Parte III: De 1990 até os dias atuais.
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Em 1989, o Conselho Nacional de Pesquisa (NRC) – um órgão formado por representantes da Academia Nacional de Ciências, da Academia Nacional de Engenharia e do Instituto de Medicina, todos dos EUA, dedicou-se a um estudo detalhado sobre a agricultura alternativa. Este trabalho culminou com a publicação do relatório intitulado “Alternative Agriculture” um dos principais reconhecimentos da pesquisa oficial a esta tendência da produção agrícola.
Em 1992, com a Conferência Mundial da ECO92, no Rio de Janeiro – Brasil, surge o conceito de sustentabilidade, que manifestou uma nova ordem mundial que expressa a vontade das nações de conciliar ou reconciliar o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, em integrar a problemática ambiental ao campo da economia. Mais do que um conceito que orienta de maneira imediata ação e decisão, a sustentabilidade manifesta em primeiro lugar uma problemática de aspectos múltiplos (científico, político, ético) oriunda da emergência de problemas ambientais em escala planetária e principalmente da percepção do risco subjacente.
A partir dos anos 90 emergem os processos de certificação ambiental dos produtos agrícolas – como os “selos verdes”. A certificação ambiental fundamenta-se no princípio da produção com uso de técnicas e processos que não degradem o meio ambiente. A iniciativa de certificar tem partido quase que exclusivamente de organizações não governamentais, que estabelecem os seus critérios próprios de certificação, o que para a agricultura, refere-se a produtos orgânicos ou biodinâmicos.
Em 1999, após a mobilização das ONGs brasileiras que trabalhavam direta ou indiretamente com a agroecologia, é publicada a Instrução Normativa 007/99, que traz, entre outras novidades a criação de um Órgão Colegiado Nacional e dos respectivos órgãos estaduais, responsáveis pela implementação da Instrução Normativa e fiscalização das certificadoras e a exigência de que a certificação seja conduzida por entidades nacionais e sem fins lucrativos (BRASIL, 1999).
De acordo com Da Silva (1999), a transformação da certificação de produtos orgânicos de um processo interno e próprio das ONGs (que consideram as diversas características de uma localidade: socioeconômicas, ecológicas, culturais, etc.) para modelos nacionais e oficiais de normas vai requerer alguns cuidados para questões que necessitarão ser estudadas.
Uma delas é que, a partir da institucionalização da certificação, são abertos “nichos” de mercado que demandam produtos com características e padrões que oferecem grandes possibilidades de inserção para os produtos provenientes da agroecologia, nas diferentes redes de distribuição e nos seus diferentes níveis de abrangência (local, regional, nacional e internacional). Contudo, a concretização de tais oportunidades vai depender das estratégias de organização e articulação da produção e das quantidades demandadas dos produtos (Campanhola, 1999). Neste cenário, é o público, são os consumidores que, nos países de alto nível tecnológico, levam à implementação de novos compromissos seja com os produtores, seja com o poder público.
Globalmente, pode-se dizer que a agroecologia (incluindo todas as suas correntes: orgânica, biodinâmica, natural, ecológica, permacultura) emerge como uma nova visão de mundo ( chamada no meio acadêmico de “paradigma”), que eleva a agricultura a um novo patamar, que supõe uma diferenciação social. O recurso às tecnologias sustentáveis passa por um investimento em equipamentos e técnicas específicas e por um acesso privilegiado à informação. Nesse ponto, cabe uma pergunta. “Estarão todas as formas de
agricultura em posição de igualdade
diante de tais desafios?”
Considerar o acesso à informação como um novo insumo não é uma simples fórmula e é possível estimar que alguns segmentos ficarão ainda mais dispersos, se considerarmos os desafios à extensão rural, cuja eficiência pode ser reduzida por políticas públicas que concentrem permanentemente a informação e as tecnologias apenas nos agentes de maior poder econômico. Assim, aumenta o contingente de produtores suscetíveis a serem excluídos, por insuficiência de renda ou por impossibilidade de aumentarem um acréscimo nas margens de trabalho ou de risco econômico.
Por isso, no momento atual é importante ressaltar que a agroecologia como um novo paradigma técnico-científico, ambiental e cultural está sendo construída de forma progressiva e desigual, com base em uma grande multiplicidade de práticas produtivas, de ecossistemas e de estratégias diversificadas de sobrevivência econômica….(Almeida et. al, 2001:43). O aprendizado dessa nova maneira de pensar e fazer agricultura passa por experiências de êxito e fracasso, como todo projeto que é idealizado e realizado pela sociedade.
Portanto, é razoável pensarmos que em países em desenvolvimento como o Brasil, o desafio da produção de alimentos em sistemas agroecológicos dentro de uma economia globalizada e flexível, implica na retoma do debate sobre políticas públicas amplas e diferenciadas, reforma agrária, agricultura familiar e segurança alimentar. Fica claro, porém, que apesar de não ser pequeno, é imprescindível o esforço de toda sociedade para uma mudança de paradigma da pesquisa agrícola, principalmente, quando esta se encontra atrelada a alterações sociopolíticas de caráter estrutural.
Fontes:
Almeida, Silvio G.; Petersen, P& Cordeiro, A Crise Socioambiental e Conversão Ecológica da Agricultura Brasileira: subsídios à formação de diretrizes ambientais para o desenvolvimento agrícola. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2001.
Billaud, Jean-Paul. Agricultura sustentável nos países desenvolvidos: conceito aceito e incerto. Agricultura Sustentável, p.25-44, jul/dez. 1995.
BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Instrução Normativa n. 007 de 17 de maio de 1999. Brasília, 1999. 12p. (mimeo)
Da Silva, Marco Antônio. Normatização e certificação da produção orgânica: presente e futuro. In: In: 3a Conferência Brasileira de Agricultura Biodinâmica, Piracicaba – SP, 14 a 17 de outubro de 1998. Anais. Miklós, Andreas A de W. (organizador). São Paulo: SMA/CED, 1999. 294p.
Campanhola, Clayton. A agricultura sustentável, a agroecologia e a pequena produção. In: 3a Conferência Brasileira de Agricultura Biodinâmica, Piracicaba – SP, 14 a 17 de outubro de 1998. Anais. Miklós, Andreas A de W. (organizador). São Paulo: SMA/CED, 1999. 294p.
Do Carmo, Maristela Simões. A Produção familiar como locus ideal da agricultura sustentável. Agricultura em São Paulo, v.45, n.01, p.1-15, 1998.
Ehlers, Eduardo. O que se entende por agricultura sustentável? Projeto de Dissertação de Mestrado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental/USP, 1993.
Ehlers, Eduardo. Agricultura Sustentável: Origens e perspectivas de um novo paradigma. São Paulo: Livros da Terra, 1996.
Ehlers, Eduardo. Agricultura Alternativa: uma perspectiva histórica. Revista Brasileira de Agropecuária, ano 01, n.01, p.24-37, 2000.
Frade, Carmem Oliveira. A construção de um espaço para pensar e praticar a Agroecologia na UFRRJ e seus arredores. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, 2000.
Pianna, Airton. Agricultura Orgânica: a subjacente construção de relações sociais e saberes. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, 1999.
Romero, Juan Ignácio. Questão agrária: latifúndio ou agricultura familiar. A produção familiar no mundo globalizado. São Paulo: Moderna, 1998.