Israel Klabin é presidente da FBDS, Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. Engenheiro, pós-graduado pelo Instituto de Ciências Políticas – França, presidente do conselho de administração das Industrias Klabin de Papel e Celulose e foi Prefeito do Rio de Janeiro no entre 1979 e 1983.

Desde 1992 Israel Klabin passou a dedicar-se integralmente ao meio ambiente, o qual, segundo suas próprias palavras,  será o vetor para novo sistema macro econômico do planeta. Confira a entrevista deste ambientalista convicto que propõe um novo vetor para o modelo econômico: o vetor ético.


PO – Sua veia ambientalista sempre esteve latente?

Fui criado em negócio de florestas, plantando árvores. Fui o primeiro a instalar no Brasil, enquanto prefeito no Rio de Janeiro, a questão da consciência ambiental. Em 1992 larguei tudo que estava fazendo e me dediquei somente a FBDS. Tudo se liga no modelo econômico, havendo áreas de especialização. No FBDS nós não somos especializados em agricultura. Nossas áreas de atuação estão relacionadas com florestas, sistemas hídricos, recuperação de bacias hidrográficas, mudanças climáticas, biodiversidade e políticas públicas.

PO – A FBDS foi a primeira a alertar sobre a urgência de providências com relação ao aquecimento global.

Israel Klabin – Alertamos desde 1992. A FBDS olha os problemas táticos e estratégicos. Não existe solução definitiva, rápida e global. Existem soluções específicas. Todas elas baseadas em projetos operacionais e a FBDS trabalha nesses projetos. As soluções são de três espécies:

– Absorção de Carbono: são florestas de crescimento rápido. O Brasil tem toda a infra-estrutura para grandes reflorestamentos. Existem vários projetos que podem incrementar a base florestal já existente no país. O Brasil é um país que tem ótimas condições para absorção de carbono.

– Eficiência energética, ou seja, como o Brasil pode alcançar este reclamo nacional e internacional. Como podemos preservar, conservar e economizar energia. A FBDS, associada com a FIESP instalou um núcleo de projetos de Desenvolvimento Limpo. Este centro localizado na sede da Av. Paulista é organizado em torno do que há de melhor no Brasil sobre o assunto. Coordenado pelo professor Goldenberg, sua função é desenvolver, juntamente com o setor industrial, oportunidades para execução de projetos de controle de emissões e sequestro de gás carbônico “dentro do espírito do Protocolo de Kyoto”, utilizando-se do mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que ainda está em fase de implementação.  Estamos trabalhando nisso. Temos já programados uma série de workshops, além de várias oportunidades de projetos de ponta sobre o assunto.

– As energias alternativas são o grande salto, mas, infelizmente, ainda estamos muito atrasados. A FBDS está trabalhando com a energia termosolar, que é a alternativa mais promissora. Temos um acordo com o Instituto Weizman de Pesquisas, em Israel, e com o CEPEL (Centro de Pesquisas da Eletrobrás). Através de uma tecnologia inovadora, este projeto resolve um dos problemas centrais da produção de energia solar, que é o armazenamento e a possibilidade de transportá-la. A FBDS foi o principal articulador desta iniciativa e hoje faz parte do Grupo Coordenador.

PO – E onde será implantado este projeto?

Israel Klabin – O primeiro projeto era previsto para a Bahia, que seria um projeto piloto de 10 mgw. Isto está em andamento mas a burocracia brasileira atrasa muito.

PO – Como o sr. vê a questão dos transgênicos?

Israel Klabin – O problema dos organismos geneticamente modificados, o OGM, é o problema de ponta da ciência, que ainda não está resolvido. Trata-se de um processo em evolução tecnológica mas já atingiu um patamar fantástico. No Brasil, temos várias instituições que estão à frente de grandes grupos de pesquisa internacionais. A Embrapa, e outros tantos centros de pesquisa avançados, trabalhando em diferentes áreas da engenharia genética, mostram-se promissores no desenvolvimento de organismos geneticamente modificados. Por seu lado, a CTN BIO com a participação da comunidade científica e da indústria, tem criado regras para o controle de OGM. Portanto o Brasil não deve nada à instituições “alienígenas” que possam chegar aqui divulgando novidades em matéria de ciência. Mas digamos que, eventualmente nós não tivéssemos estes centros adiantados. Ainda assim eu diria que o assunto é altamente questionável.

PO – Por que o sr. considera  transgênicos um tema altamente questionável?

