Marcello Brito é Diretor-Comercial da Agropalma e foi palestrante da Expo Sustentat 2005 com o tema BIODIESEL. Segundo Marcello, “estamos falando de um mercado de bilhões. Não só em litros, como também bilhões financeiros! “

Marcello Brito( de muleta) recebendo o Presidente Lula na visita à fazenda do Grupo Agropalma
Em abril de 2005 Marcello Britto recebeu diversas autoridades do Governo, inclusive o Presidente Lula, para a inauguração da usina de biodiesel do Grupo Agropalma. A unidade de produção de combustível usará como matéria-prima o fruto da palma.
O presidente Lula também visitou, a fazenda do Grupo Agropalma entre os municípios paraenses de Moju e Tailândia, para ver plantações de palma (espécie de palmeira que produz frutos oleaginosos) e conheceu o projeto de agricultura familiar que vem sendo desenvolvido em área de 600 hectares.
PO – Você poderia começar esta entrevista explicando o que é Biodiesel? |
MB– Biodiesel é uma reação que se provoca entre uma base vegetal ou animal, como a banha, manteiga, sebo ou qualquer óleo vegetal em presença de um álcool, que pode ser metanol ou etanol. Metanol é proveniente de gás e o etanol proveniente da cana de açúcar, beterraba ou do milho, na presença de um catalisador, provocando uma reação. Como produtos finais teremos um éster que pode ser éster metílico se for feito com metanol ou éster etílico se for feito com etanol mais glicerina. Este éster é o biodiesel.
PO – Gostaria que você desse um salto um pouco maior e nos falasse do Biodiesel como combustível. |
MB– Neste caso vamos falar quimicamente: é o éster etílico ou metílico, ou seja, produzido pela rota metílica ou etílica. No mundo o mais produzido é o Biodiesel metílico. Aqui no Brasil estamos trabalhando para preferencialmente utilizarmos a rota etílica. Embora estejamos ainda produzindo com metanol, pois a tecnologia etílica ainda não está 100% dominada. Mas em pouco tempo chegaremos lá e teremos um Biodiesel 100% sustentável. O álcool que vai ser utilizado é de uma fonte 100% renovável que é a cana de açúcar e não do gás proveniente da extração de petróleo – metanol aqui no Brasil, o que não é sustentável, por não ser regenerável.
PO – Você acha que esta mudança vai acontecer em curto prazo? |
MB– Em nossa usina produzimos pelas duas rotas mas, por razões de custo, estamos dando preferência ao metanol. A estrutura fiscal brasileira é complicada. Como nosso registro é de produtor de biodiesel e não de distribuidor de combustíveis, para comprar álcool etílico no mercado nós temos que comprar álcool para outros fins na classificação fiscal. Desta forma ele nos custa 30% mais caro por causa dos impostos. Ainda nesta mesma lei, com relação a produção de Biodiesel com etanol, o produto final será biodiesel mais álcool hidratado. Só que nós não podemos vender este álcool hidratado para as distribuidoras de combustíveis, temos que revendê-lo para uma usina de álcool. Então alguém teve esta “brilhante” idéia: você compra o etanol, leva para sua usina, utiliza no processo e depois o vende na forma hidratada de volta a usnia de álcool, agregando mais o custo de logística, impostos e etc. Logicamente o resultado fica inviabilizado. Esta reclamação já foi feita em Brasília e em quase todos os eventos onde se discuti o programa nacional de biodiesel. A utilização da rota etílica deveria ser o grande diferencial do Biodiesel brasileiro no exterior. O atrativo que nós queremos mostrar é um biodiesel totalmente renovável, a parte graxa e o etanol da cana de açúcar.
PO – A Agropalma ficou quanto tempo na pesquisa para chegar a este ponto? |
MB – Quando produzimos o óleo de palma, durante o refino, na verdade o que se tem é uma coluna de destilação onde nesse processo se retira tudo que é conhecido como o “Off flavors”, ou seja, tudo que provoca cor, sabor e odor a qualquer óleo vegetal. Na destilação destes compostos são captados na forma de resíduos graxos ou simplesmente, ácidos graxos. Esse resíduo nós vendíamos para a indústria de sabão em barra popular, de baixo valor agregado. Aquele sabão pintado, muito conhecido no Norte e Nordeste. Isto porque o produto tem um odor e cor muito forte.
Ressalte-se que a produção óleo-química no Brasil é ainda muito incipiente, ou seja, não teríamos a vantagem que tem os asiáticos em vender o ácido graxo deles para a indústria em geral a preços bem mais altos devido a ausência de produtos concorrentes como é o caso do sebo aqui no país. O Brasil ainda importa cerca 80% da óleo-química que consome. Então tabela-se o preço deste ácido graxo no Brasil em média de 50% do valor do sebo, porque o sebo é uma matéria prima muito melhor para fazer sabão.
O resultado disto é que o sebo no Brasil está muito barato pois o país é um grande exportador de carne, o maior de todos. Infelizmente quando você mata o boi, você produz carne mais o sebo. O sebo é muito barato e automaticamente o ácido graxo ficou muito barato. As pessoas que a princípio compravam o ácido graxo para substituir o sebo perderam o interesse, pois havia sebo suficiente a baixo custo.
PO- Chegaram a um impasse… |
MB -Tínhamos que arranjar alguma solução para resolver o problema. Não podíamos continuar como estava, não podíamos simplesmente jogar fora, em qualquer lugar.
Começamos a desenvolver pesquisas para agregar valor naquele produto. Um amigo nos indicou que conversássemos com o professor de química Donato Aranda da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Coloquei 1kg do produto de baixo do braço e fui para o Rio de Janeiro. Foi excelente nossa conversa. O professor é uma pessoa excepcional! Se o Brasil tivesse mais pessoas como o Donato, estaríamos numa situação bem melhor…
Deixei o produto com ele. Ele avaliou, estudou, e, passados alguns meses, mandou um relatório para a Agropalma sugerindo algumas opções e uma delas era produzir o Biodiesel. Dependeria da nossa ousadia. Ele tinha o projeto da pesquisa. Uma inovação, que não tinha em lugar nenhum do mundo e que poderia dar resultado.
Depois de muita conversa resolvemos bancar a pesquisa. Fizemos um contrato com a Universidade (UFRJ) e com a Escola de Química. Foi um contrato com a Universidade não com a pessoa dele. O resultado desta pesquisa foi o desenvolvimento de um novo catalisador.
Como vocês sabem para produzir o Biodiesel são necessários o óleo, o álcool e um catalisador que acelere a reação. Este catalisador desenvolvido é sólido e regenerável. Isto significa que no nosso processo de produção de Biodiesel, onde a matéria-prima é o ácido graxo e não o óleo, desta forma não havendo a glicerina para separar, utiliza a esterificação, assim o único subproduto que temos é água. O catalisador é reutilizado porque nós o regeneramos.
PO – Isto foi em que ano? |
MB – Tudo isso começou em 2001. Foram 4 anos de estudos. Este catalisador é produzido com nióbio, pela CBMM na cidade de Araxá em Minas Gerais. Ou seja, é um catalisador produzido no Brasil. Até então os outros catalisadores eram importados da Alemanha, dos Estados Unidos. Portanto tínhamos o catalisador pronto, tínhamos o processo avaliado em planta piloto, então registramos o pedido da patente.
PO – Como ficou a negociação entre a Agropalma e o Professor Donato? |
MB – A patente é da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O direito de uso exclusivo é nosso pela vida da patente. Nós como empresa privada não queremos ser donos da patente, nós queremos o direito do uso da mesma e para Universidade é muito importante. Nós acertamos e desta forma e pagamos “royalty” para a Universidade. Nos próximos 20 anos semestralmente estaremos pagando royalty para a Universidade e todos que participaram de projeto irão se beneficiar.
PO – A história é formidável!.. Qual foi o próximo passo? |
MB – Bom, terminado esta parte começamos a pensar numa maneira de viabilizá-la, transformá-la num projeto de engenharia, já que é uma tecnologia nova e não é produzida em qualquer lugar. Contatamos várias empresas e gostamos do pacote da Dedini que já tem uma experiência muito grande com o biocombustível álcool. A maior dificuldade era que, quem aceitasse desenvolver o projeto de engenharia teria que assinar um contrato com a Agropalma aceitando o nosso direito intelectual sobre o projeto. Esta empresa não poderia vender essa usina para outros sem a nossa autorização, porque o desenvolvimento da tecnologia era nosso.

