Planeta Orgânico entrevista Gerald Herrmann, presidente da IFOAM, que virá ao Brasil para a BioFach América Latina e fará um discurso na cerimônia de abertura. Nesta entrevista ao Planeta Orgânico, Gerald Herrmann também responde a perguntas de Pedro Santiago, presidente da Câmara Setorial de Agricultura Orgânica.
Planeta Orgânico: Poderia a IFOAM apoiar o movimento orgânico brasileiro para acelerar a aprovação pendente da regulamentação orgânica no Brasil (O decreto que regulamentará a Lei 10.831/03)?
Gerald A. Herrmann: Estou ciente do processo em andamento no Brasil e, de fato, tenho a expectativa de que o decreto sobre a regulamentação orgânica o mais breve possível. A IFOAM, ela mesma uma federação democrática, aprecia os esforços do ministério para incluir as partes interessadas no processo, por exemplo, pelo estabelecimento da ‘Câmara Setorial da Agricultura Orgânica’. Uma questão muito importante que agora está esclarecida é o uso da palavra ‘orgânico’, que no passado poderia ser usada para qualquer produto de origem vegetal. Outro tópico importante é que a regulamentação reconhecerá os Sistemas Participativos de Garantia para os mercados locais, o que é uma boa coisa para o movimento orgânico, também fora do Brasil.
A regulamentação oferece uma oportunidade para a harmonização regional dos padrões e regulamentos orgânicos dentro da América Latina e Caribe. A IFOAM também aprecia o envolvimento do Governo Brasileiro no processo de harmonização global da regulamentação da agricultura orgânica.
Depois da assinatura do decreto, o movimento não poderá ‘relaxar’, mas tem um papel importante a cumprir: o de alimentar constantemente as estruturas do governo com as opiniões daqueles que vivenciam a regulamentação. Experiências na UE nos ensinaram que um regulamento pode parecer o fim do processo legislativo, mas na verdade é o início de outro. O Direito à Propriedade é muito importante, e para o movimento orgânico poder influenciar ou mesmo conduzir novos desdobramentos, precisa de atenção e cooperação contínuas. Tenho confiança em que os movimentos orgânico e agro-ecológico sejam capazes de atuar como poder moderador para o beneficio do setor.
Planeta Orgânico: No Brasil, várias organizações estão envolvidas na certificação participativa (por exemplo, a EcoVida), um sistema de certificação que é aprovado pelo governo brasileiro para o mercado doméstico. A IFOAM está envolvida no desenvolvimento de Sistemas Participativos de Garantia (SPGs) em muitas regiões do mundo. Por que a IFOAM está engajada nisto? Quais são os benefícios dos SPGs? Isso poderia ajudar a desenvolver o comércio regional de produtos orgânicos na América Latina, Ásia e África?
Gerald A. Herrmann: Primeiro deixe-me explicar que qualquer sistema que use os métodos da Agricultura Orgânica e seja baseado nos Princípios da Agricultura Orgânica é considerado pela IFOAM como ‘Agricultura Orgânica’; e qualquer agricultor que pratique tal sistema poderá ser chamado de ‘agricultor orgânico’. A Agricultura Orgânica traz contribuições valiosas para o agricultor e para a sociedade em geral, fora do âmbito do mercado. A IFOAM apóia a adoção da Agricultura Orgânica independentemente da maneira em que os produtos sejam garantidos e comercializados. A IFOAM considera a certificação de terceiros como uma ferramenta confiável para garantir o status de orgânico de um produto, e também uma que parece ser a mais pertinente num mercado anônimo, como o mercado orgânico internacional. A IFOAM desenvolveu um sistema abrangente de Normas e um programa de credenciamento para promover e desenvolver a certificação confiável de terceiros. Mas este tipo de certificação definitivamente não é ‘universal’ e não é a única ferramenta para descrever a agricultura orgânica.
Além da certificação de terceiros há outros métodos para garantir a qualidade orgânica para o mercado. Estes podem ser na forma de declarações próprias ou Sistemas Participativos de Garantia. Também há situações nas quais a relação entre os consumidores e os produtores é forte o bastante para servir como um mecanismo de criação de confiança suficiente, não sendo necessária nenhuma outra verificação em particular.
