animais, podendo extinguir muitas espécies ainda nem sequer catalogadas (Lourival et al., 1999).
Nas propriedades que possuem grande proporção de cordilheiras em todas as invernadas, pode-se aceitar o desmatamento de parte desta área, desde que não sejam áreas de reserva legal (20% da propriedade) e de preservação permanente, situada ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, a critério de autoridade competente. Também, deve ser considerado a proteção de sítios ambientais importantes para a fauna já comentados anteriormente. Além do mais, estas áreas constituem recursos cênicos, importante para o ecoturismo e possuem um banco de germoplasma forrageiro ainda pouco estudado.
No caso de certificar apenas parte (invernada) da fazenda como de produção orgânica, a área escolhida deve ser aceirada interna e externamente para evitar queimadas/incêndios acidentais.
As propriedades devem dispor de infra estrutura mínima, tais como vias de acesso facilitadas, meios de comunicação, etc., pois o transporte dos animais pode ter influência negativa sobre o bem estar animal e a qualidade da carne.
Na implantação de qualquer sistema de produção, especialmente o orgânico, ocorre a necessidade de medir o impacto sobre atributos ambientais tais como erosão do solo, estado de conservação da pastagem, diversidade de plantas e avi-fauna, qualidade da água, entre outros. Desta forma, será necessário conhecer processos ecológicos chaves que possam fornecer indicadores ambientais para tomadas de decisões e servir como base para desenvolver e interpretar sistemas de monitoramento.
Foto 3 – No Pantanal, os bovinos vivem em conjunto com os grandes herbívoros silvestres, como o veado campeiro.
Neste sistema o produtor pantaneiro deve preocupar-se com o sistema com um todo, de modo que a produtividade obtida seja economicamente viável, ecologicamente saudável e socialmente justa.
REFERÊNCIAS
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SOARES, A.C. da; SANTOS, S.A. Identificação da composição botânica da dieta do veado-campeiro (Ozotocerus bezoarticus leucoagaster) na Nhecolândia, Pantanal. In: SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SÓCIO-ECONÔMICOS, 7., 1996, Corumbá. Manejo e Conservação. Resumos… Brasília – SPI, 1996, p.103.
TUBELIS, D.P.; TOMAS, W.M. Distribuição de espécies de aves em ambientes florestais no Pantanal: relação com a área do habitat. In: SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SÓCIO-ECONÔMICOS, 7.,1996, Corumbá. Manejo e Conservação. Resumos… Brasília – SPI, 1996, p.105-106.