A usina de biodiesel da Agropalma
Depois das negociações, a Dedine aceitou e fez um pacote de engenharia espetacular. Criou-se uma usina eficiente e compacta, de baixo custo. Não existe ainda um mercado aberto para biodiesel; ninguém em sã consciência vai fazer investimento de 10 a 15 milhões de euros (o que seria o preço de uma usina de biodiesel normal na Europa). Aqui no Brasil tem que ser um negócio barato. Então todo o projeto foi feito visando o investimento possível para nós. E a Dedini apresentou um projeto que custou menos de 2 milhões de dólares; um projeto todo computadorizado, com todos os itens de segurança imagináveis.
Da tela de um micro você controla a usina toda fazendo um biodiesel que atende 100% das especificações européias e americanas.
PO- Ou sejam, vocês está capacitados para exportar biodiesel |
MB – Há alguns meses estivemos fazendo uma palestra sobre biodiesel na Câmara de Comércio Brasil Alemanha. O último “slide” que apresentamos foi um comparativo dos resultados do palmdiesel (que é como chamamos o nosso biodiesel) com a norma européia e brasileira. Nós temos folga em todos os índices da norma européia, o que nos habilita a vender este produto no exterior. Resumindo: você tem uma fonte renovável de base – a plantação. Desta plantação retira-se o óleo, refina-se o óleo para a indústria alimentícia, o que sobra deste óleo produz-se combustível e combustível volta para a fazenda para locar os equipamentos e fechar o ciclo. Foi um projeto sensacional da UFRJ, o profissionalismo da equipe foi tão positivo, que já estamos com outras pesquisas em andamento.
PO – Vocês lançaram um desafio para eles e eles trouxeram uma resposta brilhante. |
MB – Foram ótimos e ainda trouxeram mais idéias novas. As idéias são as mais extravagantes. Se algum dia alguém nos pedir um biodiesel orgânico, até isso, nós temos condições de fazer, pois produzimos o óleo orgânico. Pegaríamos o óleo e extrairíamos primeiro a glicerina. Ninguém faz isto hoje porque quando você extrai primeiro a glicerina o que sobra é ácido graxo. Nós poderemos num futuro próximo, extrair uma glicerina orgânica que é a única no mundo e os 90% de ácido graxo nós transformaremos em Biodiesel. Um biodiesel de base altamente sustentável. Seria 100% sustentável com uma base muito grande orgânica (mais ou menos 80% de matéria prima orgânica).
PO – Mais uma novidade para o setor orgânico em 2005? |
MB – Ainda não vamos produzir isto agora mas já temos o projeto pronto. No ano que vem devemos produzir glicerina orgânica. Demos uma checada no mercado, com 2 empresas: uma alemã e uma americana. As duas aceitam mas querem a compra exclusiva do produto. Seria a única glicerina orgânica para indústria de cosméticos. O que acontece com o Biodiesel normal? Quando se produz o biodiesel normal, você produz muita glicerina, até onde o mercado vai ter condição de absorver esta glicerina? Os preços já caíram assustadoramente, principalmente na Europa, que num passado remoto era importador de glicerina, hoje também é exportador. Por isso vamos fazer uma glicerina diferenciada.
PO – Qual o impacto que o Biodiesel tem na economia brasileira. |
MB– O principal problema do biodiesel é o custo que você ainda tem. Como estamos começando, ainda não temos escala de produção. É só lembrarmos como foi com o álcool. No começo o álcool custava mais caro do que a gasolina. É o mesmo que acontece hoje com o Biodiesel. Quando você não tem escala de produção você tem um custo muito alto. Hoje é difícil num mercado competitivo você chegar para uma Petrobrás, Ipiranga, Texaco etc. oferecendo um produto maravilhoso, sustentável, ecológico mas ele custa 70% mais caro que o diesel.
PO – E ainda temos que informar o consumidor o que é biodiesel. |
MB – O consumidor brasileiro não está preparado para pagar este valor. Você tem que começar a procurar outras fontes para começar a ganhar escala. Para levar este diesel que gera energia elétrica a certos lugares na Amazônia, o custo de 1 litro chega a custar o equivalente a 3 litros. Ou seja, você gasta o custo de 3 litros de diesel para levar 1 litro de diesel para aquela região, por causa das distâncias, da logística. Todos merecem ter energia elétrica.
Esta seria uma forma inteligente. Ter uma produção de Biodiesel regionalizada, onde seu custo de logística cai muito. Deve-se lembrar que quem paga este são os consumidores. Dentro do preço do diesel comprado no Rio Grande do Sul, São Paulo ou qualquer outro lugar do Brasil, está incluso o acréscimo que subsidia o diesel que vai de uma região para outra.
PO – Como você vê a relação Biodiesel e agricultura familiar? |
MB – Se fizermos um programa de biodiesel visando somente a agricultura familiar não vai dar em nada. Se fizermos um programa de biodiesel visando somente a energia possivelmente também não vai dar em nada porque o mundo não está em crise de energia, apesar do preço do petróleo. O Brasil é praticamente auto-suficiente. Não é como na época em que surgiu o álcool que estávamos numa crise energética. Temos que buscar um equilíbrio, sabendo que, não se produz um programa da magnitude do programa brasileiro de Biodiesel, com produção de agricultura familiar. Dá para iniciar bem por aí.
O Biodiesel de mamona, que o governo está querendo implementar no Nordeste, tem algumas restrições técnicas.
Você não poderá, provavelmente, misturar mais de 5% de biodiesel de mamona no diesel. Isto ainda é muito polêmico. O biodiesel de mamona não atende às normas européia nem à norma americana e é muito caro.
O Biodiesel de mamona, que o governo está querendo implementar no Nordeste, tem algumas restrições técnicas. Você não vai poder, provavelmente misturar mais de 5% de biodiesel de mamona no diesel. Isto ainda é muito polêmico. O biodiesel de mamona não atende as normas européia nem americana e é muito caro. Não temos notícia de quem vai subsidiar isto. Você vai sair de uma matéria prima muito cara para produzir um produto barato. Você pode começar com isto nestes 2%, mas com o crescimento da demanda você vai ter que partir para a soja e para a palma na região norte. Porque são os dois que vão trazer escala de produção. A palma vai trazer escala de produção pela alta produtividade que tem por hectare, de 4 e 5.000 kg de óleo por ano. A produtividade de óleo da soja é equivalente ao da mamona em torno de 500 a 600 kg, só que o volume de soja que você tem é monstruoso e o Brasil domina todo o ciclo, ao contrário da mamona que ainda sabemos muito pouco. Para ganhar escala e passar esses 2%, se não investirmos em soja e palma o programa irá morrer. Tem que se aproveitar este nicho, esta largada para fazer este investimento no nordeste. Agora, novamente precisa-se saber quem vai subsidiar este programa, porque mesmo isentado o PIS, COFINS para o agricultor familiar, conforme está no programa, não dá custo.
PO – A Agropalma trabalha muito com o agricultor familiar? |
MB – No nosso caso é diferente. Enquanto empresa privada nosso 1º foco não é benemerência social. Quem faz benemerência social é o governo com os impostos que o setor privado e os contribuintes pagam. Se a iniciativa privada investe em parcerias de agricultura familiar é porque o programa é bom e está dando resultado, nós ganhamos dinheiro, e o parceiro ganha também. Você traz consegue trazer desenvolvimento para uma região com gastos reduzidos aos participantes envolvidos num projeto.
Hoje nestes projetos, a iniciativa privada tem condição de expandir sua área de produção, sem imobilizar capital em terras, sem aumentar o quadro de funcionários. No nosso caso, entre encargos e benefícios custa quase 102% do salário que nós pagamos. O agricultor também ganha por produzir com segurança, sabendo que o que produzir vai gerar renda, com venda garantida, assistência técnica e melhoria de venda. O governo precisará intervir menos nas regiões onde estes programas avançarem, reduzindo os gastos em programas de renda mínima, cestas básicas etc.
Na vida, tudo que fica raro atrai interesse. A única floresta preservada que existe na nossa região é a da Agropalma e se não cuidarmos logo poderá ser alvo da cobiça de madeireiros ilegais ou posseiros, por isso resolvemos fazer um plano piloto com 50 famílias de agricultores familiares da região. Cada família receberia 10 hectares e o projeto foi assim dividido. O governo do estado entrou com a terra, Agropalma entrou com a produção das mudas, que leva de 15 a 18 meses para estarem aptas ao plantio, a infra-estrutura inicial, auxílio na capacitação técnica, primeira adubação, e a garantia de compra dos produtos. O preço é calculado em um percentual do valor do óleo bruto no mercado europeu. Mercado de bolsa, que circula sem ingerência nenhuma nossa. O problema é que a palma leva de 3 a 4 anos para começar a produzir.
PO – Como esses agricultores vão viver até começar a produzir? |
MB – Calma… Aí entrou o Banco da Amazônia, outro parceiro, e fez um financiamento para os agricultores. Eles pagam um salário mínimo por mês para cada uma dessas 50 famílias. Note bem, não é dado, é financiado. O último parceiro é a Prefeitura do município que é responsável pela seleção das famílias e pela contratação de um agrônomo permanente. Quando eles começarem a produzir e a Agropalma começa a pagar esses cachos para eles, uma parte deste pagamento vai ser retido e depositado numa poupança no Banco da Amazônia em nome deste produtor, que não vai poder mexer neste dinheiro. Terminando o período de carência esse dinheiro vai ser utilizado para pagar o financiamento desse salário mínimo e dos insumos que ele recebeu nestes 4 anos.
PO – Uma parceria e tanto… |
MB– Você tem a iniciativa privada, o governo estadual, o governo federal e o governo municipal todos envolvidos. Todos tem suas responsabilidades, direitos e deveres em contrato assinado.
Os produtores foram reunidos numa associação. Ele foi um piloto para 50. No ano seguinte assentamos mais de 50 famílias, e no ano passado mais 50. Já temos 1.500 hectares. As primeiras que foram assentadas cuidaram tão bem da plantação que iniciou precocemente, quase um ano antes do que esperávamos.
PO – Quando eles começam a receber seus salários? |
MB – Este ano já começaram a receber. O que eles receberam nestes primeiros 3 meses do ano deu uma média de R$800,00 para cada um. Não se esqueça que a renda média desta região não ultrapassa a R$65,00 por mês. Não existe nenhum programa de agricultura familiar na região Norte do Brasil que chegue pelo menos a metade disso.
Não se esqueça também que é emprego permanente porque a cultura é perene, ou seja, ela vai estar produzindo ali pelos próximos 30 anos. Então pelos próximos 30 anos o cidadão tem emprego. Como é uma cultura que não necessita de tratos culturais diários, você pode dividir essa área, que não sejam todos 10 hectares de palma e sim 6 hectares de palma e 4 hectares de qualquer outra cultura, ou fruticultura que o solo permita para que a pessoa possa ter de seu trabalho direto, uma cultura de subsistência com complemento e não como fim.
Estamos negociando este projeto com o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) mas as barreiras burocráticas são grandes. Somente em volta da Agropalma nós temos mais de 1.000 famílias assentadas pelo INCRA, a maioria em condições muito ruins. Isto é uma quebra de paradigma.
PO – Por que? |
MB – Porque fala-se que no Brasil não se tem condição de fazer culturas extensivas sustentáveis.
A prova de que tal façanha é possível é o que vemos na Agropalma. Tendo contrapartida dá para fazer um grande projeto com agricultores familiares. Um grande diferencial é que os produtores na Europa e EEUU e Canadá sabem que podem produzir porque terão renda certa pelos subsídios oferecidos.
Se você fizer um assentamento hoje, no Brasil, com produtores plantado arroz, feijão, milho ou outra coisa qualquer, se houver uma quebra de safra, eles não terão para quem vender nem aonde recorrer. No nosso projeto, por trás dos agricultores existe uma empresa forte, preparada a enfrentar as intempéries normais de mercado.
No Pará eles fizeram uma produção de mandioca para a produção de amido. Só que a indústria não foi construída. A mandioca está pronta para ser colhida. E agora, vão fazer o que com a mandioca?