A produção orgânica que conta somente com os mercados de exportação é vulnerável às mudanças externas no mercado global e enfrenta competitividade crescente. Também, no contexto dos mercados locais, a certificação orgânica de terceiros poderia ser considerada um exagero para os propósitos do marketing direto e onerar demais os custos dos agricultores de pequena escala.
Os Sistemas Participativos de Garantia são, na maioria, flexíveis e enfatizam o processo de aprendizado. A IFOAM vê um potencial nesses sistemas participativos e iniciou um processo para a capacitação e para o melhor desenvolvimento de tais sistemas. São, por sua própria natureza, localizados e diversos, portanto, enquanto se pode concordar sobre alguns princípios gerais, eles não são tão padronizados quanto a certificação de terceiros. Também, os Sistemas Participativos de Garantia apóiam e encorajam grupos de produtores a trabalharem juntos e aprimorarem suas práticas agrícolas através do compartilhamento de conhecimento e experiências – uma oportunidade que pode ser perdida por agricultores orgânicos que trabalham com o sistema de certificação de terceiros.
Certamente, os Sistemas Participativos de Garantia podem ser usados como ferramenta para melhorar as condições sócio-econômicas e ecológicas locais, através do estímulo à produção e processamento de produtos em pequena escala. Nos mercados locais, eles ajudam os pequenos proprietários a terem seus produtos reconhecidos como orgânicos. As redes entre os consumidores e pequenos proprietários são fortalecidas e o ímpeto para os pequenos proprietários expandirem suas bases de produção é reforçado. A EcoVida é um exemplo positivo desse tipo de rede ao qual nos referimos com freqüência. A IFOAM, portanto, apóia o seminário EcoVida a se realizar no final de outubro.
No Brasil, o potencial para os mercados orgânicos domésticos é imenso. Os Sistemas Participativos de Garantia fornecem um mecanismo para pequenos proprietários que produzem volumes relativamente baixos de culturas variadas poderem comercializar sua produção destinada a venda como comprovadamente orgânica.
Estamos orgulhosos do fato que essas iniciativas, que usam seus próprios padrões escritos, freqüentemente baseiam-se nos Princípios e Padrões Básicos da IFOAM.
Eu gostaria de compartilhar com vocês os resultados do nosso projeto no Leste da África. O projeto “OSEA” – Regional Cooperation for Organic Standards and Certification Capacity in East Africa (Cooperação Regional para Padrões Orgânicos e Capacidade de Certificação no Leste Africano) – almeja melhorar a renda e o meio de vida de comunidades rurais no Leste da África, através da facilitação do comércio de produtos orgânicos por meio de um padrão regional e cooperação regional para certificação. O East African Organic Products Standard – EAOS (Padrão Leste-Africano de Produtos Orgânicos) é o segundo padrão orgânico regional no mundo, seguindo aquele desenvolvido pela União Européia. O EAOS e a associada East African Organic Mark (Marca Orgânica Leste-Africana) asseguram aos consumidores que os produtos assim rotulados foram cultivados em conformidade com um método padronizado fundamentado em métodos tradicionais complementados por conhecimento científico, e na gestão do ecossistema ao invés do uso de fertilizantes e pesticidas artificiais. Como a produção orgânica geralmente é vendida a preços com diferencial positivo em mercados externos de rápido crescimento, espera-se que o padrão aumente as vendas e os lucros para pequenos agricultores na região. Uma maneira de fortalecer este efeito é que a Marca Orgânica Leste-Africana também pode ser usada em produtos orgânicos verificados através de um Sistema Participativo de Garantia. Este é um maravilhoso resultado do projeto que posiciona os esforços e mercados locais num mundo globalizado.
Outro exemplo é que a FAO-India e o Ministério da Agricultura da Índia iniciaram um programa para o estabelecimento de um Sistema Participativo de Garantia para a Índia, dentro de um programa de cooperação técnica para a promoção da Agricultura Orgânica.
Como se vê, os Sistemas Participativos de Garantia, através de sua natureza localizada e diversa, têm potencial global!
Planeta Orgânico: Há anos, a IFOAM está em campanha contra o uso de OGM’s na agricultura. No Brasil esta é uma situação bastante aguda. Como você avalia a situação atual e qual é o caminho que o movimento orgânico deve seguir?