Israel Klabin – Por duas razões principais. A primeira é que não há decisão final quanto ao impacto no meio ambiente, no ser humano, nos animais e principalmente nos mecanismos de evolução biológica, plantas ou animais geneticamente modificados. A tendência hoje do consumidor é informar-se melhor e encontrar maior segurança alimentar. Com isso, os alimentos industrializados e os OGM são vistos com reservas, o que pode explicar a explosão dos produtos orgânicos. A segunda, é que não existe nenhuma conclusão definitiva sobre o tema.  Aqui no Brasil, o Sr. Ministro da Agricultura tomou decisões que são favoráveis às indústrias de produtos transgênicos, assumindo riscos desnecessários, considerando as opiniões dos ambientalistas, como nós, desprovidas de valor científico, o que é lamentável.

PO – Qual o caminho do futuro, no seu ponto de vista?

Israel Klabin – Dois pontos são indiscutíveis. Primeiro: nós temos nível científico no Brasil para resolver o nosso próprio destino, em termos de evolução científica. Segundo, o que está errado basicamente é o modelo econômico da demanda de alimentos. Alimento como uma “commodity” faz parte de um processo que aos poucos está sendo ultrapassado. Comida é um direito definitivo de todo ser humano. Seja ele rico ou pobre não pode haver diferença. Esse então é o vetor ético do modelo futuro; que cada país tenha a capacidade de garantir aos seus cidadãos, o acesso a alimentos básicos, quer tenha capacidade instalada para a produção destes alimentos ou não. O modelo econômico que nós estamos vivendo no Brasil não permite isso. No Brasil não tem fome como há na África por exemplo.. Existem fomes localizadas, devido a catástrofes locais, carências localizadas, mas é um país que possui uma distribuição de comida relativamente boa.

O que eu sou totalmente contra é em relação aos efeitos de um monopólio da produção de alimentos por duas ou três empresas multinacionais, pessimamente justificado pela onda de globalização. Participei de uma longa exposição com o Sérgio Beckerman, presidente do IBGE, que abordou muito bem isso. Ele demonstrou que a média de calorias por habitantes no Brasil está bem distribuída e que o problema brasileiro não é de comida. O problema brasileiro é de educação e de educação pré-escolar.

PO – Este vetor ético de um novo modelo reflete o modelo proposto pelos ambientalistas?

Israel Klabin – O que estou querendo dizer é que nós, ambientalistas, não aceitamos apenas os efeitos visíveis dos impactos ambientais do projeto econômico. Nós questionamos a ética deste modelo. Por outro lado, pensamos numa estratégia de prazo longo. Nenhum modelo político-econômico-social está preocupado hoje em procurar uma estratégia de longo prazo ou medir as consequências dos vetores desse modelo. Isso vai dar na globalização, na privatização. Alguns são bons, alguns são maus. Fiz uma apresentação no “Woodrow Wilson Center”, em Washington, onde abordo a questão entre a produção de energia e meio ambiente. O que existe basicamente é o seguinte: o Brasil tem um excedente gigantesco de energias renováveis, hidroelétricas, porém em locais estrategicamente questionáveis. Uma grande porcentagem deste potencial está na Amazônia.

PO – Mas a preservação da Amazônia é duramente atacada pelos demais países.

Israel Klabin – Nós sabemos muito bem que o desenvolvimento assim dito, de infraestrutura na Amazônia é uma catástrofe ambiental. Veja o aproveitamento hidroelétrico de Balbina, que provocou uma grande modificação no ecossistema natural, com os lagos artificiais formados. O mesmo com as ferrovias e estradas abertas pela antiga Vale do Rio Doce. O impacto ambiental não deve ser medido somente pela obra de engenharia instalada mas sobre as externalidades decorrentes. Se você considera a estrada de ferro Carajás, feita para transporte de ferro, constata que a ferrovia atraiu uma grande quantidade de pessoas, que passaram a desmatar, queimar, construir vilas e pequenas cidades, onde anteriormente existia somente a floresta nativa. No entorno da ferrovia, ampliou-se as áreas degradadas e o impacto ambiental sócio-econômico tornaram-se gigantescos, além dos benefícios econômicos gerados pelo empreendimento. Não o impacto da mineração em si, pois ela é localizada. Mas as consequências são muito sérias, quando não se prevê o downstream de um processo de desenvolvimento. Se eu for fazer um aproveitamento hidroelétrico próximo aos Andes, onde existe uma grande diferença de altitude e uma grande ocorrência de massas hídricas capazes de serem aproveitadas, preciso saber qual o impacto do sistema adotado para o transporte desta energia. Podem ser que as vias construídas, venham a abrir áreas virgens à colonização selvagem. Eventualmente deveríamos pensar em colocar indústrias que demandem grande potencial energético próxima a fonte. Isto chama-se uma visão estratégica de longo prazo, considerando essencialmente o impacto ambiental. Esse é um dos problemas que mais nos preocupa.