PO – Por isso tem que casar a oferta com a demanda. |
MB – Como disse o governador do Estado do Pará no dia da Inauguração da nossa usina de Biodiesel, o Pará está mostrando uma forma de reforma agrária que se auto-sustenta. Ela recupera uma área degradada. Você nunca fará um assentamento numa área de floresta pois já tem área degradada em demasia. Na cultura da Palma você tem condição de retornar ao solo em termo de biomassa, algo em torno de 35 toneladas por hectares/ano. Isto é mais biomassa do que qualquer floresta natural produz. Naturalmente não tem a biodiversidade que tem uma floresta. Você traz uma iniciativa que cria uma cobertura verde, inibe lixiviação, erosão e faz uma proteção de solo, trazendo desenvolvimento social, econômico. O projeto da Agropalma está aberto a visitação. Semanalmente temos visitas. Recentemente tivemos uma missão do governo da Tailândia. Tivemos também visitantes da Codevasf – Vale do São Francisco lá de Pernambuco que está vindo para conhecer este modelo para ver se é adaptável lá na bacia do São Francisco.
PO – Este modelo da para ser adaptado em outras regiões? |
MB – Dá para ser adaptado a uma série de culturas. O negócio é a quebra do paradigma. O pessoal que está envolvido com a agricultura familiar deixar a ideologia guardada e ter um projeto de país. Isto é pressupõe-se que alguém produz, alguém compra e alguém vende. È um equívoco dizer que a agricultura familiar não pode estar unida a uma empresa. Pelo contrário, deve estar unida a uma pequena, média ou grande empresa.
O projeto agrícola da Malásia se sustentou e cresceu. Um país que é do tamanho do estado de São Paulo – tem mais de 10 produtos agrícolas que estão entre os 3 mais produzidos no mundo. Justamente por isso, toda a parte agrícola foi feita casada com a parte industrial. A parte industrial que agrega valor e vende.
Tivemos uma reunião que perguntaram. Quais são os planos para o financiamento do Biodiesel?
O Banco do Brasil tem uma linha de financiamento para a produção rural de oleoginosas, visando o Biodiesel. O pessoal do BNDS tem uma linha de financiamento para construção de usinas. Resta saber quem é que vai comprar este produto. Porque hoje você vai produzir muito mais caro do que o mercado está pagando. Quem vai comprar? Qual é a outra parte deste processo?
PO – Como você vê o mercado para o Biodiesel? |
MB – Acho um mercado espetacular. Já é uma realidade na Europa. Tem algumas interferências que precisam ser avaliadas: existe um subsídio monstruoso neste setor. Na Alemanha o subsídio termina em 2009. Aí é que veremos como vai ficar. Quando você acompanha o ciclo de Produção do Biodiesel na Europa hoje, você vê a França fazendo o oposto da Alemanha. Enquanto a Alemanha é um mercado fechado (eles não podem importar Biodiesel), estamos vendo investimento francês nesta área, inclusive no Brasil, para futura exportação.
PO – Não há o risco de uma “febre de biodiesel?” |
MB – Como se fala muito em biodiesel, todos estão pensando que é fácil produzir. Todos querem plantar mamona, palma, etc. Produzir biodiesel tecnicamente pode até ser considerado fácil. Produzir biodiesel dentro das especificações de mercado é muito difícil e muito caro. Porque não é só a indústria. Você tem que ter os equipamentos para controlar, para analisar e tem que ter logística, que não é a mesma logística do diesel. Não é simples.
Temos sido chamado para seminários por pessoas querendo fazer um negócio para produzir o biodiesel. Existe até prefeitura se reunindo para fazer coleta de óleo de fritura para produzir biodiesel. Estamos falando de um mercado de 2 bilhões de litros por ano, e o pessoal está querendo fazer biodiesel com óleo de coleta? Isto é muito interessante para ser feito por uma empresa, cooperativas de trabalho ou mesmo prefeituras, se fizerem uma coleta na cidade e tiverem uma parceria com um produtor de biodiesel, que possa transformar este óleo e utilizar, por exemplo, na frota cativa da cidade. Isto seria um programa viável, sustentável.
PO – Você falou na Amazônia, como você vê essas declarações que tem saído na mídia, como a do Pascal Lamy por exemplo, sobre a internacionalização da Amazônia. |
MB – Se tem alguém falando isso é porque nós demos espaço para falar. Nós somos incompetentes o suficiente de deixar tudo isto acontecer. Se analisarmos a forma como foram feitos os investimentos na Amazônia, desde o primeiro plano de desenvolvimento que foi o SPVEA, lá pela década de 50, todos eles fracassaram. De uma forma ou de outra, todos eles foram radicais.
