Planeta Orgânico entrevista Pierre Landolt, o homem que aceitou o desafio de criar uma ilha de desenvolvimento no sertão da Paraíba e quer mostrar o potencial do Nordeste do Brasil.

Fale um pouco da trajetória deste produtor, que fincou raízes no sertão da Paraíba

No fundo, no fundo, a trajetória foi bastante simples… No início dos anos 70, vindo de Paris, onde me formei em Direito, fui mandado como trainee numa firma estrangeira em São Paulo. Tive assim a oportunidade de estagiar em todas as regiões do Brasil, conhecendo-o rapidamente sob todos os aspectos, tanto industriais como agrícolas: trabalhei então no setor farmacêutico, dos corantes destinados a indústria de papel, couros, metais e têxtil, e finalmente na agricultura, além das finanças. Me lembro que o meu primeiro contato com o semi-árido foi tentando introduzir a cultura de uma semente de “sena” então utilizada na produção de laxante. Demos uma grande volta no interior, falando com responsáveis da extensão rural, chefes de comunidades e secretarias de agricultura em dois ou três estados nordestinos.

Este contato com o sertão, que impressão lhe causou?

Foi um choque cultural emocionante que me deixou muito pensativo. Procurei me informar mais sobre esta região, que vivia num outro século. Cheguei a uma rápida e simplificada conclusão, que este estado crônico de miséria e atraso vinha mais de uma dificuldade de acesso a tecnologia, cujas razões eram várias. Não podendo mudar o mundo, nem querendo enfrentar as oligarquias ou uma estrutura política pesada, resolvi tentar uma experiência solitária, aplicando os meus recursos financeiros pela minha visão do problema, em busca de soluções limitadas, certas, mas fáceis de serem repetidas em caso de êxito. Um desafio a altura, já que os poucos gringos que entravam no sertão vinham somente para missões de curta temporada por conta da SUDENE.

Qual foi seu plano para atacar o cenário desolador que encontrou?

 

Novilhas da raça pardo-suíca

A idéia básica era trabalhar no quadro tradicional do consórcio algodão/gado, trazendo melhoramentos técnicos nas duas atividades. Pretendíamos usar e multiplicar sementes de algodão perene, de fibra longa, oriundas de uma pesquisa feita pela SUDENE e o IRCT francês, e cultivar lá com técnicas de mecanização simples, sem consórcio com milho e feijão, cultivando estes em áreas separadas.

Em paralelo, o objetivo era de montar um plantel de gado leiteiro de raça parda-suiça, altamente rústica e resistente as duras condições climáticas do sertão, praticando o melhoramento com inseminação artificial. Desta maneira podíamos escoar a produção de leite para a cidade de Patos, próxima, carente de leite durante os 8 meses de seca por ano, e vender reprodutores taurinos que iriam trazer um melhoramento genético importante do rebanho local, principalmente na precocidade e nas qualidades leiteiras dos produtos. Note-se que esta raça já existia no sertão e era muito procurada.

Depois da estratégia montada, faltava o local para executá-la…

Após alguns meses de busca no seridó cearense, riograndense, paraibano e pernambucano, nas áreas de plantio de algodão de fibra longa, encontrei a Fazenda Tamanduá, perto de Patos, que apresentava as melhores condições para o meu plano. Fui bem sucedido, tornando-me rapidamente produtor de sementes selecionadas da variedade C71 para a Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado da Paraíba, onde eu tinha encontrado apoio, incentivo e diálogo construtivo O gado cumpriu as nossas expectativas, bem aceito e o leite vendido “in natura” na cidade.

E o clima, como enfrentou esta adversidade?

Vivíamos ao ritmo das secas complicadas e sempre diferentes, tendo sempre que encontrar novas soluções. Procuramos efetuar experiências com novas culturas, variedades de forragem e pastagens, bucando descobrir culturas simples e trazendo um bom retorno ao agricultor que tinha perdido no algodão o seu “cash crop”. Chegamos a cultivar o aspargo, o maracujá e a banana. Tentamos cultivar o guar, o amendoim, o gergelim, a soja, o guayul, a maniçoba, e muitos tipos de capins, para corte ou pisoteio.

Contraste: Caatinga seca ao fundo, e mangueiras carregadas à frente.

Quando surgiu o projeto de laticínios?

O fim do ciclo do “ouro branco”, com a instalação definitiva do bicudo e a sua impossível convivência, nos levou a incrementar o projeto leiteiro, construindo uma queijeira fiscalizada pelo SIF e implantar 27 hectares de mangueiras irrigadas de variedades Tommy Atkins e Keitt.

Foi feita uma tranformação sócio-econômica na região.

Finalmente, sim, podemos dizer que mudamos uma certa visão miserabilista do sertão, criando uma ilha de desenvolvimento, de tecnologia aplicada, de soluções replicáveis. Estamos recebendo freqüentes visitas de professores de faculdades, estudantes, de funcionários de órgãos governamentais federais ou estaduais. A experiência acumulada nestes 25 anos representa uma soma imponente de informações sobre a convivência com a seca no sertão, ativa e não mais passiva, e que partilhamos com todos interessados. Hoje, com a agricultura e pecuária orgânica demos mais um passo na frente, organizando reuniões e dias de campo com os agricultores da região, divulgando novas técnicas, mais adaptadas ainda a este biotipo frágil.

Quando e porque a opção por orgânicos?

 

Representante da espécie pau d'arco encontrada na Fazenda Tamanduá, Reserva Particular do Patrimonio Natural.

O intervalo entre as secas ia se acelerando, e a de 1998/9 foi particularmente dura. Perdemos 80% das pastagens artificiais, 100% das áreas de forragem irrigadas e as mangueiras escaparam com muitos esforços. O rebanho foi fortemente diminuído, guardando exclusivamente as melhores matrizes.

Tínhamos que reconstruir quase tudo do zero. Sempre fui preocupado pela preservação do meio-ambiente e da frágil biodiversidade do sertão. A implantação das culturas seguiu um rígido plano, preservando matas, abrindo clareiras na caatinga, sempre rapidamente plantadas para evitar a erosão devida ao sol e ao vento como as fortíssimas chuvas durante o nosso curto inverno, fixando o solo com as raízes; criamos uma RPPN; chegamos mesmo a utilizar pioneiramente o BT para o controle das lagartas na cultura do maracujá a partir de 1978. Este renascimento da Fazenda Tamanduá devia ser com novas bases, uma nova visão, e não repetindo a mesma coisa. Eu conhecia o forte crescimento da agricultura e pecuária orgânica na Europa, e procurei um amigo suíço criador de gado leiteiro orgânico que me confirmou que esta opção era possível e viável. Além disso, a pressão da demanda permitia de obter melhores preços nos mercados internacionais lembrando que é necessário irrigar 8 meses por ano.

Quem certifica os produtos da Fazenda Tamanduá é o IBD. Qual o critério desta sua escolha?

A escolha do IBD me pareceu óbvia, certificadora que tem a maior experiência do Brasil. Aberta ao diálogo ela se mostrou logo muito interessada pelo desafio de desenvolver conosco normas orgânicas para o sertão, visando a pecuária e a fruticultura, integradas numa só propriedade. A opção para DEMETER e o “organismo agrícola” era também evidente. A fama de xiitas que o pessoal do IBD tem, é amplamente exagerada, e prefiro de longe uma certificadora complicada do que uma leviana. Certos compradores potenciais de mangas, ao visitarem a fazenda chegaram a me recomendar outras certificadoras, menos “burocráticas”… Um absurdo !

Hoje somos os únicos produtores leiteiros do Brasil a terem conseguido uma certificação orgânica do IBD e a fiscalização do Serviço de Inspeção Federal para os produtos leiteiros. Exportamos as nossas mangas para Europa a partir de um packing-house construído na Fazenda Tamanduá sob o controle do Ministério da Agricultura. Os queijos são vendidos no mercado nacional.

Estamos divulgando a agricultura orgânica e temos desde já conseguido converter um pequeno produtor que esta iniciando o plantio de 5 hectares de mangueiras.

Como você vê a chegada de mais selos de certificação?

A agricultura orgânica veio para resolver o problema da “mal bouffe”, e as angustias do consumidor quanto a qualidade e toxicidade potencial dos alimentos que ele ingere. Ela garante a este uma rastreabilidade total que vai até o campo. Por exemplo: cada caixa de 4 kg de mangas nossa indica não somente o mês e o dia da colheita, mas também o numero da área onde foi colhida. A proliferação atual dos selos confunde o cidadão consumidor que finalmente não sabe qual é a diferença entre cada um deles, e encontra-se assim quase na mesma posição do que anteriormente. Esta situação, que existe no mundo todo, é lastimável. Isto chegou ao ponto que na Europa foram publicados guias explicativos dos selos e mesmo um documento do WWF/Suíça que compara e julga os selos existentes usando os seus critérios.

E qual a solução para a chegada de mais selos de certificação?

Acredito que temos duas soluções e opções: uma interna e a outra externa. A primeira, com certeza a melhor, pensando na filosofia democrática do nosso movimento, seria de juntar todas as certificadoras atuando no país e estabelecer uma plataforma de práticas comuns a todas, afim de garantir uma base uniformizada a nossa agricultura e de informar os consumidores, dando uma transparência total. A outra solução seria de obter finalmente do Ministério da Agricultura uma série de medidas normativas que definam as grandes linhas de atuação da agricultura orgânica elaboradas através de um diálogo com os certificadores brasileiros mas dentro das normas determinadas pelo IFOAM. Quero enfatizar que o importante é deixar o produtor pronto e habilitado para atender tanto ao mercado interno quanto ao externo, por isso é fundamental que as normas sejam absolutamente compatíveis com as normas do IFOAM. Isto também permitiria ao movimento orgânico de sair da clandestinidade relativa onde ele se encontra atualmente, sem legislação própria nem reconhecimento oficial.

Mas o movimento orgânico não é tão clandestino assim e o consumidor está cada vez mais atento à qualidade da alimentação!…

O interessante, é que a agricultura e pecuária convencional são muito conscientes destas exigências e enquanto as firmas produtoras de defensivos agrícolas procuram a utilização cada vez menor de produtos com o menor impacto ambiental, as empresas ligadas ao setor da alimentação estão falando de rastreabilidade das matérias primas que eles utilizam. O peso do consumidor existe, mesmo que com um pouco de atraso…

A agricultura e a pecuária orgânicas estão crescendo mais rapidamente do que a organização das normas orgânicas no Brasil?

A demanda para produtos orgânicos principalmente na Europa é tal que temos visto no Brasil um crescimento bastante forte para atendê-lo. As normas ainda demoram, mas o peso cada vez maior das exportações de produtos orgânicos vai forçar as instituições a normalizar rapidamente esta situação.

Quais os gargalos do desenvolvimento da cadeia orgânica no Brasil?

Os gargalos existem e são bem diferentes de uma região para a outra. Falarei evidentemente da situação do Nordeste que tem um imenso potencial e que eu conheço bem.

Hoje o IBD tem somente 14 projetos certificados entre o Pará e a Bahia. É muito pouco, e isto se deve a muitas causas. A primeira é a pequena quantidade de consultores disponíveis, e consequentemente os altos custos das visitas, por causa principalmente das despesas de transportes. A segunda é a fraca divulgação da agricultura orgânica, que afeta tanto os produtores potenciais como o mercado que é quase inexistente no Nordeste. A terceira é, sem dúvida, a dificuldade de conseguir os financiamentos dos bancos oficiais. Ainda não há linhas específicas definidas e a burocracia é enorme.

No sul do Brasil o crescimento é maior graças a atuação do Banco do Brasil, muito positiva e construtiva, além de alguns bancos estaduais. Nota-se que a demanda existe para muitos produtos, principalmente hortigranjeiros, e que a distribuição é bastante bem organizada.

E quanto à comercialização dos orgânicos no Brasil, qual o seu ponto de vista?

O que falta também é uma real rede de comercialização nacional dos produtos orgânicos que garantiria um bom escoamento da produção e pagando uns preços justos aos produtores. Infelizmente sabemos que a comercialização dos produtos orgânicos não é sempre feita desta maneira e que existem associações e atravessadores que exploram os produtores. A implantação de centros de transformação ou de comercialização que trabalham praticando preços que refletem o mercado e dentro de uma boa transparência, favorecerá o crescimento da produção.

A produção orgânica em escala é um fato e a exportação é o resultado…

 

Packing-house da Fazenda Tamanduá

Graças ao nosso packing-house conseguimos mostrar que a exportação não é uma fantasia ou um sonho, mas uma realidade e temos vários produtores que se preparam para entrar em conversão ou implantar novas áreas orgânicas no sertão paraibano.

Da mesma forma quando montei BioCrush na Bolívia, produzir soja orgânica em Santa Cruz era o simples efeito de um idealismo formidável, mas de uma rentabilidade dúbia por causa da dificuldade da comercialização do produto. A partir da instalação deste crushing plant, certificado pelo IBD, onde os produtores foram associados, vendendo óleo de soja e exportando farelo de soja para alimentação animal na Europa, estamos arregimentando novos produtores ano após ano

Agora uma coisa que me preocupa é que estamos produzindo para o mercado de exportação, e não para a saúde dos nossos conterrâneos…

A produção orgânica cresce aos saltos. A racionalização da produção parece inevitável. O que alguns chamam de “industrialização” da cultura orgânica já começou? Este caminho é inevitável?

Sim a industrialização começou, nos USA principalmente, e isto é muito preocupante. Ainda não chegou no Brasil, mas esta chegando e estamos correndo o risco de perder neste processo parte dos nossos ideais, da nossa ética e a nossa “virgindade”. Como a agricultura convencional, a orgânica vai se transformar paulatinamente numa agricultura intensiva, agressiva. Por causa de uma oferta maior, os seus preços, atualmente compensatórios, vão despencar e a competição será cada vez mais forte. Os salários pagos vão cair, a renda do agricultor diminuir, e talvez chegaremos a ver a aparição de um proletariado agrícola orgânico. Um pesadelo… Precisamos ser atentos a esta evolução, para resolver a questão social. Talvez somente sobreviverá uma certificação do tipo Max Havelaar, que, apoiada por consumidores conscientes e de bom poder aquisitivo, permitirá de manter preços e salários mais altos, protegendo a nossa agricultura e o nosso idealismo.