Gerald A. Herrmann: De fato, não há dúvida sobre a incompatibilidade de OGM’s com os princípios da Agricultura Orgânica. A IFOAM se opõe à engenharia genética em toda a agricultura, em vista do perigo sem precedentes que representa para toda a biosfera e os riscos econômicos e ambientais particulares que representa para produtores orgânicos. A IFOAM acredita que a engenharia genética na agricultura causa impactos ambientais negativos e irreversíveis, através da liberação de organismos que nunca antes existiram na natureza e que não podem ser eliminados posteriormente. Existe uma poluição do gene pool de lavouras cultivadas, de micro-organismos e animais, e de organismos fora das lavouras. A liberação de OGM’s implica na negação da liberdade de escolha, tanto para agricultores quanto para consumidores, uma violação dos direitos fundamentais dos agricultores à propriedade, e uma ameaça à sua independência econômica. Todas estas são ameaças inaceitáveis para as pessoas, para a humanidade e para a nossa Terra. Estas práticas são incompatíveis com os Princípios da Agricultura Orgânica (para consultar a versão em Português dos Princípios, acesse: http://www.ifoam.org/about_ifoam/pdfs/POA_folder_portugese.pdf).
Enquanto a IFOAM está defendendo a abolição total dos OGM’s em toda a agricultura, não podemos ignorar o fato que os OGM’s já estão em uso, e em alguns países como o Brasil, mesmo amplamente difundidos.
Os consumidores bem informados não querem OGM’s. Portanto a IFOAM insiste que seja introduzida rotulação obrigatória e abrangente para produtos agrícolas geneticamente modificados, uma vez que é necessário assegurar o direito de escolha do consumidor. A rotulação é importante para produtores e consumidores de alimentos orgânicos, como também para as entidades de inspeção e certificação orgânica. Isto porque certos produtos da agricultura convencional ou de origem não agrícola ainda são permitidos na produção orgânica. A fim de assegurar que a engenharia genética não entre na cadeia da produção orgânica através de tais compostos, se faz necessária uma rotulação confiável e abrangente. Ao mesmo tempo, a IFOAM é de opinião que a introdução, nos regulamentos orgânicos, de um nível limite para contaminação por OGMs, colocaria um ônus desnecessário sobre os produtores orgânicos, uma vez que o nível de contaminação está além de sua influência. Na verdade, o potencial de contaminação com OGM’s na produção orgânica tem a ver com o grau de rigor na regulamentação da introdução dos OGM’s, e não com a regulamentação orgânica em si. Ao mesmo tempo, eu entendo o desejo do movimento orgânico de permanecer livre de OGM’s por todos os meios. Os nossos esforços de advocacia, também em coordenação com ONG’s ambientais, concentram-se em trazer o problema de volta à sua origem: OGM’s e seus proponentes.
Mas o caso é mais amplo; os OGM’s são apenas um exemplo de um conceito atualmente dominante da chamada civilização, que leva à perda de biodiversidade e a mudanças no clima. Estes fenômenos são causados pelo homem e os efeitos são intimamente interdependentes. As idéias na base da atual agricultura convencional são a padronização e a intensificação, melhor expressas por enormes monoculturas.
No entanto, a estabilidade ecológica é baseada na diversidade. Eu observo, felizmente, um movimento global, vindo de diferentes direções, unindo-se para a causa comum de defender a diversidade contra as tendências destrutivas e ameaçadoras na produção agrícola, no uso da terra e na produção de alimentos. Uma variedade de movimentos de regiões livres de OGM’s, consumidores, aqueles que combatem a fome e a pobreza, guardadores de sementes, agricultores de subsistência, grupos femininos e os chamados movimentos ‘antiglobalização’, lutam para superar os desafios assustadores que a humanidade enfrentará no futuro. O Movimento da Agricultura Orgânica faz parte desse movimento maior que recorreu ao único principio comprovado de adaptação às mudanças de circunstâncias que a história natural nos traz: a diversidade. A IFOAM está engajada na organização do ‘Planet Diversity’ (‘Diversidade Planetária’), um festival e um congresso globais de Diversidade a serem realizados em maio de 2008, durante a Reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica e seu Protocolo sobre Bio-segurança, em Bonn, Alemanha. Ao realizar o evento em paralelo a essas reuniões internacionais significativos, nós também visamos influenciar e causar impacto sobre as negociações governamentais, especialmente aquelas sobre a responsabilidade e a reparação dos danos causados por OGM’s. O ‘Planet Diversity’ celebrará a biodiversidade natural e agrícola, a diversidade cultural dos alimentos e da agricultura. Seu objetivo principal é o de discutir como os agricultores, consumidores, produtores de alimentos e suas comunidades podem cooperar para enriquecer e defender essa diversidade. Obtenha mais informações aqui: (http://www.gmo-free-regions.org/planetdiversity.html) e sinta-se convidado a participar!