Se pegarmos o plano da SUDAN, na época de 70 e 80 vemos que era um plano absurdo, porque o governo subsidiava para que as pessoas, as empresas fossem para lá derrubar o máximo possível de floresta que conseguisse. Naquela época, como não existia este conceito de ecologia, todos foram para a Amazônia, empresas nacionais e internacionais também. O conceito na época era outro. Até que chegou um momento quando se constatou que aquele modelo não funcionava. Quem fez investimento em alguma coisa que pudesse ser sustentável, ficou. Quem não fez foi embora. É só olhar aqueles investimentos que foram para lá e verificar quantos ficaram. Ainda hoje não há controle adequado na Amazônia pois as principais atividades econômicas relacionadas a floresta estão nas mãos de políticos ou pessoas de alguma forma ligadas a ele.
PO – Não tem alguma iniciativa do governo para este controle? Pode explicar um pouco mais a Medida Provisória 2166? |
MB – A M.P. 2166 é a lei dos 80/20. A Amazônia é tão importante para o Brasil que uma medida provisória que impacta um território que é mais de 50% do território brasileiro continua como medida provisória desde 1999. Desde então ela não é discutida, pelo menos como deveria ser. Se eles considerassem importante já teria sido discutida. Mas ninguém quer o ônus disto.
Acontece que as leis para a Amazônia começaram a serem melhoradas no governo Sarney quando este tirou os subsídios para desmatamento. Ali já foi um passo interessante. Em 99 criaram a lei dos 80/20. Você conhece alguma empresa privada que tenha interesse em chegar em área de mata e derrubar 80% para plantar? Não há, pois a empresa não vai vender este produto em lugar nenhum. O conceito hoje é diferente. Independentemente de você ser empresário consciente ou não, as pressões sejam elas nacionais ou internacionais, principalmente por parte dos clientes são crescentes e ninguém mais, que seja sério, quer derrubar a floresta.
Em contrapartida se você tem uma área que foi desmatada há anos e anos e que esteja abandonada, que não produz riqueza, não produz renda e no aspecto ambiental é zero, e você quiser investir nesta área, a lei diz que se pode utilizar 20% desta terra, os outros 80% tem que ser reflorestada por conta e risco do empresário e ainda pagando imposto pelos 100% da área. Por exemplo, se alguém invadir aquela área e derrubar a floresta que você plantou, você é punido judicialmente, você vai preso. Porque, segundo a lei, você tem a obrigação de proteger aquela área, o que deveria ser obrigação do governo já que lá não se pode investir. Criaram uma lei no Brasil e que: “Em prol da comunidade mundial, todos os proprietários de terra da Amazônia Brasileira, vão ter que dar 80% de sua terra sem nada em troca” O Brasil falou que nós vamos pegar 80% da Amazônia Brasileira e vamos doar pelo bem estar da comunidade internacional, esquecendo que naquela região temos mais 20 milhões de pessoas que lá moram, e como qualquer cidadão do mundo também querem e merecem almejar pelo conforto de uma vida melhor e mais digna.
PO – Qual a solução? |
MB – Acontece o seguinte: Você tem os opostos: os radicais ambientalistas que esquecem as externalidades econômicas e os radicais econômicos que esquecem as externalidades ambientais e a coisa não anda. O meio tremo existe e precisa ser praticado. O governo tem que cumprir sua obrigação de legislar.
PO – E o extrativismo? |
MB – Extrativismo, é uma maravilha para você alimentar 50 famílias mas não para a quantidade de gente que vive na Amazônia.
Na verdade, é necessário é que haja um equilíbrio, e entender que, a medida que você desenvolve sustentavelmente a região você está inibindo depredações. Quanto as depredações ilegais, isto é uma questão de polícia. Nós temos o SIVAN, temos satélite em cima da Amazônia, enfim, temos todos os recursos para controlar a devastação, o que falta é vontade política.
PO – Com esta pressão internacional você não tem medo que chegue a um ponto, em que esta imagem negativa do desmatamento repercuta nos produtos da Amazônia? |
MB – Exatamente. E é por isso que temos que mudar o paradigma. Temos que ter uma lei, uma política de desenvolvimento sócio/econômico/ambiental que mostre que pode ser diferente. A Agropalma é uma prova disso. Nós estamos no meio da Amazônia, dentro de uma região pobre, produzindo riqueza de uma forma sustentável.
