PROJETO
“APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE NORMAS, PROCESSOS DE CERTIFICAÇÃO E PROGRAMAS DE ACREDITAÇÃO DE CERTIFICADORAS DE PRODUTOS ORGÂNICOS ORIUNDOS DA AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL PARA COMERCIALIZAÇÃO NO MERCADO INTERNO E EXTERNO”

(Projeto CNPq nº 520874/01-3)

Os Supermercados e o Consumo de Frutas, Legumes, Verduras, (FLV) Orgânicos Certificados

Julia S. Guivant, Coordenação geral e redação final
Maria Fernanda de A. C. Fonseca
Fábio Sampaio V. Ramos
Marina Scheiwezer
ffonseca@netflash.com.br
Relatório Final de Pesquisa
Agosto 2003
 

INDICE 

INTRODUÇÃO.
PRIMEIRA PARTE.

        OS SUPERMERCADOS NO SISTEMA  AGROALIMENTAR (SAA)
        1. O contexto internacional
        2. O setor supermercadista no Brasil 

SEGUNDA PARTE. 16
        A COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS ORGÂNICOS E.
        O PAPEL DOS SUPERMERCADOS.�
        1. O contexto internacional�
        2. Estratégias dos supermercados na comercialização de orgânicos.
        3. Comercialização de orgânicos em supermercados no Brasil 

TERCEIRA PARTE.
        A CARACTERIZAÇÃO DOS CONSUMIDORES ORGÂNICOS.
        1. O contexto internacional
        2. Problemas nas pesquisas sobre perfil e motivações dos consumidores.
        3. Um estudo sobre perfil dos consumidores orgânicos desde o ponto de vista do setor supermercadista no Brasil 

QUARTA PARTE.
        RELAÇÕES ENTRE SUPERMERCADOS, FORNECEDORES E CONSUMIDORES.�
        1. Etapas nas relações entre supermercados e fornecedores.
        2. A perspectiva dos fornecedores.
        2.1) Empresa A.
        2.2) Empresa B.
        2.3) Empresa C.
        3. A Perspectiva Dos  Supermercados.
        3.1. Casas Sendas.
        3.2.Carrefour.
        3.3. Supermercados Pão de Açúcar.
        3.4. Supermercados Zona Sul.
        4. A perspectiva dos consumidores.
        5. O problema do preço.
        5.1. Pesquisa de campo sobre preços.
        5.2. Caracterização das marcas.
        5.3. Comparações de preços.
        6.Análise dos dados.
        6.1.Comparações entre fornecedores, supermercadistas e consumidores.
        6.1.1. Relações entre fornecedores e supermercadistas.
        6.1.2. Relações entre fornecedores e produtores.
        6.1.3. Algumas observações sobre as interfaces entre fornecedores, supermercados e consumidores. 100 CONCLUSÕES.
SUGESTÕES.
BIBLIOGRAFIA.
ANEXO 1.
ANEXO 2.

Introdução 

Há uma significativa concentração de estudos no Brasil sobre os mercados alternativos de produtos orgânicos, que se orientam a quem já está disposto a incorporar na sua dieta tais produtos ou que compartilha valores e estilos de vida identificados de uma forma difusa com o que se entende por movimento de agricultura orgânica. A falta de atenção para o que acontece no espaço dos supermercados corresponde com tensões presentes nos debates entre associações de produtores, ONGs, certificadoras e pesquisadores. Os argumentos dividem-se entre os que se posicionam contra a comercialização nos supermercados por considerar que estabelecem contratos que prejudicam significativamente o produtor familiar e elitizam o consumo de orgânicos, e os que sustentam as vantagens e inevitabilidade de entrar nas redes de varejo principalmente nos grandes centros urbanos sem por isto ter que renunciar aos princípios e valores que orientam tal produção, garantindo um mercado permanente, possibilidades no planejamento da produção, e recebimento relativamente em dia. Estes argumentos refletem o dilema que enfrentam produtores e distribuidores de alimentos orgânicos sobre se permanecer como um movimento social, uma nova forma de estimular o desenvolvimento social, ou como mais outra cadeia produtiva de alimentos. 

Mas, paralelamente a estes debates, a medida que a produção e o mercado de alimentos orgânicos foi se expandindo durante os anos 90, tanto no contexto internacional quanto no Brasil, os supermercados passaram a ter um papel dominante principalmente nos grandes centros urbanos em relação aos outros canais alternativos de comercialização, revertendo o papel que tinham as tradicionais lojas de produtos naturais e as feiras. Entretanto, a introdução dos supermercados nas redes de comercialização de produtos orgânicos coexiste com novas estratégias de comercialização, como cestas domiciliares e supermercados e mercados especializados, e as lojas, entrepostos e feiras, num papel secundário nos grandes centros urbanos, como na cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro.Este trabalho pretende contribuir na compreensão do papel do setor supermercadista na comercialização de produtos orgânicos, fundamentalmente frutas, legumes e verduras (FLV), e se podemos considerar que este setor estaria influenciando a conversão do não comprador de orgânicos em comprador, ocasional ou freqüente, dado que os supermercados são agentes poderosos exercendo influência sobre as opções de consumo e o controle de qualidade e da segurança alimentar. 

Entre os temas pesquisados incluem-se a comparação das estratégias e critérios de negociação do setor supermercadista com fornecedores convencionais e orgânicos e a identificação das estratégias de três importantes empresas de fornecedores e distribuidores de orgânicos nas negociações com aquele setor. Preferimos não focalizar a análise exclusivamente na caracterização do perfil do consumidor de orgânicos nos supermercados. Este tipo de pesquisa apresenta sérias limitações, tendendo a realizar uma análise demográfica dos consumidores e captar intenções de compra que nem sempre são coerentemente assumidas na prática. A expectativa é a de poder chegar a entender a tendência do consumo de orgânicos a partir das estratégias dos supermercados e do aumento das vendas. Entretanto, ainda assim incluímos uma pesquisa qualitativa com consumidores de produtos orgânicos em alguns supermercados do Rio de Janeiro, que nos permite estabelecer alguns parâmetros comparativos com pesquisas realizadas com consumidores em feiras orgânicas.

Além disso, como o rótulo e o preço dos produtos orgânicos deveriam estar extremamente ligados ao papel da certificação na garantia da qualidade e na identificação de uma denominação de origem junto aos consumidores, realizamos também uma pesquisa sobre este tema nos supermercados visitados no Rio de Janeiro. Foram pesquisados os preços dos produtos orgânicos e convencionais, a concorrência com produtos semelhantes e quanto a rotulagem apresentada pelos produtos orgânicos, bem como junto dos consumidores no que diz respeito à identificação do selo da certificadora quanto a referência do significado sobre denominação de “produto orgânico”, entre outros aspectos.

A pesquisa tem um caráter exploratório com relação a organização de referências bibliográficas diversas sobre as relações supermercados e comercialização de orgânicos no mundo e no Brasil. Uma contribuição de nosso trabalho é procurar integrar a análise sociológica sobre o papel dos supermercados com a  análise de diversas publicações especializadas no setor supermercadista para identificar o tipo de enfoque que é dado aos produtos orgânicos dentro das estratégias de marketing dominantes. Também procuramos informações na internet, colocadas pelas redes de supermercados ou pelos representantes do setor, pelas empresas de fornecimento, certificadoras, etc., artigos em revistas e jornais, assim como procuramos relatórios de estudantes de pós-graduação, consultorias nacionais e internacionais e informes que expressem o ponto de vista do setor supermercadista.

O trabalho foi complementado com algumas entrevistas qualitativas em profundidade com gerentes de supermercados (Sendas, no Rio de Janeiro e Carrefour, em São Paulo) e com representantes de duas das mais importantes empresas de fornecimento de orgânicos para os supermercados e uma ligada a associação de produtores. Entre outros entrevistados incluem-se também gerentes de supermercados e o presidente da Associação dos Supermercados do Rio de Janeiro. Finalmente foi feito um levantamento sobre como alguns supermercados do Rio de Janeiro estabelecem a forma em que se exibem, organizam,  promovem e diferenciam os produtos orgânicos dos convencionais.

Dada a limitação da amostra desta pesquisa, não pretendemos aqui fechar com conclusões gerais. Consideramos fundamental delimitar melhor este campo de comercialização dos orgânicos de forma a permitir identificar problemas em comum na comercialização de orgânicos e convencionais, problemas que enfrentam os fornecedores para negociar com os supermercados e problemas que enfrentam os supermercados para introduzir os orgânicos. Algumas sugestões para estabelecer condições mais justas para o comércio de orgânicos através dos supermercados são apresentadas no final.

Primeira Parte – Os Supermercados no Sistema Agroalimentar (SAA) 

1. O contexto internacional
Apesar dos supermercados terem cada vez mais um papel central no nosso cotidiano enquanto consumidores, observa-se ainda pouco destaque em trabalhos acadêmicos sobre as implicações sociais, econômicas e políticas deste papel. Como apontam Marsden et al. (2001:24), os economistas que analisam política agrária encontram dificuldades em situar o setor corporativo dos supermercados nos modelos globais dos regimes alimentares. Os sociólogos rurais têm tendido a considerar tal setor como desconectado de processos relacionados com a produção agrícola. A proposta de Marsden et al.  é superar tais limitações e analisar o significado do setor supermercadista e suas complexas implicações no Sistema Agroalimentar (SAA). Nossa análise seguiu o enfoque das suas contribuições.Os supermercados têm passado a assumir na década de 90 um papel cada vez mais central no abastecimento de alimentos, no controle de sua qualidade e na seleção dos produtos que coloca nas prateleiras. Na União Européia (UE) o número de lojas varejistas estima-se em torno de 4 milhões, fundamentalmente na Itália, Alemanha, Espanha e Reino Unido. A concentração pode ser exemplificada com estes dados de 1994 (Marsden et al. 2000: 6) onde as mais importantes lojas varejistas em cada estado membro da UE respondem por uma significativa parcela na venda geral de alimentos: 57% na Alemanha, 61% na Bélgica, 35% na Espanha, 67% na França, 39% na Grécia. Globalmente, os 25 maiores varejistas controlam 16% das vendas do setor, mas se prevê que para 2009 cheguem a controlar 40% (Grocer Yearbook 2002). Em 2001, as vendas da Wal-Mart chegaram a US$ 218 bilhões, ultrapassando a Exxon-Mobil no título da maior empresa mundial em vendas. Wal-Mart tem atualmente mais de 3 mil lojas nos Estados Unidos e mais de mil na América do Sul, América Central, Ásia e Europa.

O poder de mercado das corporações varejistas é cada vez mais dependente de ações sociais e políticas em direção tanto das agencias governamentais quanto dos consumidores. Como resultado desta mudança de ênfase, novas relações de poder e novas relações de competitividade emergem, influenciando o abastecimento de alimentos e as opções de alimentos que é oferecida para os consumidores (Marsden et al., 2000:3).

As relações entre alimentos, consumo e escolha é muito complexa e multifacetada, como têm já apontado Murcott (1998). Um dos aspectos aqui envolvidos é a relação entre alimentos e riscos-qualidade e saúde. Os supermercados seriam atualmente agentes centrais no processo de transformação da esfera do consumo alimentar. A capacidade dos supermercados de continuar produzindo novas opções de consumo alimentar está se fortalecendo com iniciativas cada vez mais importantes no que diz respeito as inovações e as escolhas sobre a qualidade dos alimentos.

O setor supermercadista está dando crescente importância a inovações na área de qualidade dos alimentos, demandando para isto mudanças tanto no gerenciamento quanto no planejamento e logística dos fornecedores e também dos produtores rurais. Mas não só se precisa que os alimentos sigam certos padrões ou normas exigidos, mas que se demonstre que estão sendo aplicados corretamente (como a Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle -APPCC).Trata-se de um sistema de construção da qualidade, e também de estratégias tangíveis em que os interesses dos consumidores são construídos numa base dinâmica: “Retailers are at the apex of this quality construction; being able to absorb and transmit regulatory changes, customer reactions and supply chain quality assurance parameters.”(Marsden et al, 2000: 8). O “poder” de cada supermercado neste processo vai depender de seu tamanho e da posição em relação aos outros supermercados. Para os consumidores, isto implica que a qualidade dos alimentos vai depender da escolha do ponto de compra. “The mass activity of retail shopping resembles the act of choosing a restaurant for a meal out.”

A partir dos anos 80 e início dos 90, os supermercados tendem a localizar-se em áreas de residência próximas de classes de alto poder aquisitivo ou em áreas nas quais só se pode chegar de carro. Esta polarização sócio-espacial tem gerado o que se denomina como o deserto dos alimentos, nas áreas com poucas lojas de alimentos, que acabam cobrando altos preços para consumidores de baixa renda (Friends of the Earth, 2003).

Mais recentemente, os supermercados concentraram-se na consolidação da lealdade de parte dos consumidores, com “Smart Cards” (Cartões Inteligentes), possibilitando a entrega à domicílio e as vantagens do comércio eletrônico. Procuram-se fórmulas de sobrevivência em condições de intensa competitividade, o que leva o setor a se engajar em estratégias multidimensionais para poder garantir seu espaço competitivo. Dentro destas estratégias pode-se considerar a inclusão dos produtos de qualidade superior e/ou específica, como os produtos orgânicos.