Planeta Orgânico: No Brasil (e em outras regiões do mundo) a produção de bio-combustíveis (óleos vegetais, álcool de cana de açúcar) se tornou um novo setor comercial voltado à exportação, com um forte impacto na produção agrícola. Como você vê esta evolução? A IFOAM está trabalhando no desenvolvimento de diretrizes para a produção orgânica de bio-combustíveis?
Gerald A. Herrmann: Devo dizer que não gosto do termo ‘bio-combustíveis’, uma vez que sugere que tem algo a ver com orgânicos. Como você sabe, em outras línguas como o Português, o orgânico também pode ser chamado bio, biológico, etc. Portanto, por motivos de clareza, eu gostaria de promover o termo ‘agro-combustíveis’, expressando claramente sobre o quê estamos falando.
Numa primeira impressão, os agro-combustíveis são muito atraentes, e vejo que muitas pessoas realmente pensam que o são. Os proponentes visualizam um mundo ensolarado onde teremos superado as emissões de CO2, enquanto seremos capazes de viver no mesmo padrão de vida (ou mesmo mais alto, em termos de uso de energia) em que vivemos agora. No entanto, olhando mais de perto, eu devo concluir que os problemas mais importantes que surgem, tanto nos atuais esquemas de agro-combustíveis como nos muitos que vêm sendo propostos, espelham e até agravam os problemas inerentes nos modelos da Revolução Verde para a produção agrícola. A alta produtividade e lucros rápidos são enfatizados, às custas do ecossistema, da saúde humana e do desenvolvimento rural eqüitativo. Claramente, qualquer produção de lavouras energéticas baseadas nas tecnologias da Revolução Verde não estará em conformidade com os Princípios da Agricultura Orgânica. Mesmo que houvesse potencial em termos de produção de energia, outros efeitos, como os ambientais e sociais, devem ser avaliados.
As áreas extremamente extensas de terra necessárias para produzir quantidades suficientes de biomassa em terras aráveis, em climas temperados como os EUA e Canadá, mas especialmente nos UE, suscitam grandes dúvidas sobre a sustentabilidade de tais sistemas de produção nessas áreas, e significam que as questões comerciais Norte-Sul serão muito importantes. Os problemas de segurança alimentar aumentarão, também em regiões em que atualmente se pode considerar que haja esta segurança, como a UE.
O caso do Brasil, que tanto tem a experiência mais longa, como parece exibir um potencial para a produção de lavouras energéticas possivelmente mais sustentáveis, deverá ser examinado em maior profundidade, para entender até que ponto alguns dos problemas iniciais realmente podem ser resolvidos, e qual potencial pode haver para se incorporar, por exemplo, a cana de açúcar para a produção de agro-combustível num sistema de rotação de culturas nos padrões da agricultura orgânica. Se os agro-combustíveis orgânicos forem considerados uma opção de desenvolvimento em escala mais larga, então estudos teriam que ser realizados sobre o rendimento de diversas espécies destinadas a agro-combustíveis que possam ser cultivadas usando os métodos orgânicos, quando incorporadas em diversos sistemas de agricultura orgânica.
Penso que os agro-combustíveis orgânicos não serão premiados no mercado como ‘orgânicos’, portanto terão dificuldades em competir com as lavouras energéticas cultivadas de forma convencional. No entanto, eu vejo potencial na otimização dos sistemas de produção orgânica através da reutilização e reciclagem de recursos para uso energético mediante processamento nas propriedades, para aumentar a sustentabilidade e a auto-suficiência ao nível das mesmas. E isso também não deverá competir com o uso de subprodutos vegetais para fazer o composto – o chamado ‘ouro negro’ do qual os agricultores orgânicos dependem.
