Luiz Aroeira
Introdução
A preocupação com o meio ambiente levou os países da Organização das Nações Unidas a assinarem um acordo que estipulasse algum tipo de controle sobre as intervenções humanas no clima. Este acordo foi ratificado por 141 países responsáveis por 55% das emissões globais e entrou em vigor em 16 de janeiro de 2005. Foi denominado Protocolo de Kyoto, devido ao fato de ter sido assinado na cidade de Kyoto, Japão.
O protocolo estabelece metas para a redução de emissões de gases de efeito estufa nos países industrializados e um modelo de desenvolvimento limpo para as nações emergentes. Determina que entre 2008 e 2012 os 30 países mais desenvolvidos diminuam em 5% as emissões em relação ao total registrado em 1990. Para os países em desenvolvimento, como o Brasil, o protocolo não prevê compromissos de reduções na emissão de gases de efeito estufa (GEE). O principal papel dos países em desenvolvimento é o de diminuir as emissões a partir de mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) e o papel de sumidouro de dióxido de carbono através das suas florestas.
Crédito de Carbono
É o mecanismo que permite aos países em desenvolvimento, vender “créditos de carbono” a um país desenvolvido para que este possa atender parte da redução de emissões de gases de efeito estufa exigida pelo protocolo de Kyoto. Portanto, os países que não conseguirem atingir suas metas terão liberdade para investir em projetos MDL de países em desenvolvimento.
Pré-requisitos do MDL
Segundo a www.biodiselbr.com (2007) há uma série de critérios para reconhecimento desses projetos, denominados MDL. Devem estar alinhados às premissas de desenvolvimento sustentável do país hospedeiro e definidos por uma Autoridade Nacional Designada. No caso do Brasil, tal autoridade é a Comissão Interministerial de Mudança do Clima. Somente após a aprovação pela Comissão, é que o projeto pode ser submetido à ONU para avaliação e registro.
Os projetos, para serem aprovados, pela ONU, devem atender ao pré-requisito da adicionalidade. Assim, além de uma redução líquida de emissões significativa, existem outras exigências para que o projeto seja considerado adicional, como uma classificação preliminar referente à data do início de suas atividades, identificação de alternativas consistentes com a legislação corrente e regulamentação local, análise de investimento, análise de barreiras, e impactos do registro como MDL. Muitas vezes, os projetos que apresentam argumentos que demonstram que estes só se viabilizam caso recebam o aporte de recursos do MDL, têm sido preferidos.
Sob a ótica do desenvolvimento sustentável, no caso do Brasil, a Resolução n° 1 da Comissão Interministerial de Mudança do Clima determina que os projetos a ela submetidos, aportem substanciais benefícios ambientais e sociais, garantindo a geração de emprego e renda.
A metodologia a ser utilizada para desenvolvimento, monitoramento e verificação precisam estar previamente avaliados, aprovada e registrada pelo Comitê Executivo do MDL. Isto visa garantir que os projetos sejam desenvolvidos obedecendo tal metodologia, reconhecida previamente pelo Painel Metodológico da ONU.
Para tanto, o projeto deve mostrar que muda toda uma realidade, baseado em cenários de tendências caso este não se implante, o que também é chamado de “linha de base”. Uma das principais dificuldades existentes é a falta de pesquisas que subsidiem, tecnicamente, tais linhas de base, e que possibilitem a aprovação de metodologias, necessárias ao desenvolvimento dos projetos.
Outra grande limitação é o custo de transação dos projetos, cujo valor mínimo gira em torno de US$ 150 mil. Na tentativa de viabilizar o acesso a proponentes de baixa renda, ou mesmo fomentar projetos de menor volume de RCE (Redução Certificada de Emissões), foi aprovada, no âmbito da Convenção, uma modalidade diferenciada para contemplar projetos de pequena escala, com exigências e metodologias simplificadas, no intuito de reduzir os custos de transação, de forma a incentivar o envolvimento de pequenos empresários, através de arranjos associativistas.
No Brasil, foi criado o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões. A idéia básica é a de organizar o mercado primário, por meio de um banco de projetos, com sistema de registro, armazenamento e classificação dos mesmos. Isto terá implicações interessantes, como a redução dos custos de transação, conferindo maior visibilidade para os investidores, auxiliando inclusive na identificação destes no mercado por parte dos proponentes.