2. setor supermercadista no Brasil

Se os consumidores foram beneficiados pela elevação da renda no Plano Real, ao mesmo tempo foram vítimas da redução no número de redes de varejo no país. Isso ocorreu especialmente no setor de supermercados. Em 94, as cinco primeiras redes de supermercados da região metropolitana de São Paulo, por exemplo, representavam 25% das vendas do setor na região. Hoje, esse número beira os 47%, informa a FCESP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo). A concentração é resultado de um processo em que as redes mais poderosas, internacionais e nacionais, acabam adquirindo as menores que, geralmente, não conseguem competir no mercado. Além do setor de supermercados estar mais concentrado, observa-se também maior participação de capital estrangeiro. Em 94, as 20 maiores redes de supermercados do Brasil representavam 56% do faturamento total dos supermercados. Desse percentual, as empresas com participação de capital de fora representavam 16%. Em 2001, as 20 maiores já dominavam 75% das vendas do setor, e o capital estrangeiro avançou de 16% para 57%. (Folha de São Paulo, Outubro número 25, 2002).

Desdobrando os dados do setor, é possível ver que o ano foi melhor para os hipermercados do que para os supermercados. De 1974 a 2001, a fatia dos hiper nas vendas do setor subiu 191% .As vendas dos hipermercados totalizaram 26,8 bilhões de reais, com um avanço nominal de 16% sobre os 23,1 bilhões de 2001. Na faixa dos supermercados o avanço foi de 5%: de 49,8 bilhões para 52,1 bilhões de reais. As razões para o fraco desempenho, são conjunturais: salários comprimidos, alto nível de desemprego, inflação corroendo o poder de compra e variação cambial provocando aumentos de custos. No entanto, segundo os analistas da revista Supermercado Moderno, a gestão fez diferença no desempenho individual das empresas.

Isso fica evidente na avaliação das vendas por metro quadrado – uma medida de produtividade. O Carrefour reduziu sua área total de vendas de 1,015 milhões de metros quadrados para 942 694. Mas o faturamento total foi 9% maior, com um crescimento de 17% no índice de venda por metro quadrado. O número de lojas foi cortado de 227 para 204. O Carrefour voltou a privilegiar os hipermercados, sua especialidade, e reviu a estratégias para a marca Champion, de supermercados.

Já a CBD (Companhia Brasileira de Distribuição (Pão de Açúcar, Extra, Barateiro, entre outras)) seguiu o caminho oposto, pois o número de supermercados da sua rede foi ampliado de 326 para 386 supermercados. Considerando os hipermercados Extra, a expansão foi de 381 para 434 lojas. O melhor desempenho, entre as marcas da CBD, ficou com o Barateiro, cujas vendas tiveram crescimento nominal de 38%. No total da empresa, as receitas evoluíram 18%. Mas as vendas por metro quadrado da CBD avançaram apenas 1,9%. Nas lojas Extra, as vendas por metro quadrado aumentaram apenas 4% (Ver situação geral do setor na tabela nº 1)

Tabela nº 1 – O setor Supermercadista Brasileiro – Totais de setor

 

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2001x
2000
variação

Nº. LOJAS
(Total Auto-Serviço)
Censo Nielsen

43.763

47.787

51.502

55.313

61.259

69.396

13,3

FATURAMENTO ANUAL
(em R$ bilhões nominais)

46,8

50,4

55,5

60,1

67,6

72,5

7,2

FATURAMENTO ANUAL
(EM BILHÕES) A PREÇO DE 2000

64

66,4

66,3

70,3

68,4

67,6

-1,23 real

Participação
% do faturamento sobre o PIB

6,2

6,0

6,1

6,0

6,2

6,2

  ___

EMPREGOS DIRETOS

625.000

655.000

666.752

670.086

701.622

710.743

1,3

ÁREA VENDAS – (m² milhões)

n.d.

12

12,7

13,1

14,3

15,3

7,0

Nº. CHECK-OUT

n.d

123.170

125.867

135.914

143.705

156.022

8,6

n.d.: Não disponível * A preços de 2001 – Todos os valores foram trazidos para 31/12/2001
Fonte: Abras (www.abrasnet.com.br/index_informacoes.htmmarço 2003)

Considerando-se a jusante do segmento agro-industrial, percebe-se que a distribuição esteve em crescente concentração na década de 1990. De acordo com dados da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), as cinco maiores redes do setor – Carrefour, Sonae, Pão de Açúcar (CBD), Bompreço e Sendas – detêm 42,6% do mercado nacional (Zero Hora, 11/01/2000). Em 2002, o ranking foi liderado pela Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), a holding do Pão de Açúcar, com faturamento de 10,8 bilhões de reais, seguida de perto pelo Carrefour, com 10 bilhões, e num distante terceiro lugar o Bompreço, com 3,4 bilhões (Exame, 17/04/2003) (Tabela nº 2).


Tabela nº 2

Ranking do Relatório Anual

Tabela comparativa 2001×2002

2.002

2.001

Empresa

Faturamento

Empresa

Faturamento

1º Cia. Br. de Distribuição

10.80 bilhões

1º Carrefour

9,23 bilhões

2º Carrefour

10.07 bilhões

2º Cia. Br. de Distribuição

9,06 bilhões

3º Bompreço

3.40 bilhões

3º Sonae

3,40 bilhões

4º Sonae

3.34 bilhões

4º Bompreço

3,21 bilhões

5º Sendas

2.52 bilhões

5º Casas Sendas

2,62 bilhões

6º Wal Mart

*1.75 bilhões

6º Wal-Mart

1,48 bilhões

7º Cia. Zaffari

1.04 bilhão

7º Jerònimo

Martins 1,04 bilhões

8º G. Barbosa

810,4 milhões

8º Cia. Zaffari

838,6 milhões

9º Coop

753,3 milhões

9º G. Barbosa

730,6 milhões

10º Irmãos Bretas

662,8 milhões

10º Coop

639,4 milhões

11º A. Angeloni

598,6 milhões

11º Irmãos Bretas

601,3 milhões

12º Mundial

547,6 milhões

12º A. Angeloni

542,8 milhões

13º Líder

521,1 milhões

13º Sonda

429,6 milhões

14º Sonda

493,1 milhões

14º DMA

417,5 milhões

15º DMA

488,8 milhões

15º Irmãos

Muffato 414,8 milhões

16º Condor

471,9 milhões

16º Sup.Mundial

412,5 milhões

17º Irmãos Muffato

452,1 milhões

17º ABC

400 milhões

18º D´Avó

388,1 milhões

18º Arcos

360 milhões

19º Empresa Baiana

317,1 milhões

19º Condor

340,7 milhões

20º Carvalho & Fernandes

316,7 milhões

20º D’Avó

285,3 milhões

* Faturamento estimado por SM. Excluído Eletro do faturamento da CBD, por se tratar de rede voltada a não-alimentícios.

Fonte: Exame (17/4/2003)

Outra mudança importante apontada pela revista Supermercado Moderno (janeiro 2003 http://www.sm.com.br/abr03/mes/abertura.htm) é que a camada social que registrou crescimento expressivo foi a classe C.  Segundo a empresa  The Boston Consulting Group, surgiram 3,4 milhões de novos domicílios entre 1992 e 2000. Somando as classes C, D e E chega-se a cerca de 120 milhões de pessoas, que movimentam R$ 235 bilhões por ano de acordo com a Fundação Instituto de Administração (FIA). Foram abertas redes de desconto,como a ECON, com 64 lojas, e grandes grupos como Carrefour e Bompreço vêm abrindo unidades na periferia.

Box 1


Há dez anos, quando vivia no interior da Paraíba, a faxineira Ivanilda Carrero, de 27 anos, fazia as compras com a família em feiras ou armazéns. Morando desde 1994 em um bairro periférico de São Paulo, ela hoje pode escolher entre dois hipermercados e vários supermercados.
– Escolho pelo preço e pela entrega em casa, já que não tenho carro – diz Ivanilda, que ganha cerca de quatro salários mínimos.

Fonte: Revista Supermercado Moderno (Janeiro, 2003)
Talvez isto mostre uma tendência diferente da que se observou no início deste Relatório nos países altamente industrializados, onde têm surgido os “desertos de alimentos”.

2.1 As Estratégias dos supermercados para FLV

No Brasil, o papel dos supermercados na comercialização de frutas, legumes e verduras (FLV) é cada vez mais importante. De acordo com pesquisa publicada na revista Frutifatos (junho 2002), realizada por iniciativa da Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional, e que  envolveu 300 lojas e 906 consumidores na área de São Paulo e Grande São Paulo, a grande maioria dos entrevistados (84%) costuma consumí-los diariamente, e a média geral fica perto disso – mais de cinco vezes por semana.
Outro dado importante dessa pesquisa para nosso trabalho é a constatação de que cerca de 40% das pessoas ouvidas aumentaram seu consumo de FLV no último ano e, quase 50% mantiveram o consumo anterior. Esses dados acompanham a tendência mundial em busca de melhor qualidade de vida, diretamente associada à melhor alimentação e as FLV estão neste novo cardápio.

Box 2

“Constatamos que o consumo de frutas, legumes e verduras é motivado fundamentalmente pelo valor nutricional que agrega à alimentação, promovendo um melhor estado de saúde para seus consumidores”, diz o relatório da pesquisa realizada pela Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional. Os consumidores ouvidos indicaram também, como razões de consumo, qualidade, sabor, higiene, aparência e frescor dos produtos. O conceito de que o consumo de frutas, legumes e verduras possibilita uma vida mais saudável é ainda mais presente entre os consumidores do interior do estado e entre os do sexo masculino. Foram muito citados, especialmente entre os consumidores das faixas etárias mais elevadas e do sexo masculino, como motivos específicos, o aumento do consumo de fibras para um bom funcionamento do aparelho digestivo, a perda de peso, a redução da taxa de colesterol e da taxa de gordura. A perda de peso é a razão mais importante entre as mulheres. Os jovens são os mais preocupados com a qualidade de vida. Embalados por essa tendência, muitos supermercados têm aprimorado suas seções de hortifrútis, estimulando o aumento do consumo, que acaba se refletindo em novos investimentos em equipamentos, instalações e treinamentos.

Fonte: Pesquisa de Mercado de frutas e Hortaliças junto ao setor supermercadista do Estado de São Paulo, M1, Junho/Agosto-98 

Gráfico nº 1 Tamanho dos estabelecimentos e percentagem de faturamento em FLV

 grafico3

Fonte: Pesquisa de Mercado de frutas e Hortaliças junto ao setor supermercadista do Estado de São Paulo, M1, Junho/Agosto-98

Com a diversificação das variedades de FLV, as novas formas de apresentação e exposição e a busca da excelência na decoração, os supermercados têm nos hortifruti um caminho privilegiado para a manutenção e atração de novos clientes, o que tem se refletido na sua participação com cerca de 10% do faturamento global destes estabelecimentos no crescimento das vendas do setor (Frutifatos, dezembro 1999). As FLV são uma porta chave para atrair os consumidores devido ser necessário visitas aos supermercados mais freqüentes para se abastecer destes produtos. A pesquisa de 2002 apontou que entre as pessoas pesquisadas, 59% delas compram uma vez por semana e 35% compram duas vezes por semana, no mínimo FLV. Quem compra com maior freqüência é o consumidor de classe mais alta, e essa tendência se acentua se o comprador é homem e de mais idade. A alta freqüência de compra no conjunto dos consumidores torna as FLV muito importantes para os supermercados, pois implica no aumento do fluxo de pessoas nas lojas; em conseqüência, a perspectiva é de que o setor invista cada vez mais para aprimorar a operação com esses produtos, atraindo mais consumidores (Frutifatos, junho 2002) (Figura nº 1)

Figura nº 1 Os Hortifrutis no leiaute dos supermercados

leiaute-dos-supermercados

Fonte: Frutifatos (dezembro 1999)

Segunda Parte – A Comercialização dos Produtos Orgânicos e o Papel do Supermercados 

1. O contexto internacional 

O mercado mundial de orgânicos movimenta cerca de US$ 23,5 bilhões de dólares por ano, e há uma expectativa de crescimento da ordem de 20% ao ano. Neste mercado incluem-se produtos frescos, processados, industrializados e até artigos de cuidados pessoais, produzidos com matérias primas obtidas sob sistema orgânico.De acordo com dados do ITC (Tabela nº 5) citados por Yussefi e Willer (2002 e 2003), o mercado varejista mundial de alimentos e bebidas orgânicas aumentou de US$ 10 milhões de dólares para 17,5 milhões em 2000 (crescimento de 58% ao ano), sendo estimado para 21 milhões em 2001, caso se mantivesse a taxa média de crescimento anual de 20%. Os mercados que mais cresceram nos dois últimos anos foram os do Reino Unido e dos EUA. Embora o mercado esteja crescendo a taxas consideráveis (10-30% nos países de alta renda), ainda é pequena a fatia que os produtos orgânicos alcançam no “market share” total de vendas de alimentos (1 a 3%), embora indiquem enorme potencial. Supondo-se que na maioria dos mercados alcance 3% das vendas do varejo no mundo, quase dobrariam, o que não é tão irreal.

