Associação Portuguesa de Agricultura Biológica (AGROBIO) |
Fábio Ramos, zootecnista e editor de conteúdo do Planeta Orgânico, visitou a Associação Portuguesa de Agricultura Biológica (AGROBIO), fundada em 1985 e responsável pela promoção de feiras, divulgação institucional e assistência técnica em agroecologia.
A seguir, confira a entrevista com o presidente Sr. José Carlos Ferreira.
PO-Gostaríamos que o senhor fizesse um pequeno relato da história da Agrobio; quando foi fundada, como foi a sua formação e como é a sua estrutura atual. |
JCF– A Associação Portuguesa de Agricultura Biológica foi fundada em 1985, e contou com o auxílio do técnico francês, Jean Claude, que já tinha trabalhado em agricultura biológica na França; quando veio para Portugal, foi o grande impulsionar desta associação portuguesa. Portanto, pode-se dizer que foi a primeira e durante muitos anos a única associação de agricultura biológica portuguesa, que pouco a pouco foi impulsionando a agricultura biológica em Portugal. Nesta altura, a Agrobio criou normas da agricultura biológica para o desenvolvimento do comércio e normas de apoio técnico e formação para os agricultores. A agricultura biológica foi se desenvolvendo e a partir de 1993 quando entrou em vigor a legislação da agricultura biológica comunitária, (elaborada entre 1990/91) veio homogeneizar as normas da agricultura biológica de várias seções. Cada seção tinha as suas normas. A partir de 96, faz-se valer essa incompatibilidade entre, por um lado o controle das normas e por outro lado a assistência técnica. Portanto, em 96 a Agrobio deixou de fazer controle e passou a fazer só a parte técnica, formação profissional e organiza uma feira de agricultura biológica todos os anos em Lisboa, em outubro, e agora de três anos para cá começou a organizar em outra grande cidade, Porto. Tanto promove encontros técnicos, seminários, como publicar uma revista chamada “Joaninha”, que enviamos para o IBD, no Brasil; eles também nos enviam sua revista.
Temos participado em alguns projetos de experimentação juntamente com outras entidades. Fazemos também um trabalho muito importante que é de sensibilização do poder político; há muito pouca sensibilização e sensibilidade para a agricultura biológica. assim é importante, de pouco em pouco irmos chamando a atenção de pessoas para investirem na agricultura,e ressaltar as vantagens que ela tem. Pouco a pouco, vamos impulsionando para ver se cada vez temos políticas mais favoráveis a esse tipo de agricultura. Atualmente temos 3.300 associados e esses associados são agricultores biológicos; temos também outros tipos de sócios: transportadores, distribuidores, consumidores, técnicos…
Você falou que em 1996 a Agrobio passa o controle para empresa privada, isto seria a certificação? |
JCF – Exatamente.
PO – A certificação passa a ser realizada através de quem , em Portugal? |
JCF – De uma empresa privada que se chama Ecocert. Entretanto em 2000 surgiu uma outra empresa privada que é SATIVA .
PO – Se a certificação fica por conta das empresas privadas, quem passa a controlar estas empresas? |
JCF – O Ministério da Agricultura está por cima dessas duas empresas privadas; é o Ministério que eles conhecem e a qualquer momento pode tirar esse conhecimento (credenciamento).
Você também citou que ela foi fundada em 1985 e nesse momento na Europa já existiam outras associações em outros países da comunidade? |
JC – A IFOAM (Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Alternativa) foi fundada em 1972; a associação francesa que também nós nos baseamos, penso que foi fundada nos fins dos anos 70, enfim a Inglaterra … ainda muito mais atrás lá pelos anos 40 a Alemanha também. Portanto, começamos ainda mais atrás e continuamos ainda mais atrás. Em termos de sensibilidade ambiental, nós estamos ainda um pouco atrasados, em relação a França, Alemanha, Bélgica, Inglaterra.
PO – Gostaríamos de ouvir sua opinião sobre os produtos portugueses, que são produtos com um aspecto artesanal muito forte, como no caso o vinho, que tem uma variedade genética bastante interessante. Você não acha que isso pode se tornar um fator de competitividade para Portugal? Os produtos agrícolas por exemplo, que poderiam ser uma oportunidade para conversão dos sistemas para a agricultura biológica , pela riqueza genética e riqueza de qualidade. |
JC – Claro que sim. É uma das coisas que nós temos argumentado junto ao Ministério da Agricultura. De fato temos muitos produtos regionais, temos ainda muitas variedades. Certos produtos regionais são produzidos de um modo muito próximo da agricultura biológica e que se passassem a ser biológicos teriam mais valia comercial e sem grandes mudanças do método de produção. Temos investido nesta mensagem, essa idéia é difícil de passar. Muitas pessoas não acreditam na agricultura biológica. Isto vem aos poucos. O certo é que em Portugal tem havido um crescimento de consumidores para comprar esses produtos.