Situação do Brasil nas atividades de MDL
O Brasil é um dos países em estágios mais avançados em termos de preparação para o Protocolo de Kyoto e para o MDL. Como já mencionado anteriormente, existe uma Autoridade Nacional Designada (AND) constituída por onze Ministérios coordenados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Somente após a aprovação pela Comissão, é que o projeto pode ser submetido à ONU para avaliação e registro
O Brasil deve se beneficiar deste cenário como vendedor de créditos de carbono, e também como alvo de investimentos em projetos engajados com a redução da emissão de gases poluentes, como é o caso do biodiesel. O país possui 231 projetos de MDL que representam a não emissão de 204.314.584 toneladas de CO2 ou seu equivalente em outros gases. De acordo a estimativas do Banco Mundial, o Brasil apresenta uma participação de 10% do mercado de MDL, em 2007.
Os projetos de MDL referem-se principalmente:
a) aterros sanitários, que impede o metano de ir para a atmosfera;
b) uso de biomassa para produção de álcool. A queima de álcool libera tanto CO2 quanto à queima de gasolina. Só que na produção de álcool, há um seqüestro de carbono bem maior que na queima no motor.
c) energia eólica;
d) hidrelétricas;
e) troca de combustível fóssil por energia renovável;
f) suinocultura.
Florestamento e Reflorestamento
Atualmente existe um pequeno numero de projetos, de florestamento e reflorestamento autorizado pela ONU a comercializar créditos de carbono no Brasil. Dentre esses destaca o Projeto Plantar, localizado, em Minas Gerais e tem como objetivo a redução das emissões de gases do efeito estufa por meio do estabelecimento de plantios sustentáveis de florestas de eucalipto para suprir o uso de carvão vegetal na produção de ferro primário, ao invés de coque de carvão mineral ou biomassa não-renovável. Outra iniciativa no que concerne a reflorestamento refere-se ao plantio de Acácias (Acacia mangium), no lavrado de Roraima.
Entretanto, iniciativas de reflorestamento também pleiteiam créditos-carbono nos mercados paralelos, pois, apesar de previstas no MDL, apresentam complicações. Sua metodologia ainda está sendo discutida, devido à dificuldade de medir o carbono absorvido pelas árvores em crescimento, particularmente se forem de espécies diferentes, como ocorre em uma floresta nativa. Além disso, nem todos preenchem o critério da adicionalidade previsto pelo MDL, já que o reflorestamento é uma atividade praticada há muito tempo, com objetivos comerciais. Também se coloca a questão do controle dessas áreas, uma vez que o governo já enfrenta obstáculos para fiscalizar as florestas ainda em pé. (Carlos Rittl, citado por Camargo, 2006). Assim, muitos desses créditos são negociados bilateralmente, com a intermediação de organismos de fomento, ou por meio de bolsas eletrônicas. Algumas empresas brasileiras buscam negócios na Chicago Climate Exchange (CCX). Essa bolsa foi criada em 2003 como resultado da associação de empresas e instituições públicas norte-americanas que assumiram o compromisso de reduzir emissões de gases de efeito estufa. Em Chicago, o valor da tonelada de CO2 é cotada abaixo do patamar das negociações no âmbito do MDL. Contudo, apesar da diferença de preço, essa bolsa é particularmente atraente para o setor de reflorestamento que não encontra nas regras de Kyoto metodologia para aferir a quantidade de CO2 capturada pelo projeto. “As áreas de floresta reúnem árvores de espécies diferentes, com idades distintas, têm grande variação regional e ainda por cima, são sujeitos a incêndios”, (www.cni.org.br INDÚSTRIA BRASILEIRA 39, 2005).
Florestas preservadas.
A preservação das florestas existentes não é contemplada como fonte de crédito de carbono, nesta primeira fase do protocolo de Kyoto. Em julho de 2001, o acordo de Bonn definiu regras para projetos florestais no MDL referente ao primeiro período de compromisso (2008- 2012), e excluiu crédito para desmatamento evitado nesse período. Projetos de “uso da terra, mudança de uso da terra e florestas” seriam limitados a reflorestamento e florestamento, ou seja, o plantio de árvores em locais que eram ou não historicamente florestados, respectivamente.