PO – Que projetos o sr. destacaria como prioritários?

Israel Klabin – Há vários projetos em andamento. O Governo está atento, mas é preciso compreender que nós estamos hoje, no planeta, questionando a matriz energética. 78% da energia produzida no planeta hoje vem de combustíveis fósseis. Uma tragédia!  As emissões são equivalentes ao dobro daquelas que os ecossistemas da Terra podem digerir. Nosso planeta tem capacidade metabólica de digerir 3,3 bilhões de toneladas e nós já estamos emitindo 7,2 bilhões!! A vida na Terra depende de uma camadinha de 8km de espessura que envolve uma bola de 8.000kms quadrados. Esta fina casquinha de laranja está sendo sistematicamente destruída. Qualquer alteração em sua constituição é trágica para toda a vida vegetal e animal.

PO – E o que o Sr. acha desta atitude do presidente Bush de não assinar o protocolo de Kyoto?

Israel Klabin – Eu já estava esperando esta reação há muito tempo. Eu acho que foi ótimo ter ocorrido isso porque desmascarou uma atitude que estava levando o Protocolo de Kyoto a ser atrasado, e aos pouquinhos, liquidado.

PO – E qual o seu prognóstico para este impasse?

Israel Klabin – Como eu disse, 78% da emissão são dos países desenvolvidos, dos quais quase a metade é dos Estados Unidos. O que daria a eles o direito de veto em qualquer solução dentro da conferência das partes, e dentro da metodologia diplomática do Protocolo de Kyoto.

Qual é o processo que normalmente deverá acontecer? Caso se contabilize nos custos de produção industrial o adicional do custo ambiental da absorção do carbono emitido pelos países industrializados e os maiores emissores, as nossas economias passam a ser competitivas. Então nós estamos discutindo o modelo econômico e não mais o modelo ambiental.

Resultante final: O modelo econômico que nós estamos vivendo está fadado a desaparecer. Nós ambientalistas, temos alguns modelos alternativos. Mas para vender isto a um país de pujança e de força como os EEUU, é quase impossível. Isto vai lhes custar muito caro. Eventualmente, até a própria hegemonia.

PO – O que coloca impossível a ratificação do Protocolo de Kyoto pelos EEUU…

Israel Klabin – Eles não irão ratificar este acordo, pois há uma crise econômica e esta crise está marcada. E eu nem estou me referindo a situações particulares. Todos eles, indivíduos,  estão a favor de diminuir as emissões, ou de absorvê-las mas não querem fazer nada que altere o modelo econômico. Como o assunto foi discutido exclusivamente pelo lado ambiental, não tem solução. Isto deverá ser discutido no cenário econômico.

Veja bem, em 1945, foi o tratado de Bretton Wood que modelou o sistema macro econômico do planeta. Atualmente, deveria haver outra conferência que remodelasse o sistema macro econômico com base na sustentabilidade ambiental do planeta. O vetor principal não se chamaria Moeda, chamaria-se Meio Ambiente.

PO – A água vai virar uma commodity?

Israel Klabin – É isto que as grandes empresas internacionais querem. Se elas controlam a agricultura e a água, o controle passa a ser absoluto. A água está intimamente ligada à idéia de floresta, conservação, que por sua vez está ligada ao problema de emissões. Então, a água é o primeiro fator de sustentabilidade do planeta. Ao recuperar as matas, você está conservando os recursos hídricos ao mesmo tempo em que absorve o carbono.

PO – Há quem afirme que cultivar produtos orgânicos é um retrocesso diante de todas essas inovações tecnológicas? O sr. concorda?

Israel Klabin – Não, muito pelo contrário!  Orgânico está diretamente relacionado com meio ambiente. Vocês devem conversar com a pessoa que é um mestre para nós todos e foi da maior importância para todo ambientalista brasileiro: José Lutzemberg. Ele é o importantíssimo pensador brasileiro sobre agricultura orgânica e dirige a Fundação Gaia, onde faz suas próprias experiências nesta área.

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