Talvez a resistência maior seja exatamente dos técnicos da agricultura convencional, que de fato tiveram toda uma formação da agricultura convencional, e portanto acham que este cultivo não é viável tecnicamente ou economicamente e por isso talvez não dêem assistência nas escolas de agricultura.
Nas universidades é difícil ver agricultura biológica, principalmente nós que temos três das mais antigas universidades, nenhuma delas tem nenhum tipo de agricultura biológica. Temos aí algumas escolas com cursos de três anos, quatro e cinco anos… Mas, nas Universidades mais antigas e mais conservadoras ainda não existe.
PO – E a Agrobio em algum momento tentou junto às Universidades fazer palestras, tentar uma aproximação para conseguir colocar essa semente lá dentro. Como está essa relação? |
JC – Sim, já temos participado em algumas palestras nas Universidades e normalmente o que acontece é que poucas pessoas estão aprendendo, ou seja, é um problema de todas as relações culturais, técnicas e científicas. Sempre que aparece um caso diferente daquilo que estava em vigor, há sempre muitas reações e muitas vezes as pessoas nem se interessam por ouvir e tentar entender se aquilo que está sendo proposto é bom ou não. As pessoas deveriam ser mais abertas para o que aparece de novidade com o objetivo de beneficiá-las; como exemplo, a agricultura diferente daquilo que vem sendo praticado e que tem tido algum acerto, merece ser investigada. Mas , as pessoas dizem pura e simplesmente: “Isso não faz sentido” e nem sequer perdem um minuto, ou para ir visitar uma exposição agrícola, ou ouvir um seminário de agricultura biológica ou tentar saber mais… Isso é lamentável.
PO – Vocês tem hoje um diagnóstico da área de produção em Portugal e quais seriam os principais produtos nessas áreas de produção agrícola? |
JC – Os últimos dados estatísticos que temos são do ano passado: no fim do ano de 2000, tínhamos 800 agricultores numa área de 50.000 hectares. Em termos de área representam 1,3% da área de agricultura. Dessa área, a maior é de olival para a produção de azeite; também temos olival para a produção de azeitona de mesa, mas a maioria realmente é para azeite. Depois temos também uma área razoável ( isso é um mau exemplo), de cereais, cultura de grãos. Mas aí há uma distorção grande, muitos desses produtores de cereais estão na agricultura biológica por causa dos subsídios que eles recebem e não por uma expectativa de mercado. Então o que estão fazendo? Estão deixando que os animais comam os cereais … e ainda por cima como agravante é que em Portugal não se podia fazer carne biológica pois até o ano passado, não havia legislação. Agora que passou a existir legislação no país para a área biológica vamos estar em condições de produzir carne, leite e ovos .
PO – Falando em pecuária, o que você pode nos dizer da produção de carne biológica leite e queijos |
JC – Como não havia legislação, a qual só entrou em vigor para gado de corte em 2001, não havia nem carne, nem leite, nem queijos, nem mel. Depois da legislação, está havendo um grande interesse, principalmente para na parte da carne, porque nós temos sistemas muito próximos da agricultura biológica. Principalmente no sul de Portugal, no centro e no interior onde o gado tem grandes pastos. Pode-se dizer que estes animais já estão próximos da pecuária biológica.
PO – E em relação ao controle sanitário vocês estão tendo alguma informação ou atividade da homeopatia veterinária, da fitoterapia veterinária? |
JC – Pelo fato desta área de pecuária estar atrasada em Portugal nós não temos praticamente pessoas que dominem o processo de pecuária biológica, de homeopatia, de fitoterapia e etc. Havia uma pessoa, que fundou a Agrobio, mas depois foi para o Canadá. Sabemos que ele está voltando para Portugal ,o que será muito bom , pois além de ser agrônomo é um excelente técnico e sabe muito de terapias alternativas .Já o convidamos para vir fazer uns cursos na área biológica e esperamos que a partir do ano que vem ele esteja conosco. Será uma pessoa que irá dinamizar, ensinar outros técnicos nessas áreas, porque esse conhecimento de fitoterapia, homeopatia para tratar os animais nós não temos.