Embora o MDL pudesse render bastante dinheiro para o Brasil (Fearnside, 1999b, 2000a), muito mais poderia ser ganho se o País fosse aderir ao Anexo B e vender credito ganho pela diminuição do desmatamento, usando o “comercio de emissões” de Artigo 17 do Protocolo (Fearnside, 1999c). Segundo o autor, esta possibilidade independe da inclusão ou não de desmatamento evitado no MDL e poderiam dar ênfase aos projetos que, realmente, evitariam o desmatamento. Seriam financiados somente os projetos visando à proteção das florestas ameaçadas de desmatamento imediato. Um exemplo típico seria o de projetos enfocados para preservar as florestas de Rondônia, muito ameaçadas, enquanto que florestas em áreas remotas do Estado do Amazonas não receberiam nenhum benefício de crédito de carbono, se protegidas como reservas. Em outras palavras, para ganhar o crédito de carbono, apenas as reservas próximas à frente de desmatamento seriam recompensadas, enquanto, para a biodiversidade, pode ser muito mais barato implantar grandes reservas em áreas relativamente pouco ameaçadas.
As áreas mais ameaçadas são também as áreas com os maiores problemas de conflitos de terra, com população precisando re-assentamento, com preços de terra altos, e com, provavelmente, custos altos de contratação de guardas e outras medidas defensivas para afastar a ameaça de invasão.
Além do mais, principalmente, nestas áreas mais ameaçadas poderia ser mais expandido o conceito do carbono social. Carbono social é aplicado, atualmente em alguns projetos de MDL e de Mercado Voluntário de Carbono. Consiste em uma metodologia desenvolvida por algumas organizações não governamentais (ONGs) que compreende a avaliação de todos os recursos de sustentabilidade: recurso social, natural, humano, biodiversidade, financeiro e carbono, promovendo a interação entre os projetos e as comunidades. O seu conceito surgiu da necessidade de garantir que projetos designados a reduzir e mitigar emissões de gases causadores do efeito-estufa pudesse fazer uma contribuição genuína para o desenvolvimento sustentável, incorporando um método transparente de mensurar e apresentar os benefícios vivenciados pelas comunidades envolvidas nos projetos. O conceito garante que os serviços ambientais providos por estas comunidades tenham um valor justo. Isto incrementa as chances de sucesso dos projetos, e faz deles um investimento mais seguro para aqueles que querem financiá-los.
Sistema de pagamento por serviços ambientais na Costa Rica
No ano de 1969 aprovou-se, na Costa Rica, uma Lei Florestal que previa a concessão de incentivos econômicos, principalmente exonerações de impostos aos que plantavam árvores. Posteriormente, uma nova legislação veio a produzir algumas mudanças nos incentivos oferecidos, tratando não apenas de abarcar um maior número de beneficiários, mas também as atividades de conservação. Se bem que estas alterações tenham melhorado o sistema de incentivos e reverteram a taxa de deflorestação, a floresta e as árvores em pé, ainda, eram vistos apenas pelo seu valor como madeira ou produtos florestais. Recentemente, esta visão mudou ao sentir-se a influência de elementos do setor conservacionista que vêem na floresta uma fonte de produtos e benefícios não madeiráveis. Estes vêem na floresta o habitat onde vive a maioria dos seres vivos e em especial, muitas espécies em perigo de extinção, de onde são extraídas plantas medicinais, mananciais de água potável, e beleza paisagística. Assim, começou a tomar-se consciência dos múltiplos benefícios fornecidos pela floresta e não apenas do seu valor como madeira, favorecendo a idéia, na Costa Rica, da floresta como fonte de serviços ambientais (RUSSO & CANDELA, 2006).
Estes serviços ambientais são definidos como os serviços disponibilizados pelas florestas e as plantações de árvores que apresentem um efeito direto sobre a proteção e melhoria das condições ambientais. Estes incluem certificados de emissões de gases que provocam efeito de estufa, proteção da água, proteção da biodiversidade (com objetivos de preservação e objetivos de investigação científica, nomeadamente farmacêutica), proteção de ecossistemas, formas de vida e lugares de beleza paisagística (para fins científicos e recreativos) etc.