Tabela nº 3: Evolução do mercado internacional de produtos orgânicos

País

1997 Vendas no  varejo (milhões US$)

 

2001 Vendas no varejo** (milhões US$)

 

2003 Vendas no varejo (milhões US$)

 

% de vendas de alimentos (milhões US$)

Crescimento (2003-2005) %

Alemanha

1,8

2000-2,400

2,800-3,100

1,7-2,2

5-10

Reino Unido

450

1,000-1,050

1,550-1,750

1,5-2,0

10-15

Itália

750

1,000-1,050

1,250-1,400

1,0-1,5

5-15

França

720

800-850

1,200-1,300

1,0-1,5

5-10

Dinamarca

300

350-375

325-375

2,2-2,7

0-5

Áustria

230

250-275

325-375

2,0-2,5

5-10

EUA

 

 

 

 

 

Canadá

 

 

850-1,000

1,5-2,0

10-20

Japão

1,2

2,500***

350-450

<0,5

 –

Oceania

110

 

75-100

<0,5

 –

TOTAL

10,000

17,5008

23,500

  –

 –

Fonte: Baseado em Yussefi &Willer (2002 E 2003). ***Com o estabelecimento dos “standards” japoneses em 2000, o mercado orgânico deverá ser de se de US$ 350 milhões, sendo o restante de produtos naturais, ecológicos (FAO, 2001).

O mercado americano de orgânicos movimentou cerca de 11 bilhões de dólares em 2002 e tem crescido a uma taxa anual de 15% a 20%, enquanto que na Europa são comercializados mais da metade de todos os produtos orgânicos comercializados internacionalmente, sem sinais de que esta tendência esteja chegando a sua saturação (Yussefi e Willer, 2003). Os principais condutores deste crescimento do mercado são cadeias de supermercados e políticas públicas que geram condições favoráveis para os produtos orgânicos. De forma conjunta, estes dois fatores teriam criado a possibilidade de um aumento harmonioso da oferta e da demanda. Ainda que só 3% da área agrícola de Europa seja cultivada de forma orgânica, e a percentagem dos produtos orgânicos no mercado seja entre 1 e 2 %, a agricultura orgânica tem um espaço seguro na economia européia. Por exemplo, no Reino Unido, o consumo de produtos orgânicos registrou expansão 500% entre 1987 e 1997, sendo que a produção britânica vem crescendo em torno de 40% ao ano. As vendas de carne orgânica tiveram aumento de 189% entre 1992 e 1996. Alemanha é o maior mercado orgânico, com valores de venda aproximadamente de 2,5 bilhões de Euros. Em termos de consumo per capita, Dinamarca e Suíça são claros líderes (ver gráfico nº 3) 

Gráfico nº 3 Vendas per capita de produtos orgânicos em alguns países da Europa (2000)

tabvendapercapita

Fonte: Yussefi e Willer (2003)

Uma das observações importantes do relatório é a relação entre os países que mais comercializam produtos orgânicos nos supermercados e os países nos quais o mercado de orgânicos é mais alto. Em muitos paises, incluindo Suíça, mais de 70% dos produtos orgânicos é comercializada através de várias cadeias de supermercados (ver gráfico nº 3).

Entretanto, isto depende de cada país. Por exemplo, a Alemanha, tem o maior mercado de produtos orgânicos na Europa, e o setor das lojas de produtos naturais é o responsável pelo maior escoamento de produtos orgânicos.

Há uma correlação interessante quando se compara o “market share” ocupado pelos orgânicos. De acordo com Yussefi e Willer (2002), estimativas no mercado europeu para o ano 2000, feitas pelo ITC, situavam-se entre US$ 6,760 a 7,420 milhões de dólares e o Organic Monitor estimava que alcançasse, em 2001, US$ 12 bilhões dólares. A Alemanha continuaria sendo o maior mercado, seguida pela Dinamarca e pela Suíça.

Por isso, apesar da importância dos supermercados, as lojas de produtos naturais não ficam em total desvantagem. Pelo contrário, de acordo com o Relatório, na maioria dos paises europeus os canais de comercialização através de lojas especializadas também acabam beneficiando-se do crescimento geral dos produtos orgânicos e do aumento das vendas.Uma outra tendência que vem crescendo são os pequenos varejos exclusivamente de produtos orgânicos como é o caso da rede Bio na França e Biofit na Alemanha.

Gráfico nº 4 Participação do valor dos produtos orgânicos vendidos nas redes de varejo na Europa (2000)

retail-chains

Fonte: Yussefi e Willer (2003)

Também Pinton (2001) e Kolkman (2001) destacam o papel dos supermercados no desenvolvimento do mercado de orgânicos na Europa. Pinton analisa o caso da Itália, onde mesmo que os consumidores considerem os produtos orgânicos como algo exótico, em 1999 e 2000, o número de supermercados com seções de orgânicos excedia o número de lojas especializadas em orgânicos (ver tabelas nº 4 e 5)

Tabela nº 4 Relação do número de lojas de produtos orgânicos e supermercados com setores de produtos orgânicos na Itália

Ano

1996

1997

1998

1999

2000

Lojas de produtos orgânicos

771

713

824

981

987

Supermercados

130

193

357

624

1439

Fonte: Pinton (2001) 

Tabela nº 5 canais de distribuição para frutas e verduras orgânicas na Itália

Canais de distribuição

1996

2000

Direto do produtor

35%

15%

Lojas especializadas

55%

40%

Supermercados

10%

45%

Fonte: Pinton (2001) 

Nos EUA os produtos orgânicos têm suas vendas estão concentradas em duas cadeias de varejistas que detém 10% do mercado total de vendas dos orgânicos no varejo. O supermercado “Wild Oats” fatura US$ 916 milhões dólares, contando, até final de 1999, com 54 filiais em 13 estados. Outra rede é Whole Foods. Fundada em 1980, no Texas, a empresa é hoje uma das maiores cadeias americanas de supermercados de produtos orgânicos, com 140 lojas nos Estados Unidos e no Canadá e faturamento de 2,2 bilhões de dólares em 2001 (Revista Exame, 15/01/2003). Até 2000, a ausência de uma legislação nacional específica levava a confusão quanto aos conceitos de produtos naturais e orgânicos, pois ambos os tipos de produtos abastecem os supermercados.

Na América Latina, alguns países têm mercados internos de produtos orgânicos em expansão, ainda que grande parte da produção seja destinada para exportação. De acordo com o Yussefi e Willer (2003), baseados em informações de Pipo Lernoud (vice presidente da IFOAM) o mercado interno de produtos orgânicos em países latinoamericanos é abastecido através de diversas formas. Entre estas, se destacam as associações de produtores rurais que comercializam em supermercados. O papel dos supermercados na América Latina é destacado nesse Relatório, em paises como Uruguai, Costa Rica, Honduras, Peru, Brasil e Argentina. Alguns supermercados têm estimulado e desenvolvido marcas de produtos orgânicos. Por exemplo, Sol de Acuario, uma companhia argentina, conta com uma ampla variedade de produtos orgânicos certificados em convênio com redes de supermercados.

Outros canais de comercialização são as lojas especializadas, ou de alimentos naturais, onde os produtores orgânicos podem vender seus produtos para consumidores informados. E também as feiras ecológicas, provavelmente a forma mais popular de comércio orgânico na América Latina. Muitos governos locais subsidiam este tipo de comercialização. Yussefi e Willer (2003) observaram que apesar do pouco significado econômico destas feiras, elas são importantes para os pequenos produtores e no total representam uma importante parte do mercado orgânico do continente.

As iniciativas das Associações e Cooperativas de Consumidores como a COOLMEÍA (Cooperativa Ecológica Coolméia Ltda) no movimento da agricultura orgânica no Brasil, tem presença cada vez maior no escoamento dos produtos orgânicos de forma justa e consciente, principalmente nas cidades da região Sul do país. Também podem mencionar-se a COOPET (Cooperativas de Consumidores de Produtos Ecológicos de Três Cachoeiras) e a ECOTORRES no Rio Grande do Sul e  a ACOPA (Associação dos Consumidores de Produtos Orgânicos do Paraná) no Paraná.A venda de cestas domiciliares também tem crescido nas grandes cidades. Este esquema, em muitos casos, tem servido como ponto de partida para outros métodos de comercialização e tem resultado no desenvolvimento de associações de produtores e distribuidoras especializadas. Outro esquema parecido foi o que surgiu inspirado no sistema japonês Teikei e no americano CSA (Community Supported Agriculture- La Comunidad Sustenta a la Agricultura). Grupos de famílias consumidoras juntam-se a produtores orgânicos para planejar um ano de produção. Os consumidores adiantam um pagamento, de forma a permitir o inicio da produção, e aceitam compartilhar riscos e preços fixos. De acordo com Yussefi e Willer (2003: 97-98) isto é uma realidade já faz alguns anos em áreas do Nordeste do Brasil -Ceará ADAO (Associação para o Desenvolvimento da AO) e na região de Lima (Peru).

2. Estratégias dos supermercados na comercialização de orgânicos 

Através de uma política de distribuição, a grande rede tem estoque de produtos, sendo que a linha orgânica varia com o tipo de mercado e com suas características locais dos seus consumidores. Richter et al (2001) identificam fundamentalmente 3 tipos de estratégias dos supermercados em relação à comercialização dos produtos orgânicos. As diferenças entre estes 3 tipos fundamentam-se na variedade de produtos oferecidos, na motivação e na competência dos funcionários do setor de vendas, na apresentação e na posição na loja dos orgânicos. Os tipos são:
1)   estratégia orgânica mínima
2)   estratégia orgânica básica�
3)  estratégia orgânica máxima

A estratégia mínima é implementada quando um supermercado tem uma quantidade limitada de produtos orgânicos, junto com FVL hidropônicos ou cultivados utilizando o Manejo Integrado de Pragas (MIP), são os produtos oriundos da agricultura integrada ou “razoável” (Agriculture Razonée). A empresa não anuncia separadamente estes alimentos e não são visualmente dominantes na loja. Não existe um propósito explícito de dar a empresa um perfil orgânico ou ambientalista, bem como a empresa não tem sua própria marca de orgânicos. Entre as práticas que orientam esta estratégia podem incluir-se as seguintes:
a) estoque em média com menos de 50 itens.
b) Oferecer produtos secos, (chá, café, cereais), portanto minimiza o compromisso da equipe para com o estoque de orgânicos.
c) Fornecer pequeno estoque, o que significa que os produtos orgânicos não são proeminentes das atividades de relações públicas.

A segunda estratégia envolve um número maior de produtos naturais ou/e orgânicos. Só que os primeiros, incluindo-se os cultivados com MIP podem ter mais espaço. Há uma comunicação da empresa aos consumidores de seu compromisso com estes produtos. A seleção dos produtos é realizada de acordo com os critérios de lucro, sem nenhum tipo de subsídio. Procura-se obter um máximo ganho em termos de competitividade e de imagem para os consumidores. Entre as práticas que caracterizam esta estratégia contam-se as seguintes:
a) O estoque deve corresponder a cerca de 50-200 itens orgânicos, sendo a grande maioria não perecível.
b) As lojas devem ter alto volume de venda, mas a maioria com baixa assistência ao cliente e com pouca responsabilidade dos funcionários com os produtos FLV.
c) Freqüentemente, há insuficiente pessoal para manejar um largo estoque de artigos frescos, pois tais produtos têm lento giro de prateleira.
d) Em termos de marketing, o fator chave de sucesso seria reproduzir os mesmos instrumentos que funcionam para o equivalente das ofertas convencionais.
e) Conduzir uma política de preços baixos nos produtos orgânicos básicos

A estratégia máxima implica que a empresa deve maximizar, entre todos os produtos, o número dos que são orgânicos ou naturais. Estas empresas orientam-se diretamente no apoio a produtores orgânicos para aumentar e manter a oferta. Os funcionários são treinados sob os benefícios em se consumir produtos orgânicos para orientar os consumidores, assim como para manter em bom estado os produtos nas gôndolas. Como parte da estratégia máxima poderiam ser adotadas as seguintes mediadas:
a) Estoque com cerca de 50-200 produtos de itens orgânicos (maior parte das mercadorias são perecíveis).
b) As lojas têm altos volumes de venda, mas a maioria com baixo envolvimento e compromisso da equipe e funcionários e baixa assistência ao cliente.
c) Freqüentemente, insuficiente pessoal para manejar um largo estoque de artigos frescos, tais como FLV orgânicos que tem um lento giro de prateleira.
d) O marketing é fator chave para o sucesso e seria replicar os instrumentos que funcionam para o equivalente das ofertas convencionais ou adotar partes bem sucedidas das estratégias dos competidores.
e) Conduzida em conjunto com uma política de baixo preço nos produtos orgânicos, ou seja, estratégia para atrair os clientes para as prateleiras dos orgânicos.

Na pesquisa realizada por Richter et al (2001) na Europa, os supermercados entrevistados tenderam a responder que o componente orgânico entre seus produtos devia-se à orientação coletiva da empresa para serem ambientalmente corretos e socialmente responsáveis. Entretanto, quando se analisaram mais em profundidade estes supermercados observaram que o que se entende por tais compromissos pode incluir práticas muito diferentes e difusas.

3. Comercialização de orgânicos em supermercados no Brasil 

Há dificuldades em se obter dados estatísticos sobre a produção e a comercialização dos produtos orgânicos já que não existe na prática a obrigatoriedade de cadastramento dos organismos certificadores (OCs) junto a algum órgão público, embora a IN007/99 do MAPA que trata dos regulamentos para agricultura orgânica estabeleça que isto será implantado. Com isso, os dados encontram-se na mão dos OCs o que leva a termos valores diferentes para um mesmo ano referência em fontes diferentes como vemos na tabela nº 7 abaixo.

Tabela nº 6 – Comparação dos dados sobre produção brasileira certificada na agricultura orgânica – 2001

Fonte

Área de Produção

Nº de Produtores

Darolt (2002) *

275.576

14.866

Osmond e Tal (2002) *

269.718

7.063

Yussefi e Willer (2002) **

803.180

12.590

Fonte: Fonseca (2002)
Obs. (*) – Ocs que trabalham no Brasil
(**) – USDA Ministério Agricultura dos EUA

A agricultura orgânica cresce a taxas de 50% ao ano no Brasil e já movimenta algo em torno de US$ 250 a 300 milhões. São cerca de 275 mil hectares cultivados, que resultam em uma safra de 300 mil toneladas de produtos orgânicos por ano, entre eles soja, café, hortaliças, frutas, grãos, açúcar, algodão, cereais, óleos, vinhos e flores. Há informações contraditórias (ver tabela nº 6)  sobre o número total de produtores de orgânicos, mas o IBD estima que devem ser mais de 7 mil, fundamentalmente pequenos e médios produtores, que seriam responsáveis por 10% e 80% da produção de orgânicos, respectivamente (Folha de São Paulo, 10/11/2002).

O Instituto Biodinâmico (IBD), maior certificadora brasileira, era responsável por uma área de aproximadamente 100.000 mil hectares, constituída por 3 mil produtores no Brasil e na América Latina. O IBD já certificou 707 novos projetos, dos quais 255 já usam o selo da instituição e 455 se encontram em processo de conversão. A Associação de Agricultura Orgânica (AAO) em 2002, criou a AAO Certificadora que é a empresa encarregada da certificação, separada juridicamente da associação. Esta conversão acompanha cerca de 400 unidades produtoras certificadas ou em processo de conversão. Em 1996, congregava 26 associados. A área de produção certificada e monitorada é de aproximadamente 30 mil hectares. Em 2002 estavam em ação 17 certificadoras no Brasil (11 nacionais e 6 internacionais) enquanto o que em pesquisa recente realizada por outra atividade do subprojeto I deste projeto CNPq, as certificadoras já eram 30 (20 nacionais e 10 internacionais)As exportações brasileiras absorvem 70% do volume total certificado, gerando 130 milhões de dólares para o Brasil em 2001 (Exame, 28/05/2002), incluíndo-se produtos como, soja, café, suco concentrado de laranja, açúcar, castanha, óleo de dendê, óleo de babaçu, erva-mate, banana, guaraná, fécula de mandioca, especiarias e óleos essenciais. O maior estímulo para as exportações são a demanda nos países de alta renda e os preços que se obtém pelo produto diferenciado, podendo atingir ágios de 30 a 60% de acordo com o produto. Segundo Darolt (2002), o número de  produtores em 2001 era de cerca de 15 mil ocupando 275 mil ha.

O mercado interno abastece-se principalmente de produtos frescos como FLV, mas pouco a pouco, amplia-se a variedade de produtos que vem sendo oferecida nos pontos de venda, incluindo os alimentos processados ou com valor agregado, como verduras pré-lavadas e saladas prontas orgânicas. A Grande São Paulo representa metade do consumo nacional de produtos orgânicos, o que significa negócios da ordem de 10 milhões de dólares por ano. É ainda quase nada em relação ao potencial do mercado. Além de ser o maior pólo consumidor de orgânicos do país, São Paulo é um importante centro produtor. O Cinturão Verde, região compreendida por cidades como São Roque, Ibiúna, Cotia e Vargem Grande, é responsável por 30% da produção de hortaliças orgânicas do Brasil. Nessa região, o número de produtores certificados pelo IBD quintuplicou nos últimos três anos- são hoje 173 (Exame, 28/05/2002), estima que atuem no setor 3 mil produtores rurais em todo o País, ocupando aproximadamente 100 mil hectares. A maior produção concentra-se, além de São Paulo, em Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul.

A ABIO (Associação de Agricultores Biológicos do Rio de Janeiro) que realiza no Rio de Janeiro a maior parte dos processos de certificação das unidades produtoras orgânicas (hoje estão em atuação no Estado a AAO Certificadora, a CMO – Certificadora Mokiti Okada e o IBD), teve crescimento significativo no número de unidades certificadas. Em 1997, eram apenas 17 unidades, em 1999 eram 61 unidades, em 2001 eram 211 unidades e em 2003 são 166 unidades, que corresponde a um crescimento de 877% em 5 anos (média de 175% ao ano), sendo que a maior percentagem aconteceu nos dois primeiros anos (218% ao ano que corresponde a 436% no total). A produção de FLV representaVA 71% do total de unidades certificadas, sendo que 43,9% exploram apenas um tipo de atividade com destaque para a olericultura (32,9%). (Fonseca e campos, 1999 e Fonseca, 1999).

Apesar de contar-se com estes dados, avaliar o tamanho do mercado de produtos orgânicos no Brasil a semelhança do verificado para o volume produzido é uma árdua tarefa.  Na pesquisa realizada por Farina et al (2002), apenas uma grande rede informou que negocia 3 toneladas/dia e para outra a quantidade equivale a 1 % do volume comercializado. No pequeno varejo não há, em geral, uma sistemática de controle do volume total comercializado em tonelada, embora se conheça o volume por categoria de produto (pés de folhosas, caixas de frutas, etc).

Um dos poucos dados no Estado do Rio de Janeiro, foi divulgado pela Rede Agroecologia Rio financiada com recursos da FINEP/FAPERJ, que levantou através do Estudo do Mercado Orgânico de Frutas, Legumes e Verduras (FLV) “in natura” certificado pela ABIO (Fonseca & Campos, 1999), várias informações acerca do funcionamento deste mercado. O volume de FLV orgânico comercializado, em 1998 estava em torno de 390 toneladas por ano (92% olerícolas, 8% frutas), escoados através de distribuidoras (82%).Na tabela nº 7, tem-se uma estimativa do valor comercializado de produtos orgânicos no Estado do Rio de Janeiro em 1998. O valor estimado era de cerca de 1.730 mil reais por ano (Fonseca e Campos, 1999), obtidos com o comércio de FLV in natura, representando cerca de 20% do mercado nacional naquela época, estimado por Alexandre Harkalay em 1998 em cerca de US $ 3 a 5 milhões de dólares.

Observa-se também na tabela 7 a importância do setor grande varejista  que movimentava cerca de 73% do negócio orgânico vegetal  e, potencialmente para fruticultura, assim como a sua importância para as  beneficiadoras ou distribuidoras, que escoavam por este canal cerca de 89% do que é produzido.

Tabela nº 7: O negócio Orgânico Vegetal in natura em 1998 no Estado de Rio de Janeiro.

Tipo  de atividades

Olerícola

Participação (%)

Frutas (R$)

Participação (%)

Total FLV (R$)

Participação (%)

CEASA

5.000

0,3

8.000

25,6

13.0000

0,8

Feiras

36.000

2,1

2.000

6,4

38.000

2,2

Cestas domicílio

170.000

10,0

10.000

32,1

180.000

10,4

Pequeno atacado

84.580

5,0

4.200

13,5

88.800

5,2

Pequeno varejo

138.620

8,2

6.980

22,4

145.600

8,4

Grande varejo

1.260.000

74,4

1.260.00

73,0

Total

1.694.000

100

31.200

100

1.725.400

100

Fonte: Fonseca e Campos (1999)

De acordo com Revista Exame (15/01/2003), apesar do Brasil ainda não ter uma Whole Foods (a rede americana de supermercados orgânicos que faturou US$2,2 bilhões de dólares em 2001),  nos últimos três anos, grandes varejistas, como Pão de Açúcar e Carrefour, vêm ampliando a oferta desse tipo de produto aos consumidores. As grandes redes varejistas começaram a perceber o potencial desse mercado há cerca de cinco anos quando foram procurados por produtores orgânicos. Atualmente existem cerca de 150 pontos-de-venda de alimentos orgânicos em São Paulo

Terceira Parte – A Caracterização dos Consumidores Orgânicos 

1. O contexto internacional 

Grande parte das pesquisas a nível internacional, que tem como objetivo a análise e caracterização dos consumidores de alimentos orgânicos tende a classificar os consumidores de alimentos orgânicos num segmento único e homogêneo da população. Uma caracterização deste tipo é, por exemplo, a apresentada no  recente artigo em Organic & Natural News, que menciona que os consumidores orgânicos nos Estados Unidos são mais educados -69% das mulheres e 74% dos homens. Também representam um setor de altos ingressos (U$60,000/ano ou mais), jovens (quase dois terços está entre 30 e 59), com uma distribuição similar entre solteiros, casados e pais de crianças pequenas. Entretanto, outros estudos concluíram que os consumidores de alimentos orgânicos mais freqüentemente tem uma melhor educação mas não necessariamente uma renda maior. Os dados relativos a extratos de idade e tamanho da família são, em geral, contraditórios.

A seguir mencionaremos algumas outras pesquisas que focalizam o perfil dos consumidores. De acordo com os dados de Woodward & Meir-Ploeger (1999), o consumo de alimentos orgânicos difere em percentual d acordo com os hábitos alimentares da população de cada país. Ao analisarem o consumo por tipo de produtos na Grã-Betanha e na Alemanha, observaram percentuais para os vegetais, frutas, leite e derivados de 40 e 65 %, 20 e 54 % e 30% respectivamente para os dois países e produtos. Quanto aos hábitos de consumo local, enquanto na Grã-Betanha há um consumo de 15% de pão, 20% frango, 15% de carne vermelha, na Alemanha, no consumo de orgânicos, o pão representa 50%, a carne 10%, a salsicha 7,4%. Em ambos países o consumo de alimentos orgânicos de conveniência representava menos de 3%. Quando perguntados sobre o motivo de consumir produtos orgânicos, a justificativa sobre a saúde foi importante para 46% e 70% dos entrevistados, o sabor foi julgado como importante para 40% e entre 13 e 24%, respectivamente para Grã-Betanha e Alemanha.

Na Grã-Bretanha o motivo para consumir os alimentos orgânicos é por não possuírem “química/ pesticidas” justificado por 41%, bem como o bem estar dos animais que foi representado por 26%. Já na Alemanha, outros motivos foram observados para consumir orgânicos, sendo considerado a proteção ao meio ambiente com 10 a 30% e a ajuda aos agricultores, cerca de 17%.O Market Share  dos produtos orgânicos nos países europeus (Tabela nº8) é considerado pequeno, segundo os dados de Hamm & Michelsen (2000).

Tabela 8: Divisão de mercado dos produtos orgânicos

País

Vegetais (%)

Cereais (%)

Lácteos (%)

Áustria

2

8-10

Alemanha

1,7

3,4

0,5

Dinamarca

6-10

3,5

14,2

Grã-Betanha

2,3

0,2

0,35

Fonte: Hamm & Michelsen et al 2000

Com relação a representatividade por tipo de cadeia de produto orgânico no sistema de orgânicos, os dados de Silvander (1998) sobre a evolução deste cenário na França, entre 1994 a 1997 houve um crescimento no setor de produtos lácteos (de 10% para 32%), uma queda do setor de FLV (de 30% para 12%), das carnes (de 3% para 1%), da soja (de 7% para 3%) e dos cereais (de 50% para 40%).Uma pesquisa realizada em Argentina (Friere et al, 1998), com 118 consumidores de orgânicos da classe média alta, entrevistados em 4 supermercados, aponta que os consumidores não sabem o significado e as características dos alimentos orgânicos, além de preferirem o termo ecológico ao termo orgânico. Quando perguntados sobre o preço disposto a  pagar pelos orgânicos, opinaram que 25%  a mais em relação aos convencionais  seria razoável.Em relação ao preço para o consumidor, pesquisa de Ritchter e Schimid (2000) publicada nos Anais da XIII Conferencia da IFOAM, e efetuada em 14 canais varejistas na Alemanha, Áustria, França, Itália, Dinamarca e Grã-Bretanha, aponta que as frutas e os legumes obtinham os maiores prêmios (70% e 61% respectivamente), seguido da carne (52%), do leite (42%) e dos queijos (20%).

Na capital de São Paulo, Cerveira e Castro (1999) analisaram o perfil sócio econômico da Feira de Produtos Orgânicos da AAO, no Parque das Águas Brancas. Uma das conclusões é que este consumidor é um o profissional liberal, que tem sua origem nas cidades urbanas. Quanto a motivação para comprar orgânicos, esses consumidores alegaram a saúde pessoal e familiar e preocupação com o meio ambiente. Como pontos fortes ligados a comercialização foram citados: experiência na comercialização de FLV, crescimento da demanda, contato com consumidores de venda direta ou domicílio, desenvolvimento de mercados locais e regionais e a possibilidade de exploração dos canais dos grandes varejistas regionais. Em relação aos consumidores fluminenses, uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro (Campos, 1998), em uma feira de produtos da FLV e  em loja de supermercado, verificou que entre os fatores limitantes do consumo desses produtos foram: dificuldade de acesso ao produto (35%), a desconfiança na credibilidade do sistema (10%), a questão da qualidade (30%) relacionada com a aparência e, com os preços altos (25%). Como fatores incentivadores, alguns consumidores acham que esta é uma forma de ajudar os agricultores e o mercado, outros (55%) alegam um melhor sabor e durabilidade dos alimentos da FLV do que os produtos da agricultura convencional.

2. Problemas nas pesquisas sobre perfil e motivações dos consumidores 

Richter (2002) explica estas divergências questionando de forma muito pertinente diversas falhas no desenho de questionários e estatísticas para medir a demanda de produtos orgânicos e as conclusões que são obtidas de acordo com estes métodos. Entre os problemas, Richter menciona os seguintes:
1)  Comparações diretas entre pesquisas que partem de amostras não representativas dos consumidores ou de diferentes regiões;
2)  Modelos que tratam de explicar o consumo de produtos orgânicos a partir de um número insuficiente de atributos para as decisões de compra;
3)  Respostas de consumidores sobre consumo de orgânicos tendem a não ser validadas através de perguntas sobre o conhecimento desses consumidores sobre o significado de um produto ser orgânico. Isto levaria a uma sobre estimativa do interesse e envolvimento dos consumidores;
4)  Respostas de consumidores sobre sua disponibilidade de pagar mais por produtos orgânicos, mas sem isto ser confrontado com as suas efetivas práticas;
5)  Valorização muito limitada da influência do ambiente/entorno sobre as decisões de consumo, que podem ter um papel central; 

Coleta de informações em pesquisas quantitativas sobre motivos abstratos ou barreiras -mais saudáveis, mais caros, etc- que influenciariam as decisões dos consumidores, mas sem considerar o contexto pessoal/social da resposta e os significados que podem envolver as respostas.

Richter (2002) também critica pesquisas qualitativas que partem de painéis domiciliares, nos quais as amostras são pouco representativas e/ou os participantes têm pouco conhecimento ou orientação sobre como reconhecer um produto orgânico ou sobre as diferentes definições do mesmo, quando eles/elas têm que registrar suas compras. Ao se comparar dados de paises, regiões ou categorias de consumidores por nível de renda, educação, idade, sexo, estado civil, etc, sem ter parâmetros equivalentes no diagrama das pesquisas, corre-se o risco de extrair conclusões pouco plausíveis. Desta maneira, os dados estatísticos projetados destas pesquisas podem indicar índices de demanda mais altos dos que seriam obtidos em relação ás efetivas práticas de consumo dos entrevistados. Surpreendentemente, uma parte importante das pesquisas sobre consumidores de alimentos orgânicos e as tendências do mercado está sendo realizada por empresas de consultoria visando produzir e vender conhecimento de forma a ser usado pelos clientes industriais. As pesquisas recentes sobre o tema têm substituído o modelo do consumidor racional, processador de informação, por novas perspectivas não positivistas, que se referem ao simbolismo envolvido no consumo, analisado através de pesquisas etnográficas e quantitativas (ver Murcott, 1999). Só para dar um exemplo, tomemos o caso do Hartman Group, importante empresa de consultoria dos Estados Unidos. Este grupo realizou em 2000 o estudo “The Organic Lifestyle Shopper: Mapping the Journeys of Organic Consumers”, na qual constata:

“Today’s organic marketplace is not only growing, but also thriving. With organic sales increasing at a rate of 15-20% annually, consumers are experimenting with new organic items and validating that organic is now mainstream. No longer confined to just pockets of the U.S. population, large-scale organic consumption is affecting the way in which manufacturers, distributors and retailers must look at consumers as the center of this category. “(Hartman Group, 2000 http://www.hartman-group.com/).

Este estudo explora de forma qualitativa os estágios do consumo de produtos  orgânicos da periferia ao centro do Mercado. Através de análises em profundidade de estilos de vida de consumidores orgânicos, comportamento de consumidores, canais de distribuição e fontes de informação, procuram entender os consumidores orgânicos e como podem ser focalizados de forma mais efetiva. Recentemente este Grupo publicou outro estudo, “Organic Consumer Evolution 2003”, no qual define vários estilos de vida dos consumidores orgânicos e explora como eles integram os produtos nesses estilos.

Estes relatórios contextualizam os consumidores de orgânicos como fazendo parte de profundas transformações culturais na valorização da qualidade de vida e cuidados com a saúde, que influenciam as tendências de consumo. Em resumo, em lugar de considerar que consumidores exclusivamente se orientam por motivos econômicos, mostram que reconhecem as mudanças na esfera cultural e que têm um impacto na forma como as pessoas vivem, e portanto, na forma como consomem produtos, serviços, experiências e comunicações.Este tema também foi objeto de outro estudo do Hartman Group em 2000, “The Wellness Lifestyle Shopper: Mapping the Journeys of Wellness Consumers”, no qual se afirma:

“Consumers and their wellness journeys are complex, especially when we observe them learning about and using products and services that can seriously alter their physical and mental health. Add to this the fact that many health and wellness products and services are entirely “new ” to all but the innermost core consumers, and you have a highly immature market ripe for both opportunity and failure. The consumer segments described in this report, the core, mid-level and periphery purchasers of your products and services, are only now learning about how they can live, shop and buy in what they perceive to be healthier ways. With over $66 billion a year spent on health and wellness products – excluding prescription and OTC drugs – there is significant opportunity to effectively market and sell to these consumers.”
(http://www.hartman-group.com abril 2003)

A preocupação com saúde e qualidade nutricional dos alimentos foi citada por 66% dos consumidores orgânicos entrevistados na pesquisa acima citada, realizada pelo Hartman Group em 2000. O conhecimento dos riscos dos pesticidas foi a razão dada por 38%, seguridade alimentar por 30% e as razões ambientais só foram mencionadas por 26% dos consumidores, contradizendo a crença de que os consumidores de alimentos orgânicos são conscientes ambientalistas.

A orientação para o mercado de orgânicos é assumida como uma diretriz prioritária da National Grocers Association (N.G.A.), a associação comercial que envolve o setor independente da indústria de distribuição de alimentos. Os alimentos naturais são considerados como os produtos que crescem mais rapidamente na área dos supermercados. As conclusões de uma conferência sobre consumo de orgânicos mencionam a importância crescente da procura de bem-estar e saúde: “As the fastest growing category in the food industry today, and public concern about health and wellness expected to continue, no retailer can safely ignore this increasingly important facet of the industry. The $5 billion organic market is growing at a rate of five times larger than the growth rate of the overall food industry and doubling in size every 3 1/2 years since 1990. By 2003, the market for organic products is estimated to be over $13 billion.”
(http:/www.nationalgrocers.org/marketcenter.htm#ConsumerSolutions,abril 2003).

Numa pesquisa realizada, em 2001, pela NGA entre 146 supermercados envolvendo 466 lojas nos EUA, procurou-se levantar as percepções dos supermercadistas em relação ao papel dos alimentos saudáveis. Os resultados estão no gráfico nº 5 e mostram a grande importância dada a estes alimentos para a imagem da loja.

Nos EUA, antes da NOS Nationasl Organic Standard editado pelo USDA (2002) basicamente o que distingue os alimentos orgânicos dos naturais é a forma em que são cultivados, refinados ou processados, e o perfil nutricional do produto final. A definição mais abrangente de alimentos naturais é que se associam com um estilo de vida saudável.

Gráfico nº 5 Percepções dos supermercadistas sobre os alimentos saudáveis

 over-9

Fonte: National Grocers Association (2001)

Estas pesquisas apresentam recomendações especificas sobre como organizar um supermercado orientado para esta demanda por produtos saudáveis (Box nº 3). 

Box nº 3 Recomendações para supermercadistas se iniciar no mercado de orgânicos e naturais

It may seem simple, but it is not as easy as merely adding a few new product lines to the store shelves or setting up a separate natural foods section inside the store.
To draw this business and meet the needs of these customers, retailers need to become as knowledgeable about natural and organic foods and products as the people they hope to sell to. This segment of consumers knows more, and asks more, and the retailer who will enjoy the long-term benefits of these natural sales will be the one who can answer their questions.
Your naturals section will be most successful, and most profitable, if you follow a few basic guidelines to cater to the natural products customer.
First, when conceptualizing your naturals section, work with a knowledgeable natural products distributor who can assist you with product selection, competitive pricing, promotional strategies and merchandising. Working in partnership with a distributor who understands this industry will help you build a solid foundation for your own natural products section.
Second, realize the importance of product information and education for this new customer group. Natural products magazines, shelf talkers, product demos and other consumer information are vitally important to the success of your section.
Third, assign a natural products section manager who is knowledgeable about the products,
knows how they differ from commercial brands, can answer customers’ questions, and is committed to your customers’ natural products education.
Most of all, associates and customers must be encouraged to take time to savor what those in the natural products industry have grown to love: the flavor, the quality, and the absolute uniqueness of natural foods. Knowledge of and enthusiasm for these products, perhaps more than anything else, will be a deciding factor in the success of your store’s natural products section.

Fonte: Natural Foods:A Natural Profit Opportunity,  Jonathan M. Seltzer (National Grocer Magazine http://www.nationalgrocers.org/NGNaturalFoods.html)

No Brasil, também esta tendência global tem sido detectada em várias pesquisas de mercado, que apontam o  aumento do consumo de produtos identificados como saudáveis. Entre estes, inclui-se o segmento chamado diet/light (dietético, leve), que cresce a taxas anuais de 30% nos últimos anos, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos e para Fins Especiais (ABIAD). Segundo a Associação Brasileira da Indústria  Alimentícia (ABIA), somente as vendas de light e diet corresponderam, em 2001, a cerca de US$ 1,7 bilhão, dos US$ 47 bilhões  faturados pelo setor. Isso significa um crescimento de 962,5% em 11 anos. Desde 1990, a média de lançamentos pulou de 40 a 80 por ano. A Unilever Besfoods realizou uma pesquisa no Brasil onde constatou um amplo conceito de saúde, envolvendo qualidade de vida e prevenção com alimentos que dêem prazer e sabor. As indústrias de alimentos projetam um faturamento de US$ 7 bilhões para produtos light ou diet em 2005.  (Valor econômico, 8/5/2003; SuperHiper, junho 2002).

3. Um estudo sobre perfil dos consumidores orgânicos desde o ponto de vista do setor supermercadista no Brasil 

Para entender as estratégias do setor supermercadista no Brasil em relação aos FLV orgânicos, observamos que é crucial situar as propostas no contexto das estratégias mais amplas para o setor de FLV. Por isto, neste item relacionaremos uma pesquisa realizada pelo setor sobre os consumidores de FLV e outra sobre os consumidores de FLV orgânicos.

Numa pesquisa realizada pela revista Frutifatos em supermercados de São Paulo e Grande São Paulo sobre o FLV, foram entrevistados 906 consumidores em 1998. Comparando-se os supermercados com outras alternativas de locais de compra como a feira-livre, sacolão e quitanda, os consumidores indicaram preferência pelos supermercados por razões de higiene, da melhor forma de exposição dos produtos, praticidade, forma de atendimento e preço, enquanto a feira livre foi apontada como tendo produtos mais frescos e de maior variedade. De modo geral, a pesquisa indica que os supermercados atendem a fatores qualitativos e as feiras-livres aos quantitativos, ao passo que as outras alternativas não receberam respostas significativas. Na média, quase 50% dos consumidores indicaram os supermercados como o melhor local para a compra, ficando a feira-livre em segundo lugar com 27%, o sacolão com 19% e a quitanda com 2%; 5% não souberam informa ( Tabelas nº 9 e 10 e  Gráfico nº 6 ) 

Tabela nº 9 Os principais locais de compra de FLV para os consumidores. Em %

Locais

Região

Classe de renda

 

GSP

ISP

A/B

C/D/E

Supermercado

75

79

79

74

Feira Livre

72

77

54

63

Sacolão

30

47

32

36

Quitandas

6

6

5

5

Outros

3

5

6

3

Fonte: Frutifatos (dezembro 1999) 

Gráfico nº 6 Local preferido e utilizado para compra. Em %

grafico-compras

Fonte: Frutifatos (dezembro 1999)

Tabela nº 10 Motivos de escolha de equipamentos varejistas de hortifruti.

Motivo

Melhor local para compra de hortifruti – m%

 

Supermercado

Feira livre

Sacolão

Quitanda

Não sabe

Qualidade (“mais frescas”)

29

44

20

3

4

Preços menores

36

28

28

2

6

Higiene

67

9

14

4

6

Forma de exposição para venda

57

19

19

2

3

Maior variedade

27

42

27

2

2

Praticidade no ato da compra

56

26

13

2

3

Forma de atendimento

54

20

12

3

11

Média

47

27

19

2

5

Fonte: Pesquisa de Mercado de Frutas e Hortaliças junto ao setor supermercadista do Estado de São Paulo, MI, Junho/Agosto 98

A partir da tabela nº 9 pode se observar que ainda entre os consumidores entrevistados há uma significativa valorização das feiras. Isto é relevante para nossa pesquisa porque mostra que esse espaço ainda é valorizado e continua sendo um canal importante para os produtores orgânicos. 

De acordo com outra pergunta da pesquisa, avaliou-se o  grau de satisfação dos consumidores em relação aos diferentes pontos de venda de “hortifrúti”: supermercado, feira livre, sacolão e quitanda foi feita uma avaliação estimulada, considerando os atributos mais relevantes de cada um destes pontos, seguindo uma escala de 1 a 7 pontos, onde: 7 = Excelente, 6 = Muito Bom, 5 = Bom, 4 = Regular, 3 = Ruim, 2 = Muito Ruim e 1 = Péssimo. A avaliação destes pontos indica que o consumidor não está plenamente satisfeito com nenhum deles, considerando que médias próximas de 6 retratam boa avaliação, pois todos ficaram abaixo deste valor nos diversos aspectos analisados. A feira livre obtém a melhor avaliação em termos de  qualidade dos produtos com 5,5 pontos, seguida pelo sacolão, supermercado e quitanda. Quanto aos preços, todos os locais são mal avaliados, mas a feira livre é considerada a menos pior com 5,2, seguida pelo sacolão, supermercado e quitanda, respectivamente. O atributo de higiene/limpeza é melhor avaliado no supermercado com 5,6, enquanto a feira livre recebe a pior avaliação. O supermercado é considerado ligeiramente melhor na exposição dos produtos com 5,4 pontos, seguindo-se a feira livre, o sacolão e a quitanda. A feira livre volta a se destacar quando se trata de variedade com 5,8 pontos, seguida pelo sacolão, supermercado e quitanda.

