A visão holística, um dos princípios da Agroecologia, considera a produção agrícola como uma totalidade maior e mais complexa do que a simples soma das partes (adubação, controle de pragas e doenças, gestão dos resíduos, entre outros. Fazendo um paralelo com o corpo humano, assim como um médico ao examinar um paciente não deveria enxergar apenas um estômago ou um coração, mas considerar a interação desses órgãos com todo o organismo e o aspecto emocional do paciente, o mesmo deveria ocorrer na produção agrícola. Isto significa planejar a produção de forma integrada, considerando a propriedade como um “organismo vivo”, dinâmico e repleto de interações entre cada parte que não pode ser descolada do todo. Ao invés de olhar peça a peça do grande “quebra-cabeça” de se produzir alimentos mais saudáveis, o enfoque holístico monta e busca lidar com todo o conjunto de fatores (ecológicos, culturais, econômicos, políticos, sociais) que compõem o sistema de produção agroecológico.
De que forma isso é possível? Respeitando os ritmos vitais dos organismos vivos da propriedade: microorganismos do solo, plantas cultivadas e nativas, animais e seres humanos, o enfoque holístico considera a interdependência de todos esses elementos, buscando descobrir e tratar as causas de todos os fenômenos (ocorrência de pragas e doenças, competição com ervas nativas entre outros), que se manifestam durante a produção de alimentos e procurando manejá-los de forma conjunta.
No que diz respeito à nutrição, adotar um enfoque holístico (global, abrangente) implica em medir a influência do alimento sobre o próprio organismo que o consome, estudando os efeitos produzidos sobre a sua saúde, longevidade, fecundidade e resistência, entre outros fatores, sendo o melhor critério conhecido para avaliar a qualidade biológica dos nutrientes ingeridos.
Uma alimentação saudável, portanto, não se limita a “encher” o estômago humano. Além de responder às suas necessidades nutricionais, deve potencializar todas as suas funções biológicas vitais, auxiliando na renovação celular e demais processos metabólicos, promovendo um bem-estar nos planos físico, mental e até espiritual. Afinal, quem pode se dar ao luxo de elevar o espírito se estiver repleto de gastrites, prisão de ventre, hipertensão, diabetes e tantos outros males “terrenos” originados em maus hábitos alimentares? Ou seja, não basta apenas cultivarmos o propósito de “não morrermos pela boca”, podemos também obter qualidade de vida através do que ingerimos nas refeições e lanches.
Para tanto, é necessário pensar um alimento qualquer (frutos, folhas, grãos, tubérculos, raízes) a partir da planta que o origina. O raciocínio é simples (e até óbvio): uma planta sadia e nutrida de forma equilibrada originará um alimento também sadio e equilibrado. Mas, o que é exatamente uma planta sadia? As correntes da Agroecologia consideram como tal uma planta que possua os elementos nutritivos necessários para formar uma quantidade máxima de substâncias que a caracterizam, de forma equilibrada. Isso significa, que a planta absorve os nutrientes presentes no solo de forma gradual e de acordo com suas necessidades: nem mais nem menos.
Na agricultura convencional, com a aplicação de adubos altamente solúveis, as plantas recebem altas doses de nitrogênio, fósforo e potássio que se acumulam na seiva promovendo um desequilíbrio entre as concentrações desses e de outros elementos (como o magnésio, o molibidênio, o cobre e outros microelementos). Neste contexto, as plantas crescem, ou melhor, “incham” defeituosamente porque existe um desequilíbrio entre os componentes celulares. Assim, os tecidos se desenvolvem fracos, aquosos e suscetíveis a todo tipo de doença. E plantas que se desenvolveram com uma relação entre os elementos químicos fortemente alterada, naturalmente, transmitirão aos seres humanos (direta ou indiretamente através de alimentos de origem animal) sua falta de vitalidade, sua suscetibilidade e seu desequilíbrio metabólico. Ou seja, pouco contribuem para que a população desenvolva seus potenciais físico e mental em plenitude.
Em contrapartida, o trabalho da agricultura agroecológica atua no sentido de alcançar uma otimização da produção agrícola. Isto significa realizar um casamento entre a necessidade de se obter um certo volume físico de alimentos num longo prazo e a manutenção de padrões de qualidade nos alimentos. Tais padrões, obtidos através de diversas práticas de manejo dos insumos, assim como de pragas e doenças se manifestam em produtos agrícolas isentos de qualquer contaminação química ou biológica e com propriedades organolépticas (sabor, textura, aroma) capazes de conferir vitalidade aos alimentos consumidos.
Por essas razões, fica claro que os procedimentos adotados pelas correntes agroecológicas fazem parte de uma visão global (ou holística) da vida, da natureza e do ser humano. Os sistemas alimentares, com os quais as correntes agroecológicas se preocupam vão muito além da atividade agropecuária em si. Abrangem interações entre as dimensões ecológica, técnica social e econômica que permeiam todo o sistema de produção e venda e consumo de alimentos.
Sabendo da influência dos sistemas de produção convencional e agroecológico sobre a qualidade do alimento, o consumidor que optar por alimentos orgânicos ainda precisará se certificar da autenticidade de tais produtos, o que é possível através da compra de alimentos com o selo de uma entidade certificadora local ou nacional.
Uma dica prática é o consumidor explorar a região onde mora, buscando produtores ou associações de produtores agroecológicos como uma forma de privilegiar os circuitos locais de abastecimento. Desta forma, o consumo de uma dieta equilibrada com produtos orgânicos na esfera regional contribui para combater a homogeneização da alimentação, para estimular a manutenção de pessoas no meio rural e para fomentar a economia das pequenas e médias cidades. Em outras palavras: alimentar-se corretamente e com produtos orgânicos além de vitalizar o corpo, revitaliza também a prática da cidadania da qual estamos tão famintos.