O governo concede estes pagamentos pelos serviços ambientais a proprietários privados de terras, por um período de cinco anos. No que diz respeito ao financiamento, no País existe um imposto sobre os combustíveis de 5%, cujos fundos são utilizados para financiar o programa. Contudo, o mais inovador neste processo é que, para além dos fundos deste imposto, a Costa Rica vende créditos de carbono através de projetos de Implementação Conjunta desenvolvidos, de acordo com o estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática e estes fundos também são utilizados para financiar os pagamentos aos proprietários. Por exemplo, o governo da Noruega comprou créditos de carbono à Costa Rica no valor de 2.000.000 dólares americanos. Quando se efetuam estes pagamentos, faz-se um contrato obrigatório inscrito no Registro de Propriedade entre os proprietários que vendem o seu serviço ambiental de fixação de carbono e o governo (RUSSO & CANDELA, 2006).
Considerações Finais
Não existe dúvida de que a participação do Brasil, no mercado de créditos de carbono deverá aumentar muito nos próximos anos. Existe toda a perspectiva de programas de biodiesel a serem implantados e o aumento da energia denominada limpa como a elétrica e a eólica.
Entretanto, projetos de florestamento e reflorestamento deverão ser incentivados. Deverão ser buscadas metodologias mais precisas que avaliem com maior precisão a quantidade de CO2 seqüestrada a partir do uso desta tecnologia. Além disso, deverão ser buscadas fontes alternativas de financiamento, visto que muitas das metodologias existentes atualmente, não se enquadrem, perfeitamente, dentro das normas do MDL, preconizadas pelo protocolo de Kyoto. Isto deverá beneficiar projetos de menor escala e diminuir os gastos de implantação registro dos mesmos com os chamados RCE (redução certificada de emissões).
O denominado carbono social deve ser incentivado e a exemplo da Costa Rica, ser criado um mecanismo oficial que favoreça a preservação de biomas ameaçados (Floresta Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado etc.), e estabelecendo incentivos ao uso ecológico da terra nas áreas de transição da floresta como o extrativismo controlado, agroflorestas, sistemas silvipastoris etc.
O relatório do Banco mundial de sobre pesquisas de políticas para América Latina e Caribe, de 2006, sugere: Nessa região, a densa floresta tropical é freqüentemente desmatada para criar pastos que valem pouco mais de algumas centenas de dólares por hectare, ao passo que libera enormes volumes de dióxido de carbono. Porém, as reduções dessas emissões poderiam valer muito mais para o mundo como um todo. Em outras palavras, a floresta vale mais como carbono armazenado do que como pasto. O desafio é criar instituições que permitam aos países da América Latina e do Caribe tirar proveito desse valor e utilizá-lo para manter os serviços ambientais das florestas, bem como criar alternativas sustentáveis para a agricultura em terras já degradadas.
A preocupação com as florestas tropicais é mundial. Iniciativas vêm sempre surgindo no sentido de financiar esta a preservação. Foi recentemente publicado que: As comunidades mais pobres dos países em desenvolvimento serão as grandes beneficiadas com o anúncio, recentemente publicado, da segunda fase do BioCarbon Fund, do Banco Mundial. O fundo é uma parceria público/privada que fornece financiamentos para a redução das emissões de gases do efeito estufa, criado com o objetivo de abrir o mercado de carbono para atividades florestais e agrícolas.
Referências Bibliográficas
CAMARGO, B. ONG Repórter Brasil, Comércio de Ar Puro, 01/01/2006.
FEARNSIDE PHILIP M. Serviços Ambientais como Uso Sustentável de Recursos Naturais na Amazônia, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) C.P. 478 – 9011-970 Manaus-Amazonas, Fax +55 (92) 642-8909 e-mail: pmfearn@inpa.gov.br 26 de junho de 2002
RUSSO, R.O., CNDELA, G. Payment of environmental services in Costa Rica: evaluating impact and possibilities. Earth University, Costa Rica, 2006.