Eu me pergunto se a IFOAM precisa de um capítulo separado sobre agro-combustíveis orgânicos no IFOAM Benchmark for Standards (Parâmetro para Padrões), uma vez que estamos falando aqui de uma produção orgânica de plantas, portanto, lavouras para uso energético teriam as mesmas exigências que as lavouras orgânicas para consumo humano ou alimentação animal. Para assegurar que a produção de agro-combustíveis seja sustentável ao nível de fazenda e por toda a fase de processamento, ela não deve deslocar ou comprometer a produção de alimentos ou necessidades nutricionais, nem diminuir a biodiversidade ou a gestão sustentável dos recursos naturais. A rotação de culturas é obrigatória, ao passo que os OGM’s e o desmatamento são práticas proibidas.
Muitas ONG’s ambientais e instituições de pesquisa expressam suas preocupações e não apóiam a atual onda de desenvolvimento de agro-combustíveis. Também, Miguel Altieri conclui que: “ao contrário das falsas declarações de companhias que promovem esses “combustíveis verdes”, o cultivo extensivo de milho, cana de açúcar, soja, dendê e outras lavouras, atualmente promovidas pela indústria de lavouras para combustíveis – e todas a serem geneticamente modificadas – não reduzirá as emissões de gases do efeito estufa, mas irá deslocar dezenas de milhares de agricultores, reduzir a segurança alimentar em muitos países e acelerar o desmatamento e a destruição ambiental no Sul Global.”.
É melhor que ouçamos a essas preocupações antes de nos engajarmos em algo como a produção orgânica de agro-combustíveis em grande escala.
Perguntas de Pedro Santiago, presidente da Câmara Setorial da Agricultura Orgânica a Gerald Hermmann, presidente da IFOAM
Santiago: Quais são os planos da IFOAM para a América Latina, agora que há um representante da Federação nessa região?
Gerald A. Herrmann: Desde junho de 2007, tão recentemente, a IFOAM tem uma representante oficial na América Latina e no Caribe (AL&C). Estamos satisfeitos porque a Sra. Patrícia Flores traz seus vários anos de experiência e entendimento, especialmente ao facilitar a dinâmica entre a região da AL&C, a Sede e a IFOAM de forma geral. Seu papel é atuar como “olhos e ouvidos” para o Conselho Mundial e o pessoal na Sede, a fim de melhor entenderem o que está se passando nesta região; mas ao mesmo tempo atuar como nossa voz, para que o movimento na América Latina esteja ligado mais intimamente às nossas atividades globais. Sua função permite que a IFOAM esteja presente em reuniões importantes na região.
Não somente reduz os custos e tempo gasto com viagens, mas é também um meio de manter ligação direta com os membros e acompanhar diretamente no idioma castelhano. No momento, só podemos agir assim em tempo parcial, o que naturalmente não faz justiça a todos os desafios ou solicitações. Também existem limites em termos de suas atribuições e possíveis realizações. A Sra. Flores irá trabalhar para a AL&C no contexto global da missão da IFOAM, mas não pode, por exemplo, prestar assistência para o estabelecimento de um mercado orgânico local. Tenho confiança, entretanto, que com a ajuda do movimento ela possa atuar como um ponto central de informação mútua e que possamos crescer daí em diante.
Santiago: Freqüentemente, ouvimos de certificadoras não acreditadas pela IFOAM que, como já existem normas oficiais orgânicas da União Européia, Estados Unidos, Japão e outros, as normas da IFOAM perderam a força e não são mais necessárias. Qual é a posição da IFOAM sobre isso?
Gerald A. Herrmann: De fato, o papel e a posição do IFOAM mudaram com o tempo. Na década de oitenta, nós tínhamos os únicos padrões globais democraticamente acordados. Atualmente, existem mais de 60 regulamentos. Esta evolução reflete o interesse dos governos e de agências inter-governamentais de se engajarem no setor orgânico; em grande parte, isto reflete o nosso sucesso. Mas agora, ao serem introduzidos tantos regulamentos, criaram-se barreiras ao comércio e não há harmonia entre os padrões. A IFOAM vê o seu papel com o de moderador e para dar forma ao processo de harmonização, e isto necessita de referências. Estamos satisfeitos em ter, ao nosso lado, as organizações da ONU voltadas para Alimentos e Agricultura (FAO) e a Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
O fato de ter “credenciamento da IFOAM” tem méritos em si mesmo, além de facilitar aceitação mútua entre as certificadoras. O credenciamento pelo governo ou por agências privadas é um ato cheio de formalismo e burocracia. Entretanto, as entidades de certificação orgânica deveriam se esforçar por mais. O conceito orgânico não é apenas como qualquer negócio de certificação, faz parte de um setor de inovadores sociais. É ficar na vanguarda e aprender dos outros, procurando soluções comuns para problemas que sem dúvida aparecem agora e futuramente. O credenciamento pela IFOAM facilita o progresso.