Saindo do geral (Produção Orgânica Brasileira) para o particular, qual a produção atual da Fazenda Tamanduá?

Com 27 hectares plantados, a Fazenda Tamanduá produz atualmente 250 toneladas de mangas orgânicas certificadas pelo IBD, das variedades Tommy Atkins principalmente e Keitt no fim do ano. Graças ao nosso packing house instalado na própria área, estamos acondicionando mangas em caixas e pallets aqui mesmo para serem exportadas para o mercado europeu via Natal, no Rio Grande do Norte. A fiscalização é efetuada in loco pelo representante do Delegado do Ministério da Agricultura na Paraíba. Os frutos de descarte são desidratados na Fazenda, numa indústria registrada e acompanhada pelo Ministério da Saúde. Por enquanto são vendidos exclusivamente em São Paulo.

A outra produção são os queijos orgânicos, de três tipos, dois europeus, maturados, o Saint Paulin e o Reblochon, e um nordestino o Queijo de Coalho. São perto 35 toneladas anuais.

O queijo de coalho, tem mais saída na nossa região, onde a procura é muito alta. A queijo, além de ter a certificação do IBD é fiscalizado pelo SIF do Ministério da Agricultura, fato que o acho ainda único no Brasil.

E como tem sido a demanda pelos queijos da Fazenda Tamanduá?

 

Queijos da Fazenda Tamanduá

A demanda dos queijos europeus orgânicos continua ainda relativamente baixa, por causa da quase inexistência de um mercado de laticínios orgânicos. Ainda não faz parte da cultura nacional, e quem consome queijos “sofisticados” acha melhor comprar queijos importados do que oriundo de leite orgânico. O lançamento do Queijo de Coalho, recentemente aprovado pelo Ministério da Agricultura, foi um sucesso, mais por causa da sua embalagem, higiene e qualidade que por causa do apelo orgânico. A demanda tem sido realmente maior do que a nossa produção !

 

Quais suas expectativas para a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica, da qual o sr. faz parte?

 

Gado pardo-suiço da Fazenda Tamanduá

Como já disse, somos pioneiros da pecuária leiteira orgânica no Brasil, sendo os únicos a ter conseguido o registro no Serviço de Inspeção Federal. Estamos, aliás, mantendo um ótimo relacionamento e dialogo com todos os responsáveis deste órgão público.

Quando recentemente Homero Figliolini, amigo de longa data, fundou a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica, ele me procurou para assumir a vice-presidência. Sensível ao convite eu tive que recusar porque as minhas atividades na presidência de AxialPar em São Paulo, e familiares na Europa, bem como a minha longínqua residência não iriam permitir uma atuação suficiente.

Acabei sendo nomeado e eleito membro do Conselho Deliberativo, onde pretendo exercer um papel sério. O mercado para este tipo de atividade é imenso. Na Europa, o mercado dos laticínios esta explodindo e a procura para carne orgânica esta começando. Tenho até amigos suíços que estão procurando este tipo de produto com alto valor agregado. Agora para um criador como eu, lascado no sertão, com as minhas vacas produzindo exclusivamente por causa do plantio sistemático de gramíneas e leguminosas resistentes a seca, para o melhoramento artificial das áreas de pastagem, ensilando e fenando para enfrentar os meses secos, irrigando com água parca um capim de corte, esta história de boi verde criado no pasto natural, nas imensidão do Pantanal mato grossense, parece sonho (ou covardia !).

Voltando ao sério, o grande desafio para os criadores da pecuária de corte orgânica vai ser de conseguir por parte dos frigoríficos o repasse de um preço que reflita a realidade do mercado. Eu não acho que os 10 a 12% de preço extra pagos hoje seja suficiente para manter um sistema de rastreamento perfeito dos animais.O bom é de não ter medo dos desafios, e isto, garanto que não tenho!

E como é conciliar o produtor orgânico e o investidor do AxialPar?

Ao contrario dos investidores tradicionais, eu também sou produtor, o que me permite vivenciar os dois lados. Esta experiência nas duas atividades me dá uma maior sensibilidade e uma visão mais ampla, que garante aos investidos um carinho e atenção reforçada. Mais isso é uma outra história…

 

Clique aqui para saber mais sobre a Fazenda Tamanduá
www.fazendatamandua.com.br

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