Paulo de Abreu e Lima é gastrônomo profissional, mestre em cultura e comunicação alimentar
Chegamos em Palermo durante uma madrugada fria de inverno em fevereiro. Os gastrônomos Andrew Chang de Taipei e Livio Colapinto da Itália estavam lá comigo. Na verdade estávamos juntos em Parma, no centro da Itália quando ouvimos falar de uma variedade de azeitonas chamada Tonda Iblea, que crescia somente nas montanhas ao sul da ilha da Sicilia, uma variedade de azeitona rara e somente alguns poucos produtores ainda a cultivavam.
Logo no primeiro dia saímos cedo de Palermo para encontrar Manfredi Barbera, um carismático produtor de azeites de oliva. Nos conhecemos três anos antes em Nova York, durante alguns eventos de promoção e degustação profissional de azeites no Instituto Italiano de Culinária. O terroir da família Barbera fica no lindo vale Eleuterio, na pequena cidade de Misilmeri, localizada a 20 km do centro da capital Siciliana.
A família produz e comercializa azeites, laranjas e limões desde 1888, quando se mudaram da cidade de Menfi, na província de Agrigento, para a fazenda San Lorenzo ai Colli em Misilmeri. Na minha opinião, um dos melhores azeites produzidos por Manfredi chama-se Lorenzo II, um azeite DOP com personalidade, de cultivo e transformação orgânicos, 100% feito com azeitonas da variedade Biancolilla, e com um aroma delicado lembrando amêndoas verdes e um sabor leve de alcachofras, deixando uma agradável sensação de ervas frescas na boca.
Pegamos a estrada e fomos ate Trapani, na costa da Sicília. Localizada a 120 km oeste de Palermo, a cidade de Trapani é um importante centro de pesca da Sicilia com quase 70.000 habitantes. Fomos recebidos pelo ilustre Alberto Galluffo, um produtor de azeites local da familia Bugarella, que ficou famoso nos EUA pela sua paixão promovendo os sabores e biodiversidade da Sicília. Suas fazendas de oliveiras ficam dentro do vale Trapanesi. Estudioso das variedades locais de azeitonas, Alberto preparou uma degustação com azeites que ainda não estão a venda, feitos com mono-varidades de Biancolilla e Nocellara, colhidas somente em árvores com mais de 600 anos na sua propriedade.
Aliás, falando sobre mais uma variedade de uva, a Zibibbo de Pantelleria, acho bacana comentar também sobre a biodiversidade da olivicultura da Sicília. Existem mais de 12 variedades de azeitonas nativas; como a Biancolilla, encontrada no sudeste da ilha e talvez a mais popular e cultivadada localmente, Nocellara Messinese e Ogliarola Messinese ao norte, a Tonda Iblea no monte Iblei em Ragusa, no sul da Sicília, a azeitona Crasto, que cresce nas terras baixas das montanhas Madonie ao norte também, Cerasuola, outra azeitona popular encontrada entre as cidades de Sciacca e Paceco, a variedade La Minuta em Patti, Capo D’Orlando na província de Messina, a azeitona Castiglone que e nativa do vale vulcânico de Alcantara, perto da cidade de Taormina, Carolea cultivada na região do monte Enna, alem da azeitona Moresca, encontrada perto da cidade de Siracusa.
De Trapani começamos a viagem rumo ao sul da ilha, ao terroir do monte Iblei. Era complicado não parar em alguns lugares, como por exemplo, quando passamos pela cidade de Marsala, um dos grandes terroirs DOC (Denominação de Origem Controlada) da Itália, onde fomos conhecer altas histórias sobre vinhos fortificados, a história da herança Inglesa, tradição produtiva e matérias primas em locais. Fizemos algumas paradas estratégicas nas vinícolas Rallo, Alagna e principalmente Florio, onde tivemos a oportunidade de conhecer o museu do vinho Marsala, alem de entender melhor a cultura, os métodos vitivinicolas e os detalhes dos sabores locais.