No passado fizemos alguma coisa errada? Claro que sim. Todo mundo fez. Errado para o conceito de hoje. No conceito do passado não era. A grande vantagem do ser humano em qualquer negócio, é você se adaptar as necessidades da época em que você vive. A nossa necessidade hoje é que seja sustentável e nós estamos mostrando que dá para fazer. Nós convidamos você a nos visitar para conhecer a estrutura e ver o que está acontecendo, conversar com as pessoas empregadas, e ver a quantidade de micro-empresários que já surgiu na região. Depois , viajamos uns 30 quilômetros para vermos a realidade local dos arredores e vamos ver muita miséria, pobreza, ignorância, analfabetismo e alta mortalidade infantil.
Temos produzido altíssimas quantidades, porque nós temos sol, clima, água o ano inteiro. Por um lado nós comemoramos o sucesso da nossa agroindústria, mas por outro lado, sofremos críticas por vezes infundadas. Falam que o estado do Mato Grosso é o maior destruidor da floresta Amazônica. Se não me engano o estado do Mato Grosso tem 90 milhões de hectares e tem 2 ou 3 ou mesmo 6 milhões de hectares de soja ou seja menos de 10% da área. Então a verdade, é relativa. Depende da forma que é mostrada. A mídia explora do jeito que lhe interessa mais.
PO – Como você vê a questão do crédito de carbono neste reflorestamento? |
MB– Nesse plano, as florestas validadas em planos de sequestro de carbono são aquelas plantadas após o ano 2000. Isso é um ponto favorável para o governo brasileiro, o grande projeto que temos que fazer, é um grande programa de reflorestamento nas áreas degradadas ,que além do ganho ecológico e econômico com os frutos desta produção, se ganhará também com o sequestro de carbono. O volume de floresta plantada no Brasil ainda é muito pequeno.
Então o sequestro de carbono é mais uma oportunidade para o Brasil fazer alguma coisa potencialmente grande em termos ambientais. Se pegarmos nossas emissões das indústrias, somada às das queimadas e de outras mais, o Brasil não seria beneficiado. Só estamos sendo beneficiados agora por sermos ainda considerados um país em desenvolvimento. O momento é esse. Temos que aproveitar agora. Vamos somar, vamos adicionar o sequestro de carbono pela utilização do Biodisel na substituição de combustível fóssil ou renovável. É mais um ganho.
PO- Você considera este momento estratégico para o Brasil? |
MB – Tudo isto é uma questão de “inteligência estratégia”. O que faltou no Brasil no passado e que está alimentando toda esta destruição na Amazônia foi falta de inteligência estratégica. O Brasil está sofrendo. Se nada for feito e deixarmos do jeito que está é mais uma geração que se foi. Toda cultura perene é de longo prazo, e até você criar, plantar e chegar a idade adulta já se foram mais 10, 12 anos.Cada governo que entra e que não faz nada deixa a situação continuar do mesmo jeito na verdade esta contribuindo para a piora do quadro. No segundo mandato do governo passado quando foi editado a Lei 80/20, em 99, nada foi feito. No governo atual também nada foi discutido a respeito. Se tiverem a inteligência de transformar o que é maléfico em um projeto de benefícios, seria o ideal. Deixar como está é complicado e fazer um monte de reserva florestal para atender a pressão internacional não adianta nada. Cria-se a reserva mas não se cria a forma de sustentá-la.
PO – Você falou que há um mercado enorme de Biodisel. Quanto movimenta este mercado? |
MB – O programa atual do Brasil que diz usar 2% de biodiesel no diesel.. A partir de 2008 vai ser obrigatório. Por enquanto é voluntário. Quando passar a ser obrigatório, nós estamos falando de um mercado que vai ter que produzir em torno de 1 bilhão de litros por ano. Se colocarmos por R$1,40 por litro, vemos que é um mercado respeitável. Isto somente a 2%.Quando a obrigatoriedade passar para 5% vai ser maior ainda. Isto em se falando de Brasil. Na Europa em 2008 vai passar para 5.75% a obrigatoriedade de uso de Biodisel no diesel. Portanto estamos falando de um mercado de bilhões. Não só em litros, como também bilhões financeiros!
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