Confira a entrevista de José Pedro Santiago, presidente da Câmara Setorial de Agricultura Orgânica, esclarecendo algumas dúvidas de visitantes do Planeta Orgânico sobre a regulamentação da agricultura orgânica no Brasil.
Após a tão aguardada publicação do decreto, quais os próximos passos para que a Lei dos orgânicos entre efetivamente em vigor?
Agora que existe o Decreto, o Ministério da Agricultura pode colocar em Consulta Pública as Instruções Normativas, que detalham e orientam todos os procedimentos referentes às produções orgânicas vegetais, animais e de processados, ao trabalho das Certificadoras, aos outros sistemas de garantia da qualidade orgânica, à comercialização dos produtos, enfim, normatizam toda a cadeia de orgânicos no Brasil.
Para isso, a Câmara Setorial vai se reunir em breve, para aprovar uma Instrução Normativa que foi recentemente elaborada (a de produtos extrativistas, se ficar pronta em tempo, senão fica para uma segunda fase) e o capítulo sobre Sistemas Participativos de Garantia (este ficou pronto recentemente).
Logo em seguida, as Instruções Normativas serão colocadas em Consulta Pública, por 30 dias. Depois desse prazo, vamos analisar todas as contribuições havidas e a Câmara Setorial aprovará as redações finais das IN. Com isso, elas serão publicadas no Diário Oficial e – finalmente – a Lei dos Orgânicos estará plenamente em vigor.
Como será feita e quando terá inicio esta Consulta Pública?
Será feita pelo site do Ministério da Agricultura. Minha estimativa (ou talvez o meu desejo, mas vamos acreditar e trabalhar para isso …) é que no final de fevereiro ou início de março poderá ter início a Consulta Pública. Depois de 30 dias, vamos reunir todas as contribuições (que serão, prioritariamente, discutidas e enviadas pelos CPOrg estaduais), analisá-las em grupos específicos (já montamos as regras para isso) e montar os textos finais. Imagino que possamos completar esse trabalho em cerca de 60 dias. Em seguida, a Câmara Setorial se reunirá e aprovará os textos finais. Ou seja, em julho de 2008 as Instruções Normativas poderiam estar publicadas. É só uma estimativa, pode até acontecer antes, mas pode também atrasar (vide o Decreto). Vamos trabalhar muito para que esse prazo se concretize.
Com esse novo decreto para a agricultura orgânica, as práticas de manejo foram modificadas?
As práticas não constam do Decreto, mas sim das Instruções Normativas – o Decreto é generalista e dá as linhas mestras para as Normas. Por isso as Instruções Normativas são fundamentais, constituem-se nas próprias normas brasileiras de produção orgânica. Eu não diria que as práticas foram modificadas, porque antes só apareciam, de forma muito incompleta, na antiga IN 7, publicada em 1999, que foi a nossa primeira tentativa de regulamentar a área de orgânicos. Na grande maioria, as práticas, ou melhor dizendo, as normas, foram criadas nas atuais Instruções Normativas, que irão à Consulta Pública.
Qual o impacto desta lei nos mercados interno e externo?
No mercado interno, haverá possibilidades legais de coibir e punir a venda de produtos que se dizem orgânicos mas não são – isso é uma garantia para os consumidores e para a credibilidade do movimento orgânico. As certificadoras terão de ser acreditadas pelo Inmetro, o que aumenta muito as possibilidades de melhoria nesse setor. Com a lei, os investidores terão um quadro muito mais claro para investir, conhecendo as normas oficiais.
A regulamentação da lei tornará claras, para o investidor, o importador e o consumidor, as normas de produção do produto orgânico brasileiro, e isso deverá promover o crescimento da produção e das vendas. Nos Estados Unidos e na Europa, a produção e o consumo de orgânicos deram um salto, após a aprovação das suas respectivas leis. Isso deverá acontecer também no Brasil.
Com a regulamentação da lei, todas as certificadoras estarão obrigadas a enviar os seus dados sobre áreas certificadas e em processo de certificação, de cada cultivo vegetal e criação de animais, para um Banco de Dados a ser montado no Ministério da Agricultura. Com isso, preencheremos uma terrível lacuna – hoje não sabemos ao certo o que o Brasil realmente produz de orgânicos. Claro que isso terá impacto no mercado interno e vai ajudar muito nas exportações de orgânicos.
Como vê uma harmonização das leis para regulamentação de mercado orgânico entre os páises da América Latina?
Harmonização é uma coisa complicada. Os principais países produtores da América Latina, como a Argentina, Costa Rica, México, já têm as suas próprias leis, baseadas na norma 2092, da União Européia, e não têm motivos para mudar, já que os respectivos mercados internos são bem pequenos (diferentemente do Brasil) e a União Européia é um mercado muito importante para a exportação de orgânicos, exigindo orgânicos produzidos segundo os seus critérios.
As normas brasileiras (no Brasil, tudo isso só será realidade após a publicação das Instruções Normativas, mas a previsão é esta) deverão apresentar, por exemplo, prazos de conversão (é o prazo exigido para que uma produção convencional possa dar todos os passos para se transformar em orgânica) menores que os exigidos pela União Européia. Esses e outros pontos dificultam a harmonização das normas e teriam de ser objeto de longas discussões, principalmente com a Europa e os Estados Unidos, se todos quiserem chegar, um dia, à harmonização internacional das normas de produção orgânica.
Uma vez que irá apresentar certos requisitos diferentes dos exigidos pela União Européia, pelos Estados Unidos e pelo Japão, o produto orgânico brasileiro poderá ser exportado?
Sim, será inspecionado e certificado de acordo com as normas de cada país importador, como acontece hoje. As Certificadoras seguirão a norma brasileira para o produto a ser vendido no mercado interno, e normas internacionais para os exportados. É uma trabalheira, mas há anos as Certificadoras trabalham dentro dessa realidade.
Engenheiro Agrônomo José Pedro Santiago
Presidente da Câmara Setorial de Agricultura Orgânica – MAPA
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Clique aqui para acessar a página com o decreto Nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007, que regulamenta a Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica.