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Ao contrário do que muitos pecuaristas imaginam, André Voisin não foi o inventor ou o pioneiro do Pastoreio Racional. Suas origens remontam aos mais primitivos povos pastores do Oriente, que acompanhavam seus rebanhos de ovinos e caprinos para protegê-los de predadores ou ladrões e conduzí-los às melhores pastagens.
O que este cientista, agricultor, bioquímico e professor da Escola Nacional Veterinária de Alfort, Paris, foi compreender essa essência conceitual, formular teorias e obter um conhecimento prático consistente, empregado e testado em “Le Talou”, pequeno estabelecimento leiteiro situado na Normandia, norte da França. O conjunto de sua obra, composta da pentalogia citada nas fontes de consulta deste trabalho, reúne um conhecimento nunca antes sistematizado.
Voisin dizia que a agricultura é “a ciência das condições locais” (produtividade do pasto). Quem atua neste setor, em especial aqueles com formação específica em universidades, não podem ignorar as peculiaridades locais, sob pena de cometerem, como amiúde cometem, erros derivados da pretensão de quererem ambiente, ecônomico e ecológico, adaptado à tecnologia e não o contrário.
O sistema se enquadra perfeitamente aos princípios da agroecologia, dentre os quais destacam-se:
- Conservação dos recursos naturais ( solos, água, florestas, animais silvestres, etc.)
- Adaptação da agricultura ao ambiente natural
- Manutenção de níveis altos de produtividade, sem retrocessos
- Reduzir emprego de energia e insumos
- Empregar métodos produtivos que restaurem os mecanismos homeostáticos (reguladores do equilíbrio ecológico)
- Promover o retorno da matéria orgânica ao solo e a permanente reciclagem de nutrientes.
- Incrementar o uso múltiplo da terra.
- Reduzir custos e aumentar a eficiência econômica das propriedades agrícolas através do gerenciamento de processos.
- Promover um sistema agropecuário diversificado e potencialmente resistente à variações no ambiente natural e na economia.
Para entender esse sistema, dois conceitos são fundamentais: o primeiro é o da “planta pratense”que nada mais é do que a espécie vegetal (mais conhecida como gramínea) que forma o pasto.
O segundo conceito é o de “antípoda”, que são as plantas denominadas “daninhas” ou “invasoras”.
Enquanto a planta pratense é capaz de armazenar em suas raízes e na base de seus colmos, várias vezes durante o ano, as reservas suficientes que lhe permitam rebrotar depois de cada corte. As plantas antípodas, ao contrário, têm suas substâncias de reserva afetadas pelo corte baixo e repetido. Algumas gramíneas porém, se comportam como plantas invasoras, não resistindo a cortes repetitivos, mesmo sendo de alto valor nutritivo e muito apreciadas pelo gado. Mantidos os cortes sistemáticos nas pastagens, teremos uma comunidade vegetal constituída por mais de 95% de gramíneas e leguminosas, o grupo mais importante na alimentação dos herbívoros e 5%, no máximo, de inços ( as chamadas ervas daninhas). Essa associação vegetal pode ser obtida sem qualquer uso de herbicidas, empregando-se apenas os critérios de manejo enunciados nas 04 leis do Pastoreio Racional.
Vale ressaltar que, as plantas chamadas “daninhas” e tantas vezes desprezadas ou combatidas sem tréguas pelo agricultor, são reservas vivas de hormônios, minerais e vitaminas ausentes nas pastagens com uma só espécie vegetal, sendo extremamente importantes para o funcionamento normal do organismo dos animais. Não bastasse isso, essas plantas servem também como “tempero gastronômico” para os bovinos, como recurso de automedicação de que os animais se valem nas afecções estomacais, assim como procedem cães e gatos quando sofrem cólicas. Em outra palavras, uma só espécie no pasto é tudo o que os bovinos não desejam. Os estudos feitos por Voisin permitiram o enunciado de suas 04 leis universais do Pastoreio Racional, sendo que duas se referem aos pastos e duas aos animais. Na segunda parte desta série, essas leis serão apresentadas em detalhes.