Entretanto, apesar da pesquisa constatar tal preocupação com a saúde e qualidade de vida, ainda predomina a escolha dos FLV pela aparência cosmética e a expectativa de um sabor agradável. A falta de informação que mostre a relação entre uso de agrotóxicos e aparência do produto explica em parte esta defasagem, e não só o preço. Muita gente compra hortifruti, mas nem por isso as virtudes desses produtos podem ser consideradas suficientemente conhecidas: na pesquisa foram encontradas 92,5% das pessoas entrevistadas que manifestaram desejo de saber algo mais a respeito deles. Entre as informações mais desejadas incluem-se as referentes a composição e valor nutricional, indicada por 34% dos entrevistados, e auxílio na prevenção de doenças com 24,5%, principalmente, mas muitos consumidores também desejam conhecer receitas e formas de consumo de frutas e hortaliças. Isso indica que há uma significativa carência de informação para a maioria dos consumidores e abre-se um amplo espaço para que produtores, fornecedores e supermercados esclareçam melhor sobre os benefícios, vantagens dos produtos. Esse sem dúvida  é o espaço  preferencial aberto para o crescimento dos orgânicos.

Uma importante referência sobre a situação dos FLV orgânicos nos supermercados foi publicada na revista SuperHiper (junho 2002), dedicada ao setor supermercadista. Trata-se dos resultados de uma pesquisa realizada em 2002 sobre o consumo de alimentos orgânicos em 300 lojas de diversos formatos de supermercados da capital paulista e do interior do Estado de São Paulo. Este trabalho foi promovido pela Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional em parceria com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). A justificativa apresentada para este levantamento é considerar que no Brasil, a exemplo do que acontece nos principais países europeus, a busca por alimentos saudáveis e qualidade de vida é fator preponderante para o crescimento do consumo de “FLV” orgânicos. Por isto os supermercados deveriam dar especial atenção a estes produtos, que apresentariam significativa margem para crescimento. No momento da pesquisa foi estimado que, considerando-se todos os formatos de loja incluídos na amostra, os orgânicos representam 3,7% das vendas totais de FLV. Mas, na medida que aumenta o porte das lojas, e conseqüentemente a sua variedade, também aumenta o percentual de comercialização desses produtos.

Assim como observamos que o setor supermercadista na Europa e nos Estados Unidos inclui os orgânicos dentro de uma categoria mais ampla de alimentos saudáveis, uma orientação equivalente é apresentada pela Revista SuperHiper (junho 2002):

“O setor alimentício antecipa-se às tendências, investe e forma novos conceitos de produtos, com novas e sofisticadas tecnologias. Ele sabe que o consumidor quer saúde, quer longevidade. E os supermercados podem atendê-lo analisando seu mix, incluindo produtos naturais, com origem garantida; orgânicos, funcionais, além dos diet e light e, o que é muito importante, informando ao consumidor sobre os itens que está comprando. Enfim: sua loja pode “vender” saúde!” (Revista SuperHiper, junho 2002).

Uma das preocupações básicas desta pesquisa foi saber como são feitas as compras de FLV orgânicos e quais são os produtos mais procurados pelos consumidores de São Paulo. Esses produtos são comprados pelos supermercados diretamente dos produtores e a alface lidera o ranking das verduras mais vendidas, estando presente em 89% das lojas pesquisadas que trabalham com produtos orgânicos. Rúcula, couve, agrião, brócolis, repolho e salsa orgânica são menos procurados pelos consumidores. Entre as frutas, banana e laranja já são as mais compradas, seguidas em menor volume por abacate, uva, morango, mexerica, maracujá, kiwi e goiaba. Dos legumes orgânicos, a cenoura é a mais comprada, seguida pelo tomate, chuchu, berinjela, beterraba e pimentão. As tabelas 11 e 12 mostram os produtos mais vendidos, de acordo com sua categoria e com o perfil de cada loja.

Tabela nº 11

 tablegumes1

 Fonte: Pesquisa do Ministério de Integração Nacional

Tabela nº 12

tabvariedades

Fonte: Pesquisa do Ministério de Integração Nacional

Entre os dados levantados pela pesquisa contam-se os referentes ao perfil dos consumidores: 34% dos 906 consumidores entrevistados, principalmente os mais velhos e de classe social mais elevada, têm bem definido o conceito de alimentos orgânicos, 45% não os conhecem nem ouviram falar deles, 10% não souberam descrevê-los e 16% têm informações incorretas sobre eles. Uma significativa parcela QUANTO DE PARCELA??? de entrevistados confundiram produto orgânico com hidropônico. Alguns entrevistados disseram que os orgânicos contêm química para crescer e que são modificados, numa equivocada comparação com os alimentos transgênicos. Isto mostra a necessidade de se estabelecer campanha de esclarecimento aos consumidores sobre o que é e os benefícios dos orgânicos.Um dado interessante da pesquisa mostrou que o consumo de FLV orgânicos é maior entre mulheres de faixa etária mais elevada das classes A e B, residentes no interior do Estado de São Paulo.

Com renda média mensal de R$ 2.540,00, 78% desses consumidores manifestaram a intenção de comprar produtos orgânicos. A intenção dos consumidores das classes A e B de aumentar o consumo de FLV orgânicos aponta para uma tendência que já vem sendo observada por várias lojas, especialmente os hipermercados.Outra parte da pesquisa orientou-se para caracterizar o ponto de vista dos supermercadistas. Do total de supermercados pesquisados, 24% da capital e 30% do interior trabalham com algum tipo de FLV orgânicos. O aumento nas vendas desses produtos foi confirmado por 63% dos responsáveis pelas lojas, principalmente aqueles pontos-de-venda voltados para consumidores de maior poder aquisitivo. E o importante é que o relatório da pesquisa identifica um consenso entre os supermercadistas de que há no País bom potencial de vendas para FLV orgânicos.

Contudo, alguns fatores foram mencionados pelos responsáveis pelas seções de FLV de hipermercados, principais pontos-de-venda de FLV orgânicos, como inibidores do crescimento das vendas, como mostra a tabela nº 13: os preços mais elevados em relação aos FLV em geral, a pouca variedade, a quantidade oferecida pelos produtores e a descontinuidade da oferta. Estes dados coincidem com os encontrados por Fonseca & Campos em 1999: onde os principais pontos de estrangulamento para os produtores comercializarem com os supermercados eram: (i) o baixo volume de produção; (ii) a descontinuidade na quantidade e na  (iii) qualidade ofertada; (iv) a fraca infraestrutura de produção e comercialização; (v) a baixa disponibilidade de recursos produtivos (capital e mão de obra); (vi) a fraca organização dos pequenos agricultores e trabalhadores rurais; (vii) a baixa remuneração dos agricultores pelo produto orgânico e, (viii) a escassa promoção dos alimentos orgânicos. 

Tabela 15

taboqueinibe

Em pesquisa realizada pelo Instituto Gallup em 1996, também era grande o desconhecimento sobre o que era um produto orgânico. (Gallup, 1996 citado em Campos (1998). Uma das conclusões da pesquisa em São Paulo e recomendação para o setor supermercadista é a de que, apesar de os FLV orgânicos já serem consumidos por brasileiros de maior poder aquisitivo, há necessidade de melhor informar a população brasileira como um todo sobre as características desses produtos. Este seria o principal caminho para garantir investimentos no setor, já que se estaria “formando o mercado”: “À medida que o consumidor recebe informação, muda seus hábitos e torna-se mais exigente”. A falta de informação já tinha sido apontada em outra pesquisa de mercado do setor supermercadista de São Paulo, que identificava 57% dos entrevistados como desconhecendo o significado de produto orgânico. 

Quarta Parte –  Relações Entre Supermercados, Fornecedores e Consumidores 

1. Etapas nas relações entre supermercados e fornecedores

Durante o período de 1997/1998 até o ano 2000/2001, os produtos orgânicos apresentaram uma taxa crescente de ocupação nas prateleiras dos supermercados e hipermercados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, e o fornecimento aumentava de acordo com o aumento da demanda.  Neste período, as empresas fornecedoras destes produtos, a maioria em fase de investimentos, por muitas vezes não obtiveram resultados econômicos positivos. É importante ressaltar que durante este período, as redes de supermercados e hipermercados aplicavam uma margem menor e estratégias mais facilitadas para os produtos orgânicos, o que permitiu o aumento da demanda e da oferta de parte dos fornecedores fluminenses.

Após os anos 2000/2001, com a entrada de mais fornecedoras, inclusive de São Paulo, a margem estabelecida por várias redes de supermercados  aumentou, paralelamente ao processo de concentração do setor, diminuindo o poder de negociação com os fornecedores. Isto, de alguma forma, influenciou na demanda, com preços mais altos e, conseqüentemente, uma margem de lucro menor para os fornecedores fluminenses. Estes, começaram a ter problemas, principalmente, econômicos. A taxa de giro dos produtos orgânicos diminuiu, a quantidade de produtos devolvidos aumentou, e o efeito foi a diminuição da oferta de produtos orgânicos no Rio de Janeiro no mercado.

Este processo agudizou-se em 2002, com retração, principalmente, da oferta. O produto orgânico, sendo ofertado nas grandes redes de varejo, com margens líquidas de comercialização alta (em favor do vendedor e não do fornecedor), provocou uma retração na taxa de crescimento da demanda (maior demanda de perdas e devoluções). A diminuição de giro para o produtor, levou com que diversos fornecedores parassem a entrega por falta de viabilidade econômica, como foi o caso do ” Sítio a Boa Terra”, pioneiro no fornecimento de FLV orgânicos nos supermercados da grande São Paulo.

No inicio do ano de 2003, começaram a ter lugar novas formas de relacionamento do produto orgânico com os diferentes segmentos do mercado. Com a migração de empresas fornecedoras do segmento de varejo para o segmento de vendas diretas, pode-se melhorar o desenvolvimento de outros canais de comercialização.  As redes de varejo e atacado deveriam trabalhar no sentido de melhorar as condições do relacionamento com seus fornecedores de produtos orgânicos. As vantagens de aderir ao sistema, que exige qualidade do produto, além de preços baixos e assiduidade nas entregas,  seriam uma proteção contra os riscos do mercado convencional atacadista, com maiores possibilidades no planejamento da produção, maior garantia de escoamento das safras e recebimento em dia, mesmo que com prazos dilatados para 40 a 60 dias após a entrega. O recente fenômeno de inadimplência vigente nos mercados atacadistas oficiais é um dos fatores que mais tem incentivado a opção dos produtores em buscar um canal alternativo de comercialização.

Fichas de observação foram preenchidas com o intuito de descrever o produto, no ponto de venda na gôndola e/ou estante de cada filial. Em alguns supermercados, através de conversas informais com o gerente da loja ou o responsável pelo setor, foi possível capturar mais informações a respeito do produto. Observamos que o interesse e a preocupação de cada gerente ou responsável pelo produto orgânico é bastante variável, podendo mostrar desde nenhum até total interesse (Ver anexo 1).O atendimento segue, na maioria das vezes, um padrão de normas de controle e segurança fixados pela rede de supermercado. Aquele pode espelhar a fluência e comunicação entre setores e lojas da rede. Além disso, o atendimento rápido, aberto e empenhado, demonstra que a rede de supermercado e, principalmente, as filiais têm interesse pelo assunto, promovendo a divulgação em prol de maiores vendas do produto. Cada filial decide sobre a forma de manuseio do produto dentro da loja. Sendo assim, em função do grau de importância dada por cada pelo gerente de loja aos produtos orgânicos, é estipulado o número de funcionários ou promotores responsáveis pelos produtos. Isto influi muito na condição de exposição (junto ou separado dos produtos convencionais; com ou sem banner ou placa indicativa, etc) e no aspecto do produto (fresco ou não), entre outros.

2. A perspectiva dos fornecedores

Aqui trataremos de três experiências de empresas de fornecimento de produtos orgânicos para supermercados que representam estratégias profissionais de inserção nos canais de comercialização supermercadistas. Apresentamos aqui a análise das entrevistas em profundidade. 

Tabela nº 14: Características principais dos fornecedores entrevistado

Empresa (sede)

Produtores associados

Ano de início com superm

Funcionários

Infraestrutura

Certificação

A
São Paulo

130

1994

Repositores, funcionários dedicados a divulgar os produtos, promotores

Assistência técnica aos produtores com�
13 agrônomos

-Galpão de 2000m2.

-Laboratório de análises microbiológicas para controle de qualidade

-14 caminhoes tercerizados

Antes AAO, agora- IBD (não era exigência dos supermercados no início)

B
Rio de Janeiro

 

35

1997

-equipe de 42 funcionários para lavado e montagem dos pacotes

-8 motoristas

-16 entregadores uniformizados

-20 funcionários nas lojas dos superm.
-supervisores

-Estufas.

-sala de empacotamento

-gerador elétrico

-tanques de lavação

-captaçao de água

-5 caminhoes com refrigeração

IBD

(não era exigência originalmente dos supermercados)

 

C
Rio de Janeiro

 

70 (entre parceiros e meeiros dos proprietários)

1998

Sócios responsáveis por transporte, higienizaçao, Embalagem e etiquetagem

-1 agrônoma associada, para planejamento produção

Infraestrutura mínima

ABIO

 

 

 

 

Tabela nº 15: Empresas fornecedoras de orgânicos e estratégias de produção e comercialização

Empresa

Origem

Estratégia de Produçao

Estratégias de Comercializaçao

Supermercados
Visados

A

Novos rurais
+
rurais convertidos

Reforço valores ecológicos

+ concepção de vida+ eficiência de mercado

Grande escala

De estratégia mínima

De estratégia média

B

Urbanos
+
rurais convertidos

Eficiência de mercado

Média escala

De estratégia média

3 lojas Pão de Açúcar e 3 lojas do Extra:RJ

De estratégia máxima

21 lojas Zona Sul:RJ

C

Rurais convertidos
+
novos rurais
atraídos

Associativismo
+
valores ecológicos

Pequena escala

De estratégia média
Pão de Açúcar e Rede Extra,�
Carrefour Sendas, Bom Marche

2.1) A empresa A

Os fundadores são Antonio, engenheiro agrônomo, e José, sociólogo. Desde o inicio dos anos 90 ambos deixaram de morar na área urbana para se dedicar à produção orgânica em São Roque que, junto com Cotia, era um dos pólos na produção de orgânicos no estado de São Paulo. Eles começaram a trabalhar com pequenas lojas de produtos naturais na cidade de São Paulo, que na época eram em torno de 50, e também participaram da criação da Feira Orgânica do Parque da Água Branca (São Paulo) da AAO (Associação de Agricultura Orgânica), onde passaram a entregar sua produção.

Em 1993 os dois criaram uma cooperativa de produtores e consumidores orgânicos. O começo foi altamente difícil por causa de diferenças ideológicas entre eles e os produtores que comercializavam na feira. Somente eles vinham de um movimento de esquerda, com trajetória como líderes em movimentos sociais e sindicais, e as  propostas associativistas que levantavam chocavam com a dos pequenos produtores. De acordo com Antonio, “para o produtor, o espaço da feira era um espaço individual, apesar de ser um galpão coletivo. Ele vende o produto dele, na banca dele, ele dá o preço que ele quer, ele vende o produto que ele quer, ninguém diz o que ele tem que plantar, não precisa discutir com ninguém nada e a feira sempre remunera melhor, obviamente é um espaço de venda direta do consumidor final”.

Diversas razões levaram ao fechamento da cooperativa em 1994. O custo da estrutura administrativa era difícil de cobrir, além de que os produtores orgânicos da feira da AAO associados a cooperativa, só vendiam a esta os excedentes, o que dificultava firmar-se no mercado já que não tinham uma entrega freqüente de produtos.Em 1994, ambos os sócios (com 5 há e 3 há de horta respectivamente), com uma produção que não cabia mais na feira orgânica, formaram uma nova sociedade para conseguir mais mercado. Para isto, continuaram com 3 das lojas que eram da cooperativa e conseguiram entrar num supermercado num bairro de classe média alta, Higienópolis, em SP. Isto foi possível através das relações pessoais com o gerente do supermercado, que apesar das aparências dos produtos fugirem do padrão dos FLV, aceitou a opção de dar um espaço aos orgânicos em consignação.

Uma das inovações que desenvolveram para poder comercializar folhosas no supermercado foi uma embalagem plástica. Nessa época, a alface só se vendia a granel na gôndola do supermercado. Para diferenciar o produto, eles tiveram que embalar o mesmo.

Testaram um saquinho de plástico quadrado, mas no qual a verdura estragava rapidamente. A idéia foi criar uma embalagem cônica, microperfurada, para permitir a respiração da verdura, e selada em baixo de forma a permitir que vazasse a água. Esta embalagem virou padrão no Brasil inteiro, não só para orgânicos mas também para os convencionais. Os produtores se arrependem de não terem patenteado a inovação.Outra inovação foi em termos de relação com o consumidor. Ambos os sócios ficavam na gôndola, informando os consumidores, que tinham um perfil muito diferente dos que freqüentavam a feira orgânica. A surpresa foi a receptividade dos consumidores. Isto ocasionou novos problemas porque se encontraram sem produção suficiente para atender a essa crescente demanda. A solução que os sócios encontraram foi a de comprar do produtor que comercializava na feira orgânica, pagando preço do consumidor final. Isto gerou uma subida nos preços dos produtos que vendiam no supermercado, considerando o custo da compra de produtos e do transporte. O supermercado ainda colocava sua margem. Mas isto não freou a demanda.

A partir dessa constatação, em 1996 começaram a negociar com outras 4 lojas da rede Sé. Isto ocasionou uma mudança na relação com os produtores da feira, porque o volume que eles compravam superava o que os produtores vendiam na feira. Com contratos informais com os produtores, continuaram ampliando o mercado. No final de 1996 abriram mais lojas do Supermercado Sé e também na Rede Paes Mendonça. O volume comercializado passou a exigir uma organização profissionalizada, que levou os sócios a contratar repositores, funcionários dedicados a divulgar o produto na loja e vendedores. Mas também o plano da produção passou a exigir um planejamento e assistência técnica aos produtores, e para isto foram contratados agrônomos. O planejamento da produção era crucial porque o supermercado não aceitava que deixassem a gôndola vazia. Se esse espaço era da empresa, devia ser ocupado com seus produtos durante o ano todo.

A empresa A conta atualmente com 180 empregados, todos terceirizados. Aqui inclui-se o pessoal que recebe a mercadoria,  que separa a mercadoria para o supermercado,  que embala a mercadoria, que fica nas lojas de supermercados, repondo a mercadoria, atendendo o cliente, divulgando o conceito de orgânico. Também contam com o serviço terceirizado de 19 caminhões (no início eram 4 caminhões). A empresa trabalha em rede de varejo como Carrefour, Sé e Wal-Mar; atende 16 lojas de supermercados no Rio de Janeiro, principalmente a Rede Casas Sendas. Os produtos desta empresa A tendem a representar entre 20 e 8% do faturamento das lojas onde  entregam FLV.Os produtores associados são mais de 130, que mantêm um contrato de exclusividade, e se comprometem a respeitar os critérios de volume e de aparência, seguir os princípios da certificadora, assumir a sobra. Por parte da empresa o compromisso é que só haverá aquisição de não associados no caso de falta de produtos e que manterão um preço competitivo. A área plantada é de 900 hectares, e os produtos são preparados num galpão de 2 000 metros quadrados em São Roque. Além de verduras em embalagem tradicional, a empresa vende saladas prontas e legumes acondicionados em bandejas lacradas. Um laboratório de análises microbiológicas foi montado para fazer o controle de qualidade. Quando detecta-se algum problema numa das unidades produtoras, a equipe de 13 agrônomos mobiliza-se para identificar a sua origem. Esta dimensão das operações comerciais e a procura de qualidade pelos produtores exigiu um investimento de 3 milhões de reais em infra-estrutura, logística e pesquisa.

Entre os planos da empresa está o de produzir para exportar. Para isso, a empresa investiu numa unidade de beneficiamento para processar e refrigerar os produtos destinados ao mercado externo. Esta área de processamento é nova, com início de produção em final de 2001. Para manter a negociação com o setor supermercadista, Antonio destaca a necessidade de controlar a expansão: “eu não procuro outras lojas, primeiro porque quase todas as lojas já estão ocupadas, segundo porque este foi o erro de todos os meus concorrentes que quebraram ao longo desses 7 anos, por procurar outras lojas, montar uma estrutura distributiva que custa dinheiro, e quando  no início de dezembro começa a faltar produto, ele está com uma estrutura distributiva que não pode enxugar. Se ele sai daquela loja, ele se queima no mercado, que vê que esta empresa procura lojas na época da safra. A estratégia de nossa empresa desde o início foi de ter poucas lojas. Assim a empresa sempre foi a maior do mercado, com épocas em que representamos  80% do mercado de orgânicos.”

A produção é planejada com cada associado para evitar o excesso de oferta. O produtor tem uma cota a cumprir. No caso de excesso de oferta no mercado o produtor assume a sobra. O preço é definido em Assembléia da APO (Associação dos Produtores Orgânicos), muda duas vezes por ano, na safra e entressafra. Planeja a produção com um ano de antecedência, distribui metas aos associados e consegue manter seus produtos a preços estáveis o ano inteiro. “Entramos no setor de orgânicos por uma concepção de vida, mas percebemos que deveria ser algo economicamente viável”, afirma Antonio. “É um negócio consciente.” Deu certo? “Somos o terceiro maior contribuinte de impostos em São Roque”. Um dos desafios maiores que este sócio identifica na relação com os produtores refere-se as dificuldades para explicar a necessidade de planejamento. Sem isto, haveria o aumento da oferta de determinados produtos em certas épocas, sem suficiente saída nos supermercados. O ciclo que se geraria seria de desestímulo para o produtor. “O produtor admite racionalmente, mais psicologicamente não entra na cabeça dele que ele tem que reduzir, porque está vendendo pra caramba. Aí o agrônomo vai e fala que para seu planejamento ele tem que plantar isso. O produtor simplesmente não obedece, reduz a metade, mais não reduz aonde o planejamento esta mandando e o que acontece é que quando chega agosto ele está com uma produção que não cabe no mercado. Não adianta botar o produto lá na frente, porque vai sobrar, o gerente da loja não compra”.

Isto justifica um dos aspectos mais polêmicos do contrato com os produtores: eles devem assumir a sobra. O desagrado com esta situação tem feito com que alguns produtores tenham procurado outras comercializadoras. De acordo com o entrevistado, “Pode-se procurar, por exemplo, outra distribuidora que não assume a sobra, mas tampouco deixa tirar da roça. Como não tira da roça o produtor então desiste e volta a nós procurar e nós não aceitamos. Quando o produtor foi pra lá eu falei que você via voltar, eu estou ti dizendo, eu jogo limpo com todos os produtores.”Como parte do processo de adaptação as exigências do supermercado em termos de qualidade do produto (padronização, peso e preço), além da assistência técnica dada pelos agrônomos contratados, a empresa A fornece cursos de formação para os produtores sobre como atingir os padrões de qualidade demandados pelos supermercados (fazer maço, saber qual é o maço padrão, etc). Antonio relata o seguinte caso: “10 pacotes da couve manteiga de nossa empresa tem o mesmo tamanho, mesmo peso e a mesma quantidade de folhas. Uma vez um gerente da loja disse para o vendedor ‘- você esta brincando comigo, mesma quantidade de folhas?”. O senhor abre os 10 pacotes e conta’. O gerente abriu os dez pacotes e contou  a mesma quantidade de folhas nos pacotes, e falou – Que absurdo! Como os caras são caprichosos. Nós somos caprichosos, com anos e anos de formação dos agricultores, da importância de padronizar o produto, da importância de ter um produto bonito na gôndola.”

A partir da observação e da comunicação direta com os consumidores nas lojas, Antonio diz ter observado que estes não compravam muitas vezes o produto orgânico não tanto por causa do preço, mas porque o tamanho não se adequava as suas necessidades: “Você vê direto isso. O consumidor fala: eu presto atenção em preço. Aí você vira pra ele e diz então porque ele comprou esse produto que é mais caro, que é orgânico. E acontece que ele nem sabe o que  é orgânico, nem sabe se aquele produto ali era mais caro.”De certa forma, a empresa A segue estratégias de marketing convencionais: “tudo que existe de marketing já fazemos, ou seja, alugamos ponta de gôndola de maior movimentação, porque as vezes os consumidores compram por impulso, quer dizer, você sabe todo o supermercado é mapeado o valor, você tem a prateleira de baixo, você tem a prateleira mais alta, você tem a prateleira do nível dos olhos”.

Ao iniciar a comercialização com os supermercados, a certificação não era uma exigência. De acordo com o sócio entrevistado, foi a empresa A que criou esta exigência junto aos supermercados com o objetivo de  difundir o conceito de orgânico. Primeiro tiveram o selo da Associação de Agricultura Orgânica (AAO) a partir de 2001, se iniciou a certificação com IBD e atualmente todos os produtos são certificados pelo IBD via processo de certificação grupo pequenos produtores.. Mas a certificação também trouxe alguns problemas. Entre os quais, o entrevistado identifica como a necessidade de co-existir com a certificação participativa, que considera não estar necessariamente de acordo com as normas internacionais (qualidade da água para irrigação, por exemplo). Isto poderia levar a um descrédito do produto orgânico em geral, que não se deveria a má fé por parte dos produtores, mas a falta de um observador externo que garantisse o controle da qualidade.

Nas negociações com os gerentes dos supermercados incluem-se diversos aspectos importantes, como o espaço destinado aos orgânicos, a localização em relação a outros produtos e o preço. O espaço é acordado em cada loja, sem haver uma regra fixa por rede. “tem loja que eu pago R$4.000,00 por mês por um determinado espaço, vou lá e alugo a ponta de gôndola daquela loja. Tem lojas que você paga, tem lojas que não paga, a maioria das lojas ninguém paga nada, são os gerentes que determinam o espaço, e ponto. E determinam a identificação, placas, para isso são gerentes, então essa negociação tem que ser feita com o gerente de FLV.” A localização dos orgânicos pode passar a ser um foco de conflito com os gerentes, dada a tendência de misturar orgânicos e hidropônicos. O preço é negociável na matriz, embora tenha muitas lojas que podem abrir o preço: “Se eu chego lá no Pão de Açúcar, e tem alguém com o preço menor do que o meu, ele vai me forçar a baixar e nessa onda eles vão pressionando, vão pressionando, isso não é só para o orgânico é parar o convencional também. Hoje até a Coca-cola é presa de supermercado’.A pesar de tensões e conflitos, desde o ponto de vista da empresa A é fundamental construir relações de confiança com os representantes do setor, algo que nem sempre é reconhecido da mesma maneira de parte dos gerentes. Para o entrevistado é considerado de alto valor ser a empresa reconhecida pela coerência e pela ética: “eu sou coerente desde o início, não baixo preço, não dou bola, sou chato para negociar, sou.  Discuto, brigo com os caras, mas eu sou honesto e sou coerente”. 