PO – Pediria que você falasse agora um pouco do mercado, qual é a postura do consumidor português e qual é a postura do mercado português para os produtos biológicos. |
JC – Como eu disse a pouco em termos de sensibilização dos consumidores portugueses, o nível é baixo, está abaixo da média… principalmente por causa desses escândalos alimentares, das vacas loucas, das questões dos hormônios que injetam nos animais, dos antibióticos, etc.; etc … No entanto, apesar desta percentagem baixa. Agora tem mais procura, a procura é para suprir a oferta na área dos hortifruti, como há mais procura do que disponibilidade de produtos, muitas vezes acabamos importando esses produtos: como as maçãs da França, às vezes da Alemanha ou da Bélgica. Nesses setores a demanda é superior à oferta.
PO – Vocês acham que o preço do produto biológico tem que ser mais caro? E vai ser um preço capaz de competir com o do produto convencional? O que você pensa sobre isso? |
JC – Acho que ao menos nessa fase o preço dos produtos biológicos tem que ser mais caro, primeiro devido ao custo de produção, não digo em todas as culturas, mas na maioria das culturas é mais alto. Depois há o custo que tem que se pagar pela certificação, depois, devido ao fato de não haver muitos produtores, e portanto, de os circuitos de distribuição não estarem organizados, leva a um aumento do custo de subsídios. Isso significa que o preço tem que chegar obrigatoriamente ao público mais caro. A produtividade também é um pouco mais baixa. Por isso o preço tem que ser sempre mais caro para os produtos biológicos. Atualmente, em Portugal, às vezes há produtos que são demasiado caros; por exemplo, alguns itens que são importados e chegam aqui muito caros devido também à ineficiência do setor de distribuição. Outro problema atual é vendermos poucos produtos, a pouca produção chega ao consumidor muito caro. Mas, sobre isso, sobre o preço, eu às vezes costumo dizer o seguinte: não são os produtos biológicos que são demasiado caros, são os produtos convencionais que são demasiados baratos, na produção desses produtos não se está contabilizando os custos ambientais que esses produtos causaram na sua produção.
PO – Por que entre Brasil e Portugal não existem parcerias comerciais como, por exemplo, com Alemanha e a França? Portugal talvez possa ser um parceiro comercial nesta área com o Brasil e isso não está acontecendo. Apenas ocorrem parcerias e negócios com a França e a Alemanha, qual sua opinião a respeito? |
JC – Tem a ver com o desenvolvimento da agricultura biológica na Alemanha, na Holanda e na Bélgica: nestes países a agricultura biológica avançou há muito mais tempo, os consumidores começaram a se interessar por produtos biológicos há muito mais tempo; começaram a se interessar pelos produtos europeus, mas também por outros produtos, produtos tropicais como café, cacau, etc… pois eles tinham essa necessidade. O que se passa de fato, em termos europeus é que os holandeses são os grandes importadores de todo o mundo e que acabam por distribuir para os outros países da comunidade européia, os holandeses compram tudo…
PO- Como é a estrutura interna da Agrobio hoje, quantas pessoas são envolvidas? Vocês tem este escritório e tem mais unidades? Como vocês estão organizados? |
JC – Nós só temos esta sede aqui em Lisboa, somos uma associação em nível nacional, e em termos de recursos humanos esta associação teve alguns problemas no passado… Entretanto, atualmente em termos de técnicos temos poucos, mas estamos atualmente trabalhando muito. … Estamos agora numa época de viragem ( transição), a partir do ano que vem esperamos de fato dinamizar o trabalho juntos, o que tem sido nestes últimos tempos a grande falha da Agrobio… Agora estamos a fazer um trabalho de lançamento … da instituição, temos atualmente dois técnicos: eu e o Alexandre, eu não estou a fazer, infelizmente muito trabalho técnico, mas sim os de caráter político, burocrático e administrativo. Temos também um técnico mais ligado com educação ambiental em escolas, que é um trabalho que nós também temos feito de sensibilização dos miúdos (crianças) nas escolas (da compostagem, por exemplo). No entanto, a partir do ano que vem vamos requisitar vários técnicos para dar apoio aos agricultores porque agora, a partir do ano que vem, os agricultores que eram beneficiados para a agricultura biológica, são obrigados a se inscreverem numa associação … e portanto nós vamos ter mais técnicos trabalhando no campo.
PO – O Planeta Orgânico se coloca a disposição para qualquer tipo de intercâmbio. |
JC – Quero dar os parabéns para este site, porque eu acho que é extremamente importante trabalharmos todos em conjunto para promoção deste tipo de agricultura que obviamente é importantíssima para o ambiente. Nós somos consumidores e portanto, é fundamental contribuirmos para um desenvolvimento cada vez mais sustentável. Portanto, estamos disponíveis de fato para colaborar dentro das nossas possibilidades com o Planeta Orgânico, em ter que enviar alguma informação no site, portanto vamos vendo o que se pode fazer mais. Nós temos 600 assinantes, e tenho a certeza que terão interesse no Planeta Orgânico.
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