Outro aspecto, como foi dito, é que as normas da IFOAM são decididas democraticamente pelos membros, portanto pertencem ao movimento. Mas a quem pertencem, por exemplo, os regulamentos da UE? E, ao fazer lobby junto aos funcionários públicos, com que informações e parâmetros os respectivos movimentos irão informar a administração? Não me interprete mal: existem méritos, com certeza, nos regulamentos governamentais; podem significar proteção contra o abuso da definição de “orgânico”, aumentando a confiança e credibilidade. Mas não é difícil prever que, quando a prática orgânica se tornar comum, um órgão “supervisor” privado se torna cada vez mais importante. Funcionários públicos e governos, embora muito bem intencionados, se prendem a processos vagarosos e a uma estrutura de leis existentes que, uma vez decididas, são difíceis de mudar, mesmo se existirem novas percepções ou métodos relativos à prática orgânica que mereçam ser adotados. Portanto, existe um papel para o movimento, que é de manter vivos um documento e um sistema de garantia produzidos por acordos internacionais.
Santiago: Quais as ações da IFOAM a respeito da lista de certificadoras européias que estariam isentas de certos procedimentos, a que, no entanto, seriam obrigadas as certificadoras não-européias? Em que pé está essa questão? Como ficariam os escritórios ou representações fora da Europa das certificadoras européias?
Gerald A. Herrmann: Gostei da sua pergunta, uma vez que parece existir um mal entendido sobre o novo regulamento para importações. Antes deste ano, portanto sob o antigo regime, todas as importações se baseavam numa avaliação de equivalência com o Regulamento 2092/91 da UE. Existiam duas opções: primeiro, um terceiro país poderia solicitar sua inclusão na chamada ‘Lista de Terceiros Países’ – por exemplo, a Argentina e Costa Rica estão na lista. A segunda opção para a aprovação da UE ao exportar do Brasil, por exemplo, se baseia na determinação de equivalência pelos Estados Membros da União Européia e autorizações de importação de lotes individuais por solicitação de empresas de importação. Por falar nisso, o IOAS deu assistência aos certificadores de terceiros países com relatórios de equivalência para aceitação geral.
Agora, pelo que eu saiba, sob o novo regime, as importações ou têm que cumprir o Regulamento 2092/91 da UE (compliance) ou cumprir padrões equivalentes aos do Regulamento da UE. Existem as seguinte opções: Com relação a compliance, a UE estabelecerá uma lista de entidades de inspeção, que ainda não foi publicada porque ainda falta elaborar os procedimentos de implementação. Com relação à equivalência, o regime atualmente válido permanecerá em vigor; entretanto, uma opção é acrescentada, a qual é também uma lista de entidades de inspeção. Pelo que fui informado, os órgãos de controle precisam solicitar sua inclusão nas listas, conforme foi mencionado. A UE não diferencia mais entre os órgãos de controle da UE e os de fora da União. O processo de solicitação será o mesmo para ambos.
Entendo que, sob o novo regulamento para importação, as opções para acessar o mercado da UE aumentaram, e existem agora mais modos de entrar no mercado. Obter reconhecimento como terceiro país leva tempo e necessita que o regulamento para orgânicos naquele país específico seja equivalente. Entretanto, nem todos os países possuem regulamentos para orgânicos; alguns preferem ter sua regulamentação mais adaptada às condições locais. A possibilidade de as operadoras exportarem em conformidade com o regulamento europeu ou com a equivalência de seus órgãos de inspeção (locais) representa mais opções, e pode reduzir os custos já que inspetores externos não são necessários.
A IFOAM teve um desempenho ativo ao fazer lobby para ampliar as opções de importação, às vezes até contra a posição de algumas certificadoras da UE. Os produtos orgânicos deveriam ser comercializados, não apenas pelo interesse do comércio, mas em beneficio dos agricultores, que sem vender seus produtos não poderão converter suas terras para o cultivo orgânico. Não nos esqueçamos que a meta da IFOAM é global: orgânicos para o bem do nosso planeta vivo!