As uvas nativas de Marsala. Sicilia Grillo, Inzolia, Cataratta
Com terras vermelhas, ricas em nutrientes, Marsala está localizada em uma área favorável ao cultivo de uvas, especialmente para uvas destinadas a vinhos de sobremesa, ou liquorósos. Essa área é denominada Fascia del Sole, ou faixa do sol em português. As três principais variedades de uvas cultivadas nos arredores da cidade de Marsala chamam- se Inzolia, Grillo e Cataratta. São uvas nativas da Sicilia, que ao longo da história foram transportadas por navios mercantes a diversas zonas do Mediterrâneo, da Europa ao norte da África. Tivemos a oportunidade de conhecer o agrônomo Fillipo Martelli, consultor do projeto local valorização das uvas locais de Marsala. Fillipo é um grande admirador da uva Grillo, a mais cultivada na região por ser a mais propícia a atingir níveis mais altos de açúcares no campo, e com isso equilibrando os teores alcoólicos dos vinhos Marsala. A uva Grillo oferece uma colheita abundante e tem ótimas qualidade organoléticas, permitindo o envelhecimento dos vinhos.
Tonda Iblea, Sicilia, Itália um dos mais espetaculares azeites do mundo
Passamos ainda por Menfi e Agrigento antes de chegar em Buccheri, um pequeno vilarejo nas colinas do monte Iblei, entre Ragusa e Siracusa. A diversidade da composição do solo nessa área do mundo é impresionante. Com micro-terroirs de origem calcária, vulcânica e terrenos arenosos, temperaturas mediterrâneas e condições climáticas favoráveis ao cultivo de oliveiras, o território que um dia pertenceu ao rei Hyblon, hoje é a terra natal da azeitona Tonda Iblea.
Durante uma ótima caminhada por sua fazenda, no coração do grand cru de Monte Lauro, Tino continuava a declarar seu amor pela Tonda Iblea, falando sobre os espetaculares e curtos troncos e suas folhas escuras e o fato de crescerem em solos pouco profundos. É a única variedade de azeitona Italiana que cresce em altitude superior a 800 metros. A variedade Tonda Iblea é particularmente rica em antioxidantes, uma característica importante para a conservação, assim como benéfica para a saúde humana.
O azeite feito com 100% Tonda Iblea tem uma cor verde-ouro, com uma doçura única a essa variedade. É um dos únicos azeites do mundo que nos oferece notas sensorias alem dos clássicos sabores de alcachofras e ervas, nos proporcionando aromas de tomates verdes.
Com a sensação de missão cumprida e satisfeitos com todas as experiências já vividas na Sicilia, continuamos a nossa viagem para a cidade de Catania, onde iríamos encontrar o líder do Slow Food local e chef do restaurante Metro no centro da cidade. Passamos dois dias com o Aldo Bacciulli conhecendo os mercados dos produtores da Catania, muito bonitos e organizados por sinal, além de termos saboreado os clássicos arancini di riso, os bolinhos de arroz. Eles tem esse nome porque se parecem a pequenas laranjas, ou arancio em Italiano. Uma herança árabe que era consumida antigamente somente com açafrão e carnes menos nobres, prático de transportar, teve a sua origem reconstruída na cidade da Catania, ganhando os ingredientes locais e utilizando cremosos risottos como base.
Um dos lugares mais clássicos da Itália para degustar diversos tipos de arancini e a casa Savia, no centro da cidade, em frente a praça central da Catania. Aberta desde 1897, Aldo nos contou que as receitas são as mesmas desde o inicio quando Elisabetta Savia ainda coordenava as cozinheiras no preparo de arancini, cassavas, canoli e outras delicias Sicilianas. É impossível para mim pensar na ilha Italiana da Sicilia, sem fazer uma referência direta aos papos deliciosos, durante toda uma vida, com a Elena Gabriele Infant me contando sobre a sua infância na Itália, passeando pelos campos Sicilianos, explicando sorrindo “… la Sicilia c’e il profumo d’arancio” (A Sicilia tem o perfume de laranja).
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