2.2) Empresa B

A empresa B é pioneira no estado do Rio de Janeiro na comercialização de orgânicos, estando há mais de dez anos produzindo hortaliças em Itaipava, na serra de Petrópolis, a 750 metros acima do nível do mar, em um pequeno vale, cercados por morros cobertos pela Mata Atlântica. Atualmente pode considerar-se a empresa como o maior produtor e comercializador fluminense no setor de orgânicos, associado aos seus parceiros.

Esta empresa teve um início diferente do que analisamos na empresa A. O casal que assume a direção mora na cidade de Rio de Janeiro, sem passado na agricultura. Ao comprar um sitio para lazer decidiram investir em algo lucrativo e encomendaram um estudo de mercado a uma empresa de assessoria agropecuária. Esta recomendou a olericultura orgânica – um diferencial em relação à região, considerada o “Cinturão Verde” do Rio de Janeiro.

Desde o início contam com uma técnica agrícola capacitada nos cursos do IBD, da ABIO e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro que deu início a programação do plantio e a desintoxicação do solo.  A comercialização dos produtos, inicialmente, foi em forma de cestas sortidas entregues em domicílio a cinco clientes na Zona Sul.

A medida que foram adquirindo experiência neste setor (com padrões de qualidade e mix), também foram melhorando e sendo mais eficientes no setor produtivo. Por exemplo, deixaram de ter as mudas em sementeiras à céu aberto, para ter estufas utilizadas como viveiro. Uma vez com essa consolidação em termos de capacitação e produção, passaram a procurar negociar com os supermercados ao serem procurados por 2 produtoras orgânicas da região serrana de Nova Friburgo, pioneiras no fornecimento aos supermercados Zona Sul na cidade do Rio de Janeiro, mas que apesar de terem aberto este canal de comercialização, não tinham produção para a demanda dos donos da rede de varejo. Desde 1997, entraram na Zona Sul, e depois no Extra e nas Sendas. Nessa transição, desenvolveram uma logomarca e instalaram câmaras de refrigeração, sala de empacotamento, gerador para suprir as constantes quedas de energia, novos tanques para lavação de hortaliças e melhoria na captação da água. Também foram treinados novos profissionais, como equipe de montagem, motoristas e entregadores dos produtos nos supermercados 6 vezes por semana.

O crescimento mais recente envolve novas atividades administrativas e de gestão, como o trabalho de faturas e mapas de colheitas, agora computadorizado, e sistema de entrega, realizado já não mais numa pick-up, nem nas duas vans, mas por 5 caminhões com baú refrigerado, uma equipe de 8 motoristas e 16 entregadores uniformizados. Além desta equipe que trabalha no escritório e no processo de montagem, a empresa conta com cerca de 20 funcionários nas lojas de supermercados, para atender os produtos nas gôndolas, e que por sua vez são fiscalizados por supervisores. Também realizaram mudanças importantes de infraestrutura permitindo melhores condições de higiene. O galpão foi reformado, com paredes e tetos laváveis, mesas de fórmica e maior área de trabalho para o empacotamento dos produtos. Atualmente nos supermercados da rede Zona Sul atendem 21 lojas, uma loja do Carrefour na Barra, três lojas do Pão de Açúcar e três lojas do Extra. O setor supermercadista é responsável por pelo menos 85% da receita, que se complementa com um restaurante representando 5%, e entrega de cestas a domicilio 10% (70 clientes). O próximo passo foi embalar as hortaliças pelo sistema “minimamente processado”, ou seja, saladas selecionadas, higienizadas, embaladas em atmosfera modificada e prontas para consumo, o que será feito através da empresa fluminense do setor (trabalha com processados FLV convencionais) também parte do patrimônio do casal.

Somente para o Supermercado Zona Sul, enviam de 12 mil a 15 mil unidades de hortaliças por semana. A produção é de responsabilidade de 35 produtores, com mais de 30 ha, que atualmente seguem as normas do IBD assim como a embaladora/comercializadora e a processadora. Até 200 os produtores tinham certificação feita pela ABIO. No sítio, de 50 hectares (dos quais 35 são de mata atlântica, intocada), cultivam-se 7 hectares de hortaliças e legumes, a céu aberto.  Para cuidar da horta, lavar os produtos e embalá-los, são empregados 42 funcionários.

Por causa de dificuldades de manter o fornecimento, o casal decidiu sair das Casas Sendas e se concentrar mais na Zona Sul. Esta decisão se deveu aos problemas burocráticos que enfrentavam nas Sendas, especialmente após as mudanças que foram realizadas na empresa a partir de 2001. Esta escolha permitiu o crescimento da empresa, e chegaram a quase se tornar parceiros do Zona Sul.  De acordo com a entrevistada, o diretor disse para ela: “Agora nosso time era da terceira divisão, depois virou segunda, agora esta na primeira. Por ter saído das Casas Sendas, que é o nosso arquiinimigo. Então, por ter dado preferência a Zona Sul, hoje eles nos tratam a pão-de-ló. E a gente se sente assim. Eu tenho o telefone do contador e eu falo com ele, ele fala comigo a qualquer hora do dia. Normalmente eles não dão. A gente está assim muito próximo e realmente prioriza o Zona Sul.”

O custo do promotor encarece o produto. A entrevistada cita como exemplo o produto de uma associação de produtores, que seria mais barato porque não teria as despesas com promotor. O promotor recebe em média R$ 500,00, além de todos os encargos, como férias, 13º, alimentação que é R$2,50 vezes 28 dias, vale transporte, feriado, domingo. Como certificadora escolheram o IBD, por ser muito profissional, mas sem ser uma exigência dos supermercados. Inicialmente, procuraram uma cooperação entre IBD e ABIO, mas esta não mandava relatórios para o IBD, gerando conflitos nas relações. Os produtores parceiros da empresa B são identificados, assim o código de barras passou a ser central para poder agilizar a entrada do produto e não depender do supermercado, do funcionário dele ir no CPD,  puxar a etiqueta e colocar  o código de barra emprestado do supermercado para botar no produto. Para a entrevistada, “isso era um entrave para a venda, então começamos a colocar, a ter o nosso próprio código de barra. Agente desenvolveu nosso próprio sistema de rastreabilidade e a gente tem todo os produtores rastreados e controlados e se algum produtor novo entrar, ele  recebe um número. Então o produto saia pronto, para ir para área de venda”.

Há problemas de escala e regularidade da produção. Além dos produtores já parceiros,  o casal que administra a empresa B arrendou mais área na procura de alcançar uma certa independência, sem depender de outros produtores. Para isto contam com dois funcionários contratados e eles procuram e selecionam os produtores, determinam o que vai ser plantado, o volume que vai ser plantado, eles administram o planejamento da produção.

Os contratos entre os supermercados apresentam diferenças que correspondem a estratégias gerais para FLV. Por exemplo, problemas em algumas redes para cadastrar cada novo produto. Nas Casas Sendas isto podia levar até 6 meses, e até depois desse tempo o cadastro podia aparecer errado, o que acarretava notas de devolução infindáveis por ter cadastro mal feito. Isto é explicado pela máquina muito pesada e muito ineficiente do Sendas, com quadros recentes de funcionários. Também problemas para realizar os contratos com fornecedores tanto de produtos convencionais em altíssima escala. De acordo com a entrevistada, Casas Sendas ainda parece não ter idéia do que seja orgânico, desconhecendo as particularidades as dificuldades do orgânico: “Simplesmente eles querem taxas diversas, para promoções, para abertura de lojas novas, para aniversário (datas de promoções), promotor, desconto para pagamento de avarias, etc.”

Alguns supermercados também estabelecem iguais relações entre os fornecedores de FLV orgânicos e os convencionais exigindo contratos com negociação de descontos: “Aí cabe a você chegar na hora e dizer topo ou não topo, não quero, cheque de aniversário de R$1.000,00, R$2.000,00, R$500,00 que a gente sempre procura dar em produtos qualificado”.

O preço permanece alto por várias razões. Uma delas é a dificuldade de encontrar produtores de qualidade e responsáveis, e os custos embutidos na produção. Para a entrevistada, há uma difícil coordenação entre os fornecedores na cidade de Rio de Janeiro, que seria devido a desagregação gerada pela disputa pelos produtores: “Suponha, por exemplo, que ele tenha um molho de brócolis que eu pago ao produtor R$0,90. Eu vou vender esse mesmo molho de brócolis que foi limpo, selecionado, embalado, entregue em carro refrigerado por motorista entregador que desce no pedágio, aqui eu pago o almoço, uniformizado, limpo num carro que é lavado todos os dias, por R$2,50. Desses R$2,50, R$0,90 vão para o produtor, e esse mesmo molho de brócolis é vendido por R$4,08. Viu, no varejo ele vai chegar a R$4,08. O preço mais baixo para quem não me pede desconto financeiro, e o preço com desconto financeiro embutido, por exemplo, para Pão de Açúcar e para o Carrefour. No Extra, tem desconto financeiro, nota de devolução, que não acontece com a empresa B  porque eles bateram na nossa porta e isso nos coloca numa posição muito vantajosa. Hoje se eu chegar para eles e disser assim, eu estou colhendo uma flor.Finalmente, ao igual que o entrevistado da empresa A, esta entrevistada destaca a importância de construir uma imagem de confiança junto ao supermercado. Isto tem influência nas negociações com os diretores e gerentes: “A gente tem um nome, a gente tem hoje digamos a uma imagem de gente correta, direita, honesta, e que o chefe de setor não tem nenhuma preocupação com o nosso produto. Quando eu digo que a gente é muito transparente na loja, a gente realmente é, e quando eu digo não vou pode ter bico, não tem.  No momento, a nossa postura, a nossa fama no Zona Sul é que a gente é chato. Mas eles confiam, exatamente porque, eles já sabem que a gente trabalha muito certinho, eles sabem que é terreno firme”.

“A concorrência acirrada ente as grandes redes de supermercados tem motivado comemorações até de data fictícia: aniversário de chegada no Brasil, aniversário mundial, aniversário da reestruturação. E todos anunciam uma superfesta como comemoração. Só no mês de outubro do ano passado, três grandes cadeias – Carrefour, Barateiro e Wal-Mart – festejam aniversários com “megacampanhas” promocionais, que ocupam espaços nobres da televisão e dos jornais. De acordo com declaração de Eugênio Foganholo, consultor da Mixxer, especializada em varejo, quem paga a festa é o fornecedor (Gazeta Mercantil, 10/10/ 2002). 

2.3) Empresa C

A Empresa C é uma associação formada por produtores na região de São José do Vale do Rio Preto, um dos pólos mais importantes de produção orgânica no estado de Rio de Janeiro. Parte de sua origem está marcada pela independização de um grupo de produtores orgânicos que forneciam para a empresa B. De acordo com Carlos, a associação  procurou a certificação da Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro-ABIO. A ABIO foi criada em 1984, por alguns produtores orgânicos que comercializavam seus produtos isoladamente, com o objetivo principal de favorecer a troca de experiências entre eles e facilitar a comercialização dos seus produtos através de estruturas comuns de pontos de varejo (Fonseca e Campos, 1999).

Características do funcionamento da associação: esta foi criada em 1998, e conta com 70 produtores (entre parceiros e meeiros dos proprietários). Um sócio é responsável pelo transporte e outro, sob contrato, dedica-se a higienização, embalagem e etiquetagem. Contam também com uma agrônoma associada, que contribui no planejamento da produção. Possuem um nome fantasia para os seus produtos. Atualmente comercializam 30% das vendas no Pão de Açúcar e na rede Extra. Também fornecem em menor escala para o Carrefour da Barra, Sendas e Bom Marché. Contavam com a expectativa de entrar no Zona Sul no primeiro semestre de 2003. A vantagem da associação esta tanto na divisão quanto nos riscos quanto dos lucros. O produtor no geral fica com 30 a 70% do lucro das vendas aos supermercados.

Caracterização das relações com os supermercados : O entrevistado avalia que há ainda pouca oferta para a dimensão da demanda. Mas os custos das distribuidoras e dos produtores, levam a gerar dificuldades de permanecer no negócio. O desafio é conseguir manter o fornecimento de um mix diversificado, uma das exigências mais fortes dos supermercados. A associação conta com uma lista de 90 produtos. Também devem responder as exigências de qualidade, em termos de aparência, peso, tamanho e forma de apresentação, já embalado.

Demandas extras dos supermercados: a dificuldade para evitar entrar no sistema de desconto de 5% na nota, no “enxoval” (os produtos que serão colocados em promoção na data dos aniversários).
Papel dos promotores: é decisivo para fiscalizar o estado do produto, o que é descartado,e manter os produtos acondicionados nas gôndolas. No geral há conflitos entre promotor (bico) do convencional e o do